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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

O Palhaço - (comentado)


Página Maria Granzoto Editora de Literatura Brasileira artculturalbrasil
Arapongas - Paraná
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"Se você tivesse acreditado na minha brincadeira de dizer verdades,
teria ouvido verdades que teimo em dizer brincando.
Falei muitas vezes como o palhaço,
mas nunca desacreditei da seriedade da platéia que sorria."

(Charles Chaplin)

O Palhaço

(José Antonio Jacob)

Ele se fantasiava de palhaço
E punha um rosto alegre de improviso,
Desmanchava a tristeza com um traço,
Depois riscava a boca num sorriso.
Então saía em busca de um abraço,
Soprando apito e balançando guizo,
E, entre uma cambalhota e um descompasso,
Ganhava o pouco pão que era preciso.
E ao seu redor juntava a meninada,
Velhos e jovens de sorriso largo,
E a gente em volta sempre a dar risada.
Sublime sina e doloroso encargo,
Trazer no rosto a vida adocicada
E ter no peito o coração amargo!


José Antonio Jacob, autor deste maravilhoso soneto intitulado “O Palhaço”, nos incita à retomada da prática da leitura de sonetos. Estranho poderá parecer aos leitores não-poetas que é necessário praticar a leitura para desvendar um soneto, para penetrar-lhe o âmago e dele retirar lições de posturas e sentimentos para a vida. Essa prática é de extrema importância! É necessário o leitor levar em conta o ritmo. Um dos traços do soneto é a musicalidade e o ritmo pertence ao mundo da música. A própria palavra ritmo, de origem latina rhythmus, quer dizer "movimento regular, cadência, ritmo". Assim, deverá o leitor tomar por ritmo a cadência, o que acaba por caracterizar o soneto como um poema com padrão rítmico especial. Comecemos pelo título: este não é um palhaço qualquer; é “O Palhaço”, pela definição do artigo “o” e pela redundância na substantivação dupla da palavra palhaço (classe gramatical (substantivo) e nome próprio (letra maiúscula). Aí já se pode deduzir a importância da temática!
Ele se fantasiava de palhaço
E punha um rosto alegre de improviso,
Desmanchava a tristeza com um traço,
Depois riscava a boca num sorriso.

Em relação ao título, o primeiro quarteto é uma antítese, ou até mesmo um paradoxo (figuras de estilo). Relacionado com a antítese, o paradoxo é uma figura de pensamento que consiste na exposição contraditória de idéias. As expressões assim formuladas tornam-se proposições falsas, à luz do senso comum, mas que podem encerrar verdades do ponto de vista psicológico/poético. Simplificando, é uma afirmação ou opinião que à primeira vista parece ser contraditória, mas na realidade expressa uma verdade possível. Ele não é “O Palhaço”, mas vestia uma fantasia de palhaço. Ele não era detentor de um rosto naturalmente alegre; ele improvisava a alegria, mascarando a tristeza, e esboçava um sorriso; ele não ria, nem gargalhava! O sujeito-lírico, na sua angústia, nos revela a tentativa da busca pelo afeto. A tônica da primeira parte do soneto está em intercalar a realidade e a ilusão.
Então saía em busca de um abraço,
Soprando apito e balançando guizo,
E, entre uma cambalhota e um descompasso,
Ganhava o pouco pão que era preciso.
De início, era ele quem buscava o público através do barulho que provocava pelo apito e pelo guizo, gerando aqui forte sinestesia (relaciona planos sensoriais diferentes: audição x visão x gustação), como a anunciar ao mundo a sua existência. E, por existir, precisava do alimento por tempo indefinido, conforme indica o uso das reticências. Neste segundo quarteto toda a tensão é demonstrada pelo querer sair do anonimato (guizo, apito) e mostrar toda a essência do ser humano: a busca pelo equilíbrio entre a certeza e incerteza (cambalhota x descompasso). A presença da antítese é freqüente, pois observamos que proximidade de palavras de sentido contrário que, através das figuras de linguagem com as metáforas, paradoxos, não só personalizam o sofrimento, mas o demonstram.
E ao seu redor juntava a meninada,
Velhos e jovens de sorriso largo,
E a gente em volta sempre a dar risada.
Já na segunda parte, ou seja, no primeiro terceto, o verso reticente demonstra o aumento ou o prolongamento da reação causada pelos seus trejeitos, gerando ainda outras leituras plurissignificativas. Tautologia para alguns, pleonasmo para outros, “ao seu redor, juntava a meninada”, “velhos e jovens” e “em volta” são termos que reforçam a idéia de público, bem como a aprovação da platéia “de sorriso largo” e “sempre a dar risada”.
Sublime sina e doloroso encargo,
Trazer no rosto a vida adocicada
E ter no peito o coração amargo!
Observamos, outra vez, o paradoxo e a antítese, bem como a ambigüidade e o dualismo nos versos finais em que o poeta utiliza as figuras de linguagem com engenhosidade e habilidade. O verso exclamativo demonstra a perplexidade e o conflito, enquanto a revelação do sentimento é destacada com clareza quando o poeta usa um adjetivo (qualidade), um verbo (ação) e um conectivo (que adiciona e une o segundo verso ao último). Na conclusão do soneto, observamos a explicação da natureza contraditória da vida. Sem o dizer propriamente, o poeta traça uma estrutura paralela através de jogos de palavras, as quais constroem uma grande metáfora da essência do ser humano. Ele interliga o sofrimento da alma ao corpo, através dos signos que marcam a mescla dos sentidos que simboliza o sofrimento, a pretensa alegria que um palhaço poderia oferecer pelo papel desempenhado no palco da vida, expressos ainda pelas antíteses e metáforas (“Sublime sina e doloroso encargo”), retomando neste último terceto o jogo enigmático substantivando e adjetivando a trajetória da jornada desse artista da vida.

Nesse soneto temos um exemplo de como uma imagem conhecida – a do palhaço, no caso – ganha uma conotação que ultrapassa a idéia comum de fonte da alegria. O riso do palhaço, no soneto de José Antonio Jacob, é paradoxalmente o símbolo da tristeza. O palhaço aparece como símbolo do eu lírico atormentado, cujo desengonço é símbolo da ironia, da dor, de tormenta (ausência de paz), do nervosismo, da ansiedade, da agonia, haja vista a luta pela sobrevivência, enfim, de tudo o que, na nossa mente condicionada, é o oposto do motivo para rir.
RELEMBRAR É BOM

Soneto - Pequena composição poética composta de 14 versos, com número variável de sílabas, sendo o mais freqüente o decassílabo, e cujo último verso (dito chave de ouro) concentra em si a idéia principal do poema ou deve encerrá-lo de maneira a encantar ou surpreender o leitor. Pode ter a forma do soneto italiano (o mais praticado) ou do soneto inglês. (...) Fonte: Houaiss
Falar sobre soneto exige (como já exigiu) um tratado, tanta informação seria necessária para dizer tudo (ou quase tudo) a respeito desta forma perfeita de poema. Apesar de suas características fixas, há todo um arsenal de informações a respeito do soneto que não caberia numa apresentação como esta que estou tentando fazer, de simples informação. A origem do palhaço: personagem inspirado no bobo shakespeariano e influenciado pela comédia dell’arte italiana, que surgiu no século XVIII para subverter a apresentação dos equilibristas nos espetáculos do inglês Philip Astley, um dos fundadores do circo moderno, vem da antiga função que tinha o bobo da corte de fazer o Rei se divertir. O bobo da corte surgiu há mais de 2.500 anos antes de Cristo e de acordo com o Ministério dos palhaços foi durante a Dinastia do Faraó Dadkeri-Assi que o bobo da corte começou suas primeiras atividades como profissão.

A Comédia Del Arte, que surgiu na Europa na Itália no século XVI, acabou por utilizar o modelo do bobo da corte, para criar seus espetáculos. Máscaras divertidas e diferentes, roupas largas e sapatos engraçados foram as características mais marcantes das comédias produzidas por esses grupos de teatro. Além das típicas piadas criadas para divertir o público, com uma pitada de sarcasmo e até romantismo. A fusão entre o bobo da corte, os atores da Comédia Del Arte e o Circo, acabou dando origem ao palhaço que conhecemos hoje. Sua história é um misto de criatividade, evolução e mudanças. O termo Palhaço também é bastante utilizado para denegrir a imagem de alguma pessoa. Seja ela alheia ou não (NÃO SENDO ESTE O CASO DO SONETO EM APREÇO). É utilizado em situações onde este revela injustiças, agressões, brincadeiras de mau-gosto, deboches demasiados e/ou traumáticos, lições da vida e qualquer outra situação que provoque determinado sentimento no receptor.

Até o começo do século 19 o palhaço era um personagem típico do dia-a-dia. Por estar fora das regras da sociedade normal, o palhaço é capaz de subverter a ordem, e esta premissa é usada atualmente por muitos ativistas com o objetivo de demonstrar absurdos sociais. Ele é a encarnação do trágico na vida cotidiana; é o homem assumindo sua humanidade e sua fraqueza e, por isso, tornando-se cômico. Possui uma mesma essência: colocar em exposição à estupidez do ser humano, relativizando normas e verdades sociais.

Conclusão

Nunca imaginei que um único símbolo traduziria tantos significados, tantos sentimentos e faria emergir tantas ações diferentes. Talvez por isso alguns segredos sejam revelados, talvez por isso algumas palavras sejam tão carregadas de significados e confiança na figura do palhaço. Por ser um símbolo universal de momentos bons, uma figura alegre, sincera no que expressa, e cheia de uma inocência quase infantil, o palhaço abre portas para que nossos corações façam contato com o nosso mundo interior. Encontramos no nariz vermelho um livro com páginas em branco, prontas para serem escritas com os sentimentos de quem cruza seu caminho. Dizem que o nariz do palhaço representa os olhos, e os olhos representam a alma. O palhaço é o que mostra o erro, a confusão, o tropeço em forma de homem. Também é a poesia de ser frágil, é a delicadeza de se tornar risível e visível, é a incrível coragem de assumir o próprio ridículo. Quando o palhaço está presente, sabemos que podemos ser fortes, fracos, bonitos, feios, corajosos, medrosos... Podemos expor nossos sentimentos com a verdade que nossos olhos pedem, pois ali está a figura que incorpora a possibilidade da fragilidade ou da fortaleza. Deixemo-nos ser quem somos, pois o palhaço se deixa ser quem ele é.

Esquecemos tantas e tantas vezes de viver o que acontece no momento, que não vemos o que está diante de nós. Todos nós pensamos que teremos sempre a nossa disposição um futuro que ainda não sabemos qual será... E enquanto isso o tempo passa, e a risada que poderíamos dar agora, adiamos para quando estivermos "melhores". Nesse tempo que esperamos, as sementes germinam, o céu muda conforme as estações, a roupa desbota... E o sorriso é adiado. Talvez "ficar mais um pouco" seja a permissão que temos para nos dedicar ao que realmente queremos naquele momento. Pensar no futuro é permitido quando o presente é vivido plena e intensamente. Sem medos!

Finalizo com uma frase do diário de Jules Renard: “Só se tem o direito de rir das lágrimas depois que já se chorou”.

Maria Granzoto da Silva - Academia de Letras Artes e Ciências Centro-Norte do Paraná e Professora Universitária.


Bibliografia pesquisada
BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Hucitec-UnB, Brasília, 1987. COXE, A. H. "No começo era o picadeiro", O Correio da Unesco, Paris, nº 3, ano 16, mar., 1988. GASSNER, J. Mestres do teatro. Perspectiva, São Paulo, 1974. MAGNANI, J. G. C. Festa no pedaço: cultura popular e lazer na cidade. Brasiliense, São Paulo, 1984. RUIZ, R. Hoje tem espetáculo? As origens do circo no Brasil. INACEN, MINC, Rio de Janeiro, 1987
TRANCOSO, BERNARDO. A história do soneto.
WIKIPÉDIA.org/2007
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Um comentário:

  1. E "O Palhaço"seguirá sua caminhada com destino certo, cumprindo assim a promessa há tanto feita e só agora concretizada! Nas entrelinhas, haverá, certamente, de compreender... Risos? Lágrimas? Dores? Não o sei... Apenas sei que o palhaço se fez triste!Mas chegará ao seu destino!
    Lindo esse poema! Maria Granzoto.

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