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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

Emílio de Menezes


Curitiba - PR
1866 - 1918

Filho de outro poeta, Emílio Nunes Correia de Menezes, e de Maria Emília Correia de Menezes, era o único filho homem na família, ao lado de oito irmãs. Fez como pôde os estudos primários e secundários no Paraná. Aos 14 anos começou a trabalhar na farmácia de um seu cunhado farmacêutico. Aos 18 anos mudou-se para o Rio de Janeiro, influenciado pelo movimento simbolista e levado por Rocha Pombo. Ainda em Curitiba distinguia-se pela originalidade de sua figura e dos seus hábitos, pela extravagância das maneiras e das roupas e pela singularidade da imaginação.
No Rio de Janeiro aproximou-se dos boêmios e jornalistas da época, entregando-se ele também ao jornalismo. O escritor e crítico do Simbolismo Nestor Vítor deu-lhe uma recomendação para trabalhar com o professor Coruja, um dos educadores mais conhecidos do Rio. Este abriu as portas do lar ao jovem provinciano. Um ano depois Emílio estava casado com uma das filhas do professor Coruja.
Obteve uma nomeação para Curitiba, como funcionário do Recenseamento federal. Finda a comissão, regressou ao Rio. Era a época do Encilhamento, e poucos resistiam à sedução de ganhar dinheiro fácil. Emílio arranjou algum capital, fez especulações na bolsa e em pouco tempo estava rico. Possuía carros de luxo e fez-se colecionador de objetos de arte. Mas os tempos eram de crise, e Emílio de novo empobreceu. Continuava, entretanto, a viver a vida despreocupada e solta dos botequins, na companhia de jornalistas e poetas. Tornou-se colaborador das colunas humorísticas dos jornais. O poeta esmerava-se na publicação de poesias satíricas e ferinas, sob vários pseudônimos: Neófito, Gaston d’Argy, Gabriel de Anúncio, Cyrano & Cia., Emílio Pronto da Silva.
Ao fundar-se a Academia Brasileira de Letras, em 1897, ele teria sido também um dos fundadores, mas havia preconceitos contra a sua maneira boêmia de viver. Entretanto, foi eleito para a instituição em 15 de agosto de 1914, sucedendo a Salvador de Mendonça. Deveria ser saudado por Luís Murat. Emílio compôs um discurso de posse, em que revelava nada compreender de Salvador de Mendonça, nem na expressão da atuação política e diplomática, nem na superioridade de sua realização intelectual de poeta, ficcionista e crítico. Além disso, continha trechos argüidos, pela Mesa da Academia, de "aberrantes das praxes acadêmicas". A Mesa não permitiu a leitura do discurso e o sujeitou a algumas emendas. Emílio protelou o quanto pôde aceitar essas emendas, e quando faleceu, quatro anos depois de ter sido eleito, ainda não havia tomado posse de sua cadeira.
Além das obras publicadas, deixou copiosíssimo anedotário, quase todo disperso, pouca coisa tendo se reunido em volume, ao que se junta a crônica da cidade no tempo em que Emílio e seus companheiros de boêmia viveram e esbanjaram o melhor de seu talento.
Obras: Marcha fúnebre, sonetos (1892); Poemas da morte (1901) Dies irae A tragédia de Aquidabã (publicação de O Malho, 1906); Poesias (1909); Últimas rimas (1917); Mortalha Os deuses em ceroulas, publicação organizada pelo humorista Mendes Fradique, com um prefácio de sua autoria (1924); Obras reunidas (1980).


Fonte da biografia: (Academia Brasileira de Letras www.academia.org.br )
"Feia — tu me disseste — o teu amor de outrora,
— Resíduo de mulher, arcabouço de um sonho,
Escrava de um burguês presumido e enfadonho,
Feia e velha mal vive a morrer de hora em hora!"

E tu, poeta querido, a cuja alma sonora,
Sempre, em meu culto de arte, as estrofes deponho,
Mergulhaste ao falar-me este meu ser tristonho,
Numa recordação que me embevece agora!

Vejo-lhe a alma infantil de há vinte anos! Revejo
Tudo que houve entre nós nessa manhã de Maio
Que só fez perpetuar o insaciado desejo!

Toda a vida a passar mais rápida que o raio,
Ao néctar virginal do seu primeiro beijo,
Na volúpia imortal do primeiro desmaio!...
Fruto efêmero e hostil de um efêmero gozo,
Esta vida que arrasto, efêmera e improfícua,
Sinto-a embalde, e, debalde, entre pasmado e ansioso,
Sondo-a, palpo-a, examino-a, estudo-a, verifico-a.

E tudo quanto empreende o espírito curioso,
E tudo quanto apreende a análise perspícua,
É o falso, é o vão, é o nulo, é o mau, é o pernicioso,
Por menos que a razão seja perversa ou iníqua.

Logo, por que pensar? Logo, por que no Sonho
Não havemos deixar correr a vida fátua,
Obrigando o Destino a ser calmo e risonho?

Por que só não amar: É culpa? Eis-me: resgato-a
Agora que a teus pés todo o meu ser deponho,
Como um vil pedestal à tua excelsa estátua!. . .

NOITE DE INSÔNIA

Este leito que é o meu, que é o teu, que é o nosso leito,
Onde este grande amor floriu, sincero e justo,
E unimos, ambos nós, o peito contra o peito,
Ambos cheios de anelo e ambos cheios de susto;

Este leito que aí está revolto assim, desfeito,
Onde humilde beijei teus pés, as mãos, o busto,
Na ausência do teu corpo a que ele estava afeito,
Mudou-se, para mim, num leito de Procusto!. . .

Louco e só! Desvairado! — A noite vai sem termo
E, estendendo, lá fora, as sombras augurais,
Envolve a Natureza e penetra o meu ermo.

E mal julgas talvez, quando, acaso, te vais,
Quanto me punge e corta o coração enfermo,
Este horrível temor de que não voltes mais!. . .

Tu que trazes contigo a energia da vida
E que a vida de novo, em rápido transporte
Implantaste em meu seio, - a fúnebre guarida
Dos meus mortos ideais, - animadora e forte;

Tu que o primeiro amor, levaste de vencida
E deste à alma transviada, outro rumo, outro norte,
Do áureo nicho em que estás, faze vir comovida,
A bênção desse olhar para os "Poemas da Morte".

Do deserto país que povoaste de sonho
Sê, lá do teu altar, a aureolada padroeira,
E aceita toda a fé que nos meus versos ponho.

Lua e Sol! A aclarar-me a sinuosa carreira,
Para o dia final sé tu meu sol risonho,
Sê tu meu doce luar na noite derradeira.

Passou. A vida é assim: é o temporal que chega,
Ruge, esbraveja e passa, ecoando, serra a serra,
No furioso raivar da indômita refrega
Que as montanhas abala e os troncos desenterra.

Mas o pranto, afinal, que essa cólera encerra
Tomba: é a chuva que cai e que a planície rega;
E a cada gota, ali, cada gérmen se apega
Fecundando, a minar, toda a alagada terra.

Também o coração do convulsivo aperto
Da dor e das paixões, das angústias supremas,
Sente-se livre, após, a um grande choro aberto.

Alma! já que não é mister que ansiosa gemas,
Alma! fecunda enfim nas lágrimas que verto,
Possas tu germinar e florescer em Poemas!

Naquele olhar em que moram meu sonho e guia,
E onde vou procurar tudo que almejo e quero,
Embalde busco a vida. A efêmera alegria
Do viver, não perturba o seu fulgor sincero.

Nada que for terreno e alegre cante ou ria,
Vive nesse altar de onde o bem supremo espero;
Mas há nele o perdão, graças de Ave-Maria,
Prenúncios de além-céu em cada raio austero.

Necrólatras que andais na eterna romaria
Dos túmulos, buscando algum sonho que o fero
Destino arrebatou de voss'alma sombria,

A mim, que sou da Morte, o impenitente Ahasvero,
Vinde, eu vos mostrarei, cantando esta elegia,
Tudo que ainda sonhais, naquele olhar severo.

Eis-me afinal de novo entre os meus bons convivas,
Só com meus sonhos, só, com a minha saudade,
E as mortas ilusões e ilusões redivivas
De que o morto passado a alma toda me invade.

Porque se me hão de impor, fortes e decisivas,
As descrenças dos que, sem fé, sem caridade,
Sem esperança, vêm dessas alternativas
De mal fingido amor e fingida piedade?

Sinto-me preso aqui. Entre angústias me envolvo,
- Esfinge que se envolve entre os arcais da Líbia
- Mas o fatal problema entre audácias resolvo:

Alma! que importa a dor que te devora? Exibe-a
Ante a morte que em seus tentáculos de polvo
Mói crânio contra crânio e tíbia contra tíbia!
À angelical memória de Judith Barros
Faces brancas que outrora os rosais da saúde
Coloriram de um tom de púrpura e de opala,
E o sol que vive à flor de cada juventude
Aureamente aureolou de uma aurora de gala;

Boca que o leve odor do sonho e da virtude
Trescalava ao soltar os violinos da fala,
Olhos! - astros no brilho e noite na amplitude,
Tudo, enfim, que era dela hoje a morte avassala!

Dos olhos resta a noite, - o amplo olhar apagado,-
A boca se calou na sombra e no mysterio,
E ela as faces velou no lúgubre noivado.

Virgem morta! a envolvê-la em seu leito funéreo,
Só tem ela o palor de um mármore inundado,
Da lividez do luar dentro de um cemitério!...

Olha a paisagem que enlevado estudo!...
Olha este céu no centro! olha esta mata
E este horizonte ao lado! olha este rudo
Aspecto da montanha e da cascata!...

E o teu perfil aqui sereno e mudo!
Todo este quadro que a alma me arrebata,
Todo o infinito que nos cerca, tudo!
D'água esta gota ao mínimo retrata!...

Chega-te mais! Deixa lá fora o mundo!
Vê o firmamento sobre nós baixando;
Vê de que luz suavíssima me inundo!...

Vai teus braços, aos meus, entrelaçando,
Beija-me assim! vê deste azul no fundo,
Os nossos olhos mudos nos olhando!...

Noite! Cesse o teu ar imoto e quedo!
Quero manhã! todos os sons que vazas!
Fujam do ninho ao lépido segredo
Todas as bulhas de reflantes asas.

Sol! tu que a terra fecundando a abrasas.
Desce da aurora em raio doce e a medo,
Todas as luzes travessando o enredo
Diáfano e leve das nevoentas gazas.

Telas festivas deslumbrai-me a vista!
Cantos alegres desferi-me em roda
Em toda a luz, em todo o som que exista.

E a natureza toda em harmonia,
Iluminada a natureza toda,
Surja gloriosa no raiar do dia.

VIDA NOVA

De uma vida sem fé de nebuloso inverno,
Furtei-me sacudindo o gelo da descrença.
Aquece-me outra vez este calor interno,
Esta imensa alegria, esta ventura imensa.

Sinto voltar de novo a minha antiga crença,
Creio outra vez no céu, creio outra vez no inferno,
Na vida que triunfe ou na morte que a vença
Creio no eterno bem, creio no mal eterno!

E quando enfim do corpo a alma for desgarrada
E procure entrever a região constelada
Que aos bons é concedida, esplêndida a irradiar,

Ao coro festival de um hino triunfante
Abra-se a recebê-la, olímpico e radiante
Todo o infinito céu do teu sereno olhar!...

...


Noite de chuva tétrica e pressaga.
Da natureza ao íntimo recesso
Gritos de augúrio vão, praga por praga,
Cortando a treva e o matagal espesso.

Montes e vales, que a torrente alaga,
Venço e à alimáría o incerto passo apresso.
Da última estrela à réstia ínfima e vaga
Ínvios caminhos, trêmulo, atravesso.

Tudo me envolve em tenebroso cerco
D'alma a vida me foge, sonho a sonho,
E a esperança de vê-la quase perco.

Mas uma volta, súbito, da estrada
Surge, em auréola. o seu perfil risonho,
Ao clarão da varanda iluminada!




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