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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

Alceu Wamosy

Livramento - RS
1895-1923
Alceu Wamosy publicou seu primeiro livro de poesia, Flâmulas, em 1913. Na época já trabalhava como colaborador no jornal A Cidade, fundado por seu pai, em Alegrete, RS. A partir de 1917 tornou-se proprietário do jornal O Republicano, apoiando o Partido Republicano. Continuou colaborando para diversos periódicos, como os jornais A Notícia, A Federação, O Diário e a revista A Máscara. Publicou as obras poéticas Na Terra Virgem (1914) e Coroa de Sonho (1923). Postumamente foram publicados Poesias Completas (1925) e Poesia Completa (1994). Poeta simbolista, Alceu Wamosy escreveu poemas cheios de desencanto, em uma produção que se destacou no sul do país e é uma das mais significativas do Simbolismo brasileiro. Morreu em Livramento RS, em 1923.

Duas Almas Para Coelho da Costa

Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
entra, e, sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
vives sozinha sempre, e nunca foste amada...

A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!

Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...

Noturno

Tu pensarás em mim, por esta noite imensa
e erma, em que tudo é um frio e um silêncio profundo?
Tu pensarás em mim? Por esta noite, enfermo,
tendo os olhos em febre e a voz cheia de sustos,
eu penso em ti, no teu amor e na promessa
muda que o teu olhar me fez e que eu espero.

(Que dor de não saber se tu pensas em mim!)

Sob a tenda da noite estrelada de outono,
que eu contemplo através os cristais da janela,
junto ao manso tepor da lâmpada que escuta
— antiga confidente — os meus sonhos e as minhas
vigílias de tormento, eu penso em ti, divina.

(E tu talvez nem te recordes deste ausente!)

Penso em ti. Penso e evoco o teu vulto adorado.
Penso nas tuas mãos — um lis de cinco pétalas —
que, em vez de sangue, têm luar dentro das veias;
nos teus olhos, que são Noturnos de Chopin
agonizando à luz de uma tarde de sonho;
na tua voz, que lembra um beijo que se esfolha.
Penso.
(E nem sei se tu também pensas em mim!)

Talvez não. No tranquilo altar da tua alcova,
onde se extingue a luz de um velho candelabro
como uma lâmpada votiva, tu adormeces
sorrindo ao Anjo fiel que as tuas pálpebras fecha
para que tu não tenhas sonhos maus.
E eu penso
em ti, sem sono, a sós, angustiado e febril,
em ti, que nem eu sei se te lembras de mim...

Publicado no livro Coroa de sonho: poemas (1923)

O Grande Sonho

... e eu sonho que hás de vir. Sonho que um dia
mais ardente e mais bela do que eras,
virás encher de graça e de harmonia
meu jardim de tristíssimas quimeras.

Sonho que hás de trazer toda a alegria,
todo o encanto das tuas primaveras,
ou que em um reino antigo de poesia,
o meu amor, entre rosais, esperas.

E fico na ilusão de que tu vieste
E nesse sonho de ouro mergulhado,
o teu vulto alvoral surgindo vejo
sobre as próprias feridas que fizeste...

E fico na ilusão de que tu vieste
o bálsamo estendendo do teu beijo,
sobre as próprias feridas que fizeste...

Publicado no livro Coroa de sonho: poemas (1923).

Sonho Humilde

Assim te quero amar; quero adorar-te assim,
Sempre de joelhos, sempre, ó mármore sagrado;
E que teu corpo ideal não seja, para mim,
Mais que um horto de sonho, ou que um jardim fechado.

Em todo amor defeso há um encanto sem fim,
Que o faz extreme e leal, lúcido e iluminado:
A mulher que se adora é a Torre de Marfim,
Mais alta do que o mal, para além do pecado.

O amor deve viver perpetuado no sonho!
Só desejar é bom: Possuir é renunciar
À ilusão, que nos torna o desejo risonho.

Ter só teu corpo é ter um tesouro maldito;
Mas, possuir-te na alma e adorar-te no olhar,
É ter o céu inteiro, é ter todo o infinito!

Publicado no livro Coroa de sonho: poemas (1923).

Diverso Amor

Não quero o teu amor! O teu amor parece
Que feito deve ser de magnólias e luares!
Amor espiritual, casto como uma prece,
De uma pureza ideal de alvas toalhas de altares!

E o meu amor, mulher, é um amor que estremece
De desejos fatais, vagos, crepusculares...
Amor, ânsia de posse! Amor que vibra e cresce,
Ardente como o fogo e fundo como os mares!

Tu virás para mim, deslumbrada e inocente,
Com teu beijo primeiro a fremir castamente!
Nos teus lábios de flor, virgens de todo mal...

E há de fugir, ó luz, de ambas as nossas bocas
Palpitantes, febris, desvairadas e loucas,
Um arrulho de pomba e um uivo de chacal...

Claude Debussy

Maintenant tout est gris sur lande nocturne...
F. Viellé-Griffin.


Chove cinza do céu. Todo o rosal ajoelha,
Balbuciando uma suave oração de perfume.
Não há, no firmamento, uma sombra vermelha:
— Tudo é ausente de cor — tudo é viúvo de lume.

A tristeza do instante em teus olhos se espelha,
Minha estranha Quimera, ó sacrossanto Nume,
Que acendeste em meu sonho a radiosa centelha
Na qual todo o esplendor deste amor se resume...

Sob a chuva do espaço o jardim adormece.
E, sobre nós os dois, como um mistério, desce
A carícia da tarde, essa divina viúva.

Andam lábios errando, invisíveis, no ambiente;
E, morrendo de amor, dentro da luz morrente,
Os nossos corações são Jardins sob a Chuva...

VIA CRUCIS

Ó calvário do Verso! Ó Gólgota da Rima!
Como eu já trago as mãos e os tristes pés sangrentos,
De te escalar, assim, nesta ânsia que me anima,
Neste ardor que me impele aos grandes sofrimentos...

Esta mágoa, esta dor, nada existe que exprima!
Sinto curvar-me o joelho a todos os momentos!
E quanto falta, Deus, para chegar lá em cima,
Onde o pranto termina e cessam os tormentos...

Mas é preciso! Sim! É preciso que eu carpa,
Que eu soluce, que eu gema e que ensangüente a escarpa,
Para esse fim chegar, onde meus olhos ponho!

Hei de ascender, subir, levando sobre os ombros,
Entre pragas, blasfêmeas, gemidos e assombros,
A eterna Cruz pesada e negra do meu Sonho!

Duendes

Nas mudas solidões da alma da gente,
Pela noite sem termo, andam vagando
Dolorosos espectros tristemente,
Em soluçante e doloroso bando...

Uns têm o aspecto cândido, inocente,
E os olhos cheios de lágrimas, chorando.
Outros, da rebeldia impenitente,
Vão, na fúria danada, estertorando.

É toda a dor amarga que nos prosta,
Que, num cortejo fúnebre, se mostra,
- Duendes vagando na alma - sem rebouços...

São as acerbas mágoas, os gemidos
Profundos, revoltados, doloridos,
E as blasfêmias, e as pragas, e os soluços...

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