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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

Martins Fontes


Santos - SP
1884-1937
"Se eu fosse Deus seria a vida um sonho"
José Martins Fontes (Santos, 23 de junho de 1884 — Santos, 25 de junho de 1937) foi um médico e poeta brasileiro, considerado por alguns como o melhor de sua geração na lusofonia.

...

Inocência

Criança ingênua, o dia inteiro,
com os meus caniços de taquara,
ficava eu, ao sol de então,
junto dos tanques, no terreiro,
soprando a espuma, leve e clara,
fazendo bolhas de sabão.

Corando a roupa, entre cantigas,
as lavadeiras, que passavam,
interrompiam a canção...
Riam-se as pobres raparigas,
vendo as imagens que brilhavam,
nas minhas bolhas de sabão.

Cresci. Sofri. Sonhando vivo.
E, homem e artista, ainda agora,
me apraz aquela distração...
E fico, às vezes, pensativo,
fazendo versos, como outrora
fazia bolhas de sabão.

E velho, um dia, de repente,
sem ter, de fato, sido nada,
pois tudo é apenas ilusão,
há de extinguir-se a alma inocente
que em mim fulgura, evaporada
como uma bolha de sabão.
...

Como é bom ser bom!

Tu, que vês tudo pelo coração,
Que perdoas e esqueces facilmente,
E és, para todos, sempre complacente,
Bendito sejas, venturoso irmão.

Possuis a graça como inspiração
Amas, divides, dás, vives contente,
E a bondade que espalhas, não se sente,
Tão natural é a tua compaixão.

Como o pássaro tem maviosidade,
Tua voz, a cantar, no mesmo tom,
Alivia, consola e persuade.

E assim, tal qual a flor contém o dom.
De concentrar no aroma a suavidade,
Da mesma forma, tu nasceste bom.

Soneto


Se eu fosse Deus seria a vida um sonho,
Nossa existência um júbilo perene!
Nenhum pesar que o espírito envenene
Empanaria a luz do céu risonho!

Não haveria mais: o adeus solene,
A vingança, a maldade, o ódio medonho,
E o maior mal, que a todos anteponho,
A sede, a fome da cobiça infrene!

Eu exterminaria a enfermidade,
Todas as dores da senilidade,
E os pecados mortais seriam dez...

A criação inteira alteraria,
Porém, se eu fosse Deus, te deixaria
Exatamente a mesma que tu és!

Minha Mãe

Beijo-te a mão, que sobre mim se espalma
Para me abençoar e proteger,
Teu puro amor o coração me acalma;
Provo a doçura do teu bem-querer.

Porque a mão te beijei, a minha palma
Olho, analiso, linha a linha, a ver
Se em mim descubro um traço de tua alma,
Se existe em mim a graça do teu ser.

E o M, gravado sobre a mão aberta,
Pela sua clareza, me desperta
Um grato enlevo, que jamais senti:

Quer dizer — Mãe! este M tão perfeito,
E, com certeza, em minha mão foi feito
Para, quando eu for bom, pensar em ti.

Ser Paulista

Ser paulista! é ser grande no passado
E inda maior nas glórias do presente!
E' ser a imagem do Brasil sonhado,
E, ao mesmo tempo, do Brasil nascente.

Ser paulista! é morrer sacrificado
Por nossa terra e pela nossa gente!
É ter dó das fraquezas do soldado
Tendo horror à filáucia do tenente.

Ser paulista! é rezar pelo Evangelho
De Rui Barbosa — o sacrossanto velho
Civilista imortal de nossa fé.

Ser paulista em brasão e em pergaminho
É ser traído e pelejar sozinho,
É ser vencido, mas cair de pé!


...

José Martins Fontes, o "Zezinho Fontes", nasceu na casa 4 da praça José Bonifácio, filho de Dona Isabel Martins Fontes e do Dr. Silvério Martins Fontes, freqüentou os principais colégios de seu tempo, entre eles o Colégio Nogueira da Gama em Jacareí. Em sua vida de estudante em Santos, teve como professor Tarquínio da Silva, ao qual prestou homenagem posteriormente. Mais tarde vai para o Rio de Janeiro, onde estuda no Colégio Alfredo Gomes.
Aos oito anos de idade, Martins Fontes publicou seus primeiros versos num jornalzinho denominado "A Metralha" dando os primeiros sinais do grande poeta que iria ser durante sua vida, do qual foram publicados 9 números aos domingos e cujo cabeçalho em três cores era feito por seu avô, o coronel Francisco Martins dos Santos. A 1° de maio desse mesmo (1892) estréia o moço poeta, recitando um hino a Castro Alves no Centro Socialista, organização marxista-leninista criada por seu pai. Com dezesseis anos ele lê uma ode de sua autoria na inauguração do monumento comemorativo ao quarto centenário do Descobrimento do Brasil, levantado próximo à biquinha, em São Vicente.
Em 20 de dezembro de 1906 defendeu tese de doutorado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro tornando-se médico sanitarista. Nesta época conviveu com poetas como Olavo Bilac, Coelho Neto, Emílio de Meneses e outros. Depois de formado foi médico da Comissão das Obras do Alto Acre, interno da Santa Casa do Rio de Janeiro, auxiliar de Oswaldo Cruz na profilaxia urbana, médico da Santa Casa de Misericórdia de Santos, médico da Beneficência Portuguesa de Santos, inspetor sanitário em Santos e Diretor do Serviço Sanitário.
Também foi médico da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio, da Companhia Segurança Industrial, da Companhia Brasil, da Repartição de Saneamento e da Casa de Saúde de Santos. Durante a epidemia de gripe de 1918 tornou-se um dos beneméritos da cidade, desdobrando-se para socorrer os bairros do Macuco e Campo Grande e estendendo sua ação para a localidade de Iguape. Como médico, notabilizou-se como conferencista e foi tisiologista da Santa Casa de Misericórdia de Santos e destacado humanista, lutou junto com Oswaldo Cruz em defesa sanitária da cidade de Santos. Dois dias por semana dedicava-se por completo ao atendimento em seu consultório de pessoas sem poder aquisitivo.
Em 1914 mudou-se para Paris, e lá fundou, com Olavo Bilac, uma Agência Americana para serviços de propaganda dos produtos brasileiros na Europa e em outros países. A partir de 1924 tornou-se correspondente da Academia de Ciência de Lisboa. Quando Júlio Prestes, presidente do estado de São Paulo e candidato à presidência da República, partiu em viagem para percorrer os países da Europa, Martins Fontes foi convidado para acompanhá-lo como médico da caravana paulista. Muito viajado, conheceu o Brasil de norte a sul, a Argentina, Uruguai, Estados Unidos, França, Inglaterra, Espanha, Itália e Portugal.
Escreveu durante toda a sua vida, trabalhando para os jornais "A Gazeta" e "Diário Popular" em São Paulo, e para o "Diário de Santos" e o "Cidade de Santos". Sua obra, bastante volumosa, soma mais de setenta títulos publicados em poesia e prosa, além de algumas de caráter científico.
Foi titular da Academia das Ciências de Lisboa e, ao longo de sua vida, recebeu os títulos de comendador da Ordem de São Tiago da Espada, Cavalheiro da Espanha, Par da Inglaterra e Grã-Cruz da Ordem de São Tiago da Espada, conferido pelo Presidente da República de Portugal. É patrono da cadeira n.° 26 da Academia Paulista de Letras.
Martins Fontes faleceu em Santos, a 25 de junho de 1937, e está sepultado no Cemitério de Paquetá, na mesma cidade...

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