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O verbo que habita na poesia


Página Maria Granzoto Editora de Literatura Brasileira artculturalbrasil
Arapongas - Paraná

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O verbo que habita na poesia

Confesso que, desde o início das atividades do Blog ArtCulturalBrasil, não li todos os escritores, bem como suas produções, que estão à disposição de todos os que acessam esta fonte inesgotável da Literatura Brasileira. Hoje, parei, extasiada, diante dos poemas de Affonso Romano de Sant'Anna. Um gênio da poesia contemporânea! É um poeta forte, cujas produções alteram os rumos da história da literatura, pelos poderes literários extraordinários. Chamá-lo de gênio, portanto, é fazer-lhe justiça. Não serei repetitiva inserindo aqui o seu perfil biográfico. Basta acessá-lo no Blog. Estou ávida dos seus poemas! Especialmente aos que foram escritos com predominância verbal empregada com rara maestria. Daí a força a que me referi: o verbo é, dentre as classes gramaticais, juntamente com o substantivo, a força do mundo literário. Versos e verbos: olhar de amplitude sobre as coisas que nos cercam e que nos provocam sentimentos vários! Vejamos, por exemplo, o poema

Aprendizado

Estou aprendendo a enterrar amigos,
corpos conhecidos, e começo as lições
de enterrar alguns tipos de esperança
Ainda hoje sepultei um braço
e um desejo de vingança
Ontem, fui mais fundo: sepultei a tíbia esquerda
e apaguei três nomes da lembrança.

Roberto Piva estava coberto de razão ao dizer, certa vez que “Um bom poema só vai ser bom se aliar emoção a poesia vivida. O Vinicius de Moraes já dizia: “nenhuma concessão à poesia não vivida”. E Octavio Paz confirma: “A poesia é subversão do corpo”. Então, o bom poeta é aquele que ilumina a vida via verbo. O gerúndio “aprendendo” dá noção de continuidade. E o que é a vida? Um aprendizado constante. “Enterrar amigos, corpos conhecidos,” Sentido figurado, evidentemente, mas que expressa um sentimento doloroso. O verbo “enterrar” é bastante forte, tanto pela nasalização, quanto pelas vibrantes instaladas no dígrafo “rr”. Não é, pois, um enterro qualquer. É um desconectar da mente. Um amigo. Algumas esperanças. Já o “sepultar” é mais suave. O autor utiliza-se da figura do eufemismo, abrandando o seu caminhar nas lições do “Aprendizado”:um braço ( o que teria ele, o braço, feito ( ou não ) ao poeta? Deixado de estender-se? Agredido? Teria sido inerte? Deixado de apontar a direção? Omisso? Questões que só o poeta poderia responder. Louvável aí o sepultamento do “desejo de vingança”, sentimento maldoso e premeditado. Também o advérbio de tempo, “ontem” traz uma semântica intrínseca aos olhos do atento leitor: o passado. Importante esta ressalva porque o poeta ainda está “aprendendo”.

Intrigante o sepultar da tíbia: na anatomia humana, é o maior e mais forte dos dois ossos da perna, abaixo dos joelhos. É também um jogo que resgata e aplica valores de aventura e exploração de mistérios de um mundo virtual. Dentre seus elementos estão a Magia e Bravura. O jogador de tíbia conhece pessoas de todo lugar do planeta e ganha uma nova experiência virtual. Qual delas teria sido sepultada? Sutilmente ele responde: a tíbia esquerda... E no seu aprendizado, apaga “ três nomes da memória “... Quais nomes, isto é, a que substantivos estaria se referindo? Pessoas, sentimentos, sonhos? Ao poeta e somente a ele cabe a verdade. Instigante esse “Aprendizado”!


Cilada Verbal


Há vários modos de
matar um homem:
com o tiro, a fome, a espada
ou com a palavra-envenenada.

Não é preciso força.
Basta que a boca solte
a frase
engatilhada
e o outro morre-
na sintaxe da emboscada.

Cilada é um termo designado a indivíduos que por alguma razão ou outra entram em uma determinada situação que não conseguirão resolver, mas uma “Cilada Verbal” é a palavra dita e não cumprida. É uma espécie de traição: “ basta que a boca solte a frase engatilhada...”. Diz e depois não honra o que disse. É como certos políticos em campanha... “Palavra dada, palavra empenhada”.

Será que o velho ditado ainda sobrevive aos tempos pós-modernos? Amigos e/ou outras tantas pessoas de comando que cumprem o que prometem valem mais do que mil papéis, em especial quando na palavra empenhada está colada a imagem de uma pessoa séria e responsável.

Em todas as culturas a palavra foi sempre considerada algo que, uma vez proferido, obrigava quem o tinha feito ao seu cumprimento. Isto é particularmente verdadeiro nas culturas pré-escrita e, mesmo atualmente, essa importância da palavra como testemunha de um compromisso assumido ainda é notória em expressões que vão caindo em desuso, como “dar a palavra”, “ser um homem de palavra”, “dar a palavra de honra” e outras de teor semelhante.
Em qualquer cultura a importância da palavra e do vínculo ético a esta associado não podem ser subestimados. De fato, tanto na cultura romana, de forte cariz legalista, como na judaico-cristã, na qual a palavra tem uma importância primordial, o “dar a palavra” significa um investimento pessoal que obriga ética e socialmente tanto quem a dá como quem a recebe e que fica assim, alegadamente, como garantia que, ainda no sentimento popular, tem caráter vinculativo superior a uma mera assinatura, por exemplo. Embora se deva reconhecer que esse caráter quase mágico da palavra se tem desgastado seguramente desde a Renascença e do advento de uma cultura gutemberguiana assente na escrita e não na oralidade, não se pode deixar de salientar que as marcas de importância da “palavra dada” se encontram ainda na nossa legislação, já para não falar nas práticas societais e nos hábitos mentais.

É ainda pela palavra que celebramos atos sociais que sustentam a cultura que temos, por exemplo, o casamento. Haverá seguramente quem lamente que, com o advento da sociedade mediática, na qual somos bombardeados por verborreias de todo o tipo e sobre os assuntos mais inúteis, se tenha perdido a importância da palavra como garante da transparência das relações sociais e das obrigações mútuas decorrentes do ato de viver em sociedade.

No entanto, não se vê como se poderia alterar a situação e, de qualquer modo, a experiência mostra que ainda é pela palavra que cimentamos as relações inter e intragrupais e também é pela palavra que comunicamos a nossa maior intimidade e, assim, comungamos uns dos outros. Por tudo isto, penso que feliz foi o poeta ao inspirar-se em tão importante temática: a palavra ainda não perdeu a sua primária importância nas relações humanas. Dá-la e, portanto, recebê-la deveria ser uma garantia simultaneamente social e pessoal do estabelecimento de um vínculo que nos torna ao mesmo tempo mais conscientes da nossa fala na sociedade a que pertencemos.” e o outro morre/- na sintaxe da emboscada.” Onze versos e uma inesgotável fonte de reflexão!


Conjugação

Eu falo
tu ouves
ele cala.
Eu procuro
tu indagas
ele esconde.

Eu planto
tu adubas
ele colhe.

Eu ajunto
tu conservas
ele rouba.

Eu defendo
tu combates
ele entrega.

Eu canto
tu calas
ele vaia.

Eu escrevo
tu me lês
ele apaga.


Quatorze verbos da primeira conjugação; seis, da segunda e apenas um da terceira! Exatamente aquele muito difícil de ser praticado: ouvir! Todos conjugados com os três primeiros pronomes pessoais!

E que perspicácia do autor! Se forem reescritos, sob a mesma forma de versos, teremos três poemas que conduzem a três máximas diferenciadas, mas entrelaçadas pelo fazer de cada um: eu executo, tu preservas e ele destrói.

E todos empregados intransitivamente! Eles possuem sentido pleno, completo, que não precisam de um complemento.

A transitividade poderá ser construída pelo leitor, consoante a sua imaginação, aos seus sentimentos. Basta “ouvir” o que se quer conjugar.

Meus aplausos ao grande poeta Affonso Romano de Sant'Anna!

E no tempo presente!
Maria Granzoto da Silva
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Lineu Roberto de Moura
Artculturalbrasil

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Um comentário:

  1. Quero mais uma vez parabenizar o ArtCultura pelas belíssimas atualizações com as postagens maravilhosas, com os grandes poetas da nossa literatura.
    Fora parabenizar, quero agradecer a equipe responsável e deixar registrada a minha satisfação de fazer parte deste espaço cultural.
    Com carinho
    Sandra Lúcia Ceccon Perazzo

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