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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

Vinícius de Moraes

Rio de Janeiro - RJ
1913 - 1980
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Marcus Vinícius de Melo Moraes nasceu no Rio de Janeiro em 19 de outubro de 1913. Escreveu seu primeiro poema aos sete anos e aos nove vai, com a irmã Lygia, ao cartório na Rua São José, centro do Rio, alterar seu nome para Vinicius de Moraes. Nasceu no bairro da Gávea, onde foi criado pela mãe, exímia pianista, e pelo pai, poeta bissexto. Sua estréia em meio impresso foi com o poema, A transfiguração da montanha nas páginas da revista católica A Ordem, em 1932. Publicou seu primeiro livro de poesias, O Caminho para a Distância, em 1933, quando tinha 19 anos. Em 1935 foi ganhador do prêmio Felipe d'Oliveira, com Forma e Exegese. Vinicius é bacharel em Letras e formado em Direito. Estudou literatura inglesa como bolsista em Oxford em 1938, mas a explosão da guerra, em 1939, força sua volta ao Brasil. Dedica-se ao jornalismo em 1941, como crítico de cinema, participando da fundação da revista Filme em 1947.Ingressa na carreira diplomática, por concurso, em 1943, tendo servido como vice-cônsul em Los Angeles (1947-50). Serviu também em Paris (duas vezes) e Montevidéu.
Seu drama Orfeu da Conceição (1953), montado para o teatro em 1956 e transposto para o cinema por Macel Camus em 1959 (como Orfeu Negro), ganhou neste ano a Palma de Ouro do Festival de Cannes e o Oscar de Hollywood como o melhor filme estrangeiro.Em 1952 vai a Europa com o objetivo de estudar a organização dos festivais de Cannes, Berlim, Locarno e Veneza, tendo em vista a realização do festival de cinema em São Paulo. Um ano mais tarde, surge a edição francesa das Cinco Elegias. Ainda no mesmo ano, fixa-se em Paris, ocupando o cargo de segundo-secretário da embaixada. Em 1953 compôs seu primeiro samba e inicia a atividade que irá absorvê-lo até o fim de seus dias. Desligado do Itamarati dedicou sua vida à música, ao cinema e a shows, tornando-se um dos mais populares compositores do Brasil.Em 1957 passa a fazer parte da delegação do Brasil na U.N.E.S.C.O. No mesmo ano é publicado o Livro de Sonetos. Um ano depois é editado o disco Canção do Amor Demais. Em 1959, novo êxito com Por Toda a Minha Vida.Na década de 60 junta-se a jovens músicos como João Gilberto, Carlos Lyra, Baden Powell, criando o movimento conhecido como Bossa Nova, mesclando elementos de samba e jazz. Comporia, junto com Tom Jobim, a música Garota de Ipanema, símbolo de uma época e a música brasileira mais tocada pelo mundo. Foi na mesma banheira em que escreveu, compôs, bebeu e amou, que Vinicius morreu, no dia 9 de julho de 1980.

Soneto de Fidelidade
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa dizer do meu amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Soneto de Separação
De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Judeu Errante
Hei de seguir eternamente a estrada
Que há tanto tempo venho já seguindo
Sem me importar com a noite que vem vindo
Como uma pavorosa alma penada
Sem fé na redenção, sem crença em nada
Fugitivo que a dor vem perseguindo
Busco eu também a paz onde, sorrindo
Será também minha alma uma alvorada
Onde é ela? Talvez nem mesmo exista...
Ninguém sabe onde fica... Certo, dista
Muitas e muitas léguas de caminho...
Não importa. O que importa é ir em fora
Pela ilusão de procurar a aurora
Sofrendo a dor de caminhar sozinho

Soneto do Orfeu
São demais os perigos desta vida
Para quem tem paixão, principalmente
Quando uma lua surge de repente
E se deixa no céu, como esquecida.
E se ao luar que atua desvairado
Vem se unir uma música qualquer
Aí então é preciso ter cuidado
Porque deve andar perto uma mulher.
Deve andar perto uma mulher que é feita
De música, luar e sentimento
E que a vida não quer, de tão perfeita.
Uma mulher que é como a própria Lua:
Tão linda que só espalha sofrimento
Tão cheia de pudor que vive nua.

Rua da Amargura
A minha rua é longa e silenciosa como um caminho que foge
E tem casas baixas que ficam me espiando de noite
Quando a minha angústia passa olhando o alto.
A minha rua tem avenidas escuras e feias
De onde saem papéis velhos correndo com medo do vento
E gemidos de pessoas que estão eternamente à morte.
A minha rua tem gatos que não fogem e cães que não ladram
Tem árvores grandes que tremem na noite silente
Fugindo as grandes sombras dos pés aterrados.
A minha rua é soturna
Na capela da igreja há sempre uma voz que murmura louvemos
Sozinha e prostrada diante da imagem
Sem medo das costas que a vaga penumbra apunhala.
A minha rua tem um lampião apagado
Na frente da casa onde a filha matou o pai
Porque não queria ser dele.
No escuro da casa só brilha uma chapa gritando quarenta.
A minha rua é a expiação de grandes pecados
De homens ferozes perdendo meninas pequenas
De meninas pequenas levando ventres inchados
De ventres inchados que vão perder meninas pequenas.
É a rua da gata louca que mia buscando os filhinhos nas portas das casas
É a impossibilidade de fuga diante da vida
É o pecado e a desolação do pecado
É a aceitação da tragédia e a indiferença ao degredo
Com negação do aniquilamento.
É uma rua como tantas outras
Com o mesmo ar feliz de dia e o mesmo desencontro de noite.
É a rua por onde eu passo a minha angústia
Ouvindo os ruídos subterrâneos como ecos de prazeres inacabados.
É a longa rua que me leva ao horror do meu quarto
Pelo desejo de fugir à sua murmuração tenebrosa
Que me leva à solidão gelada do meu quarto.
Rua da Amargura...

A Arca de Noé
Sete em cores, de repente
O arco-íris se desata
Na água límpida e contente
Do ribeirinho da mata.
O sol, ao véu transparente
Da chuva de ouro e de prata
Resplandece resplendente
No céu, no chão, na cascata.
E abre-se a porta da Arca
De par em par: surgem francas
A alegria e as barbas brancas
Do prudente patriarca
Noé, o inventor da uva
E que, por justo e temente
Jeová, clementemente
Salvou da praga da chuva.
Tão verde se alteia a serra
Pelas planuras vizinhas
Que diz Noé: "Boa terra
Para plantar minhas vinhas!"
E sai levando a família
A ver; enquanto, em bonança
Colorida maravilha
Brilha o arco da aliança.
Ora vai, na porta aberta
De repente, vacilante
Surge lenta, longa e incerta
Uma tromba de elefante.
E logo após, no buraco
De uma janela, aparece
Uma cara de macaco
Que espia e desaparece.
Enquanto, entre as altas vigas
Das janelinhas do sótão
Duas girafas amigas
De fora as cabeças botam.
Grita uma arara, e se escuta
De dentro um miado e um zurro
Late um cachorro em disputa
Com um gato, escouceia um burro.
A Arca desconjuntada
Parece que vai ruir
Aos pulos da bicharada
Toda querendo sair.
Vai! Não vai! Quem vai primeiro?
As aves, por mais espertas
Saem voando ligeiro
Pelas janelas abertas.
Enquanto, em grande atropelo
Junto à porta de saída
Lutam os bichos de pêlo
Pela terra prometida.
"Os bosques são todos meus!"
Ruge soberbo o leão
"Também sou filho de Deus!"
Um protesta; e o tigre, "Não!"
Afinal, e não sem custo
Em longa fila, aos casais
Uns com raiva, outros com susto
Vão saindo os animais.
Os maiores vêm à frente
Trazendo a cabeça erguida
E os fracos, humildemente
Vêm atrás, como na vida.
Conduzidos por Noé
Ei-los em terra benquista
Que passam, passam até
Onde a vista não avista.
Na serra o arco-íris se esvai...
E... desde que houve essa história
Quando o véu da noite cai
Na terra, e os astros em glória
Enchem o céu de seus caprichos
É doce ouvir na calada
A fala mansa dos bichos
Na terra repovoada.

...

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