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O Beijo de Jesus (comentado)


Página Maria GranzotoEditora de Literatura Brasileira ArtCulturalBrasil
Arapongas - Paraná

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O Beijo de Jesus
(José Antonio Jacob)

Eu era criança, mas já percebia,
O pouco pão que havia em nossa mesa
E a aparência acanhada da pobreza
Que tinha a nossa casa tão vazia.

De noite, antes do sono, uma certeza:
A minha mãe rezava a Ave-Maria!
E ao terminar a prece eu sempre via
No seu olhar uma esperança acesa.

Após a reza desligava a luz,
Beijava o crucifixo e a fé era tanta
Que adormecia perto de Jesus.

Depois que ela dormia (isso que encanta)
Nosso Senhor descia ali da cruz
Para beijar a sua face santa...

...
* Almas Raras edição esgotada


Introdução

“O Beijo de Jesus”, do poeta José Antonio Jacob, vem sido lido e relido por mim há mais de um ano! Uma construção perfeita e de significações inimagináveis! Normalmente se ouve comentários sobre o beijo de Judas. O soneto em apreço, confesso, nunca havia encontrado semelhante! E não me sinto a altura para analisá-lo, tamanha a sua grandiosidade. Galvano Della Volpe chamou, com propriedade, este processo de “polissemia lítero- contextual”.

O Título

O beijo faz parte da história da humanidade. Há vários relatos sobre o beijo ao longo do tempo, porém o mais marcante está na Bíblia: o beijo de Judas no rosto de Jesus Cristo, marcando a sua traição. Ele sinalizava aos soldados romanos que Ele era aquele que procuravam. Por isso o beijo representa o amor e a traição, pois através de um beijo podemos transmitir nossos melhores sentimentos, como também nossos piores desejos. No soneto, o destaque é para “O Beijo de Jesus”, o beijo de amor ao próximo.

O primeiro quarteto

Eu era criança, mas já percebia,
O pouco pão que havia em nossa mesa
E a aparência acanhada da pobreza
Que tinha a nossa casa tão vazia.

Aqui a evidência de um dos estágios cronológicos da travessia humana: a infância e a sua compreensão da realidade. O estranhamento e a perspicácia intuitiva colocam crianças e filósofos lado a lado: “Eu era criança, mas já percebia,”. A conjunção adversativa explicita bem esta afirmação. Acredita-se, por esse motivo, que em algumas crianças é possível identificar – através dos comentários que fazem, do modo como questionam, da forma como raciocinam – o que os filósofos profissionais chamam de atitude filosófica. A presença da filosofia nesse quarteto contribuiu para provocar intencionalmente do relato da pobreza adjetivada de “acanhada”, criando as condições necessárias para que pudesse aprofundar suas estranhezas e intuições da “casa tão vazia” diante do mundo de modo mais claro e profundo sobre os problemas do cotidiano.

O segundo quarteto

De noite, antes do sono, uma certeza:
A minha mãe rezava a Ave-Maria!
E ao terminar a prece eu sempre via
No seu olhar uma esperança acesa.

Quando crianças, estamos sujeitos a duas decepções: a de que os seres, as coisas, os mundos maravilhosos não existem "de verdade" e a de que os adultos podem dizer-nos falsidades e nos enganar ou não. Essa dupla acepção pode acarretar dois resultados opostos: ou a criança se recusa a sair do mundo imaginário e sofre com a realidade como alguma coisa ruim e hostil a ela; ou, dolorosamente, aceita a distinção, mas também se torna muito atenta e desconfiada diante da palavra dos adultos. Nesse segundo caso, a criança também se coloca na disposição da busca da verdade: “De noite, antes do sono, uma certeza:/A minha mãe rezava a Ave-Maria!/E ao terminar a prece eu sempre via/No seu olhar uma esperança acesa.” Aqui, a certeza fica evidenciada, clara, precisa.

Nessa busca, a criança pode desejar um mundo melhor e mais belo do que aquele em que vive, como é o caso, e encontrar a verdade nas obras de arte, desejando ser artista também. Ou pode desejar saber como e por que o mundo em que vive é tal como é e se ele poderia ser diferente ou melhor do que é. Nesse caso, é despertado nela o desejo de conhecimento intelectual e o da ação transformadora.

O primeiro terceto

Após a reza desligava a luz,
Beijava o crucifixo, e a fé era tanta
Que adormecia perto de Jesus.

A humanidade permanece fragilizada e tem o temor da morte e da condenação eterna. Por isso, neste terceto, ele revela que o braço de Jesus pode ser um amparo para aqueles que O invocarem e estiverem sofrendo privações e assim O desejarem. Organizar o desejo é seguir a linhagem pessoal na de pensar a emoção, é cristalizar o sentimento nos emaranhados da linguagem, porém de uma linguagem que exige uma técnica, um sentido de construção, um artesanato, uma espécie de equilíbrio, enfim, uma sintaxe. Qual a dimensão da palavra “tanta”? Depende da visão de cada leitor e de sua situação de vida e fé! E da polissemia semântica deste.

O último terceto

Depois que ela dormia (isso que encanta)
Nosso Senhor descia ali da cruz
Para beijar a sua face santa...

Um beijo não será realmente dado, se não for acolhido. Lábios de mármore, de uma estátua, não acolhem um beijo; é preciso que sejam lábios vivos. Ora, lábios vivos são lábios que acolhem e dão, ao mesmo tempo.O beijo é um gesto admirável, e é precisamente por essa razão que não devemos prostituí-lo, brincar com ele mas, sim reservá-lo como um sinal de alguma coisa extremamente profunda.

“O beijo é a troca de sopros que significa uma troca de nossas profundezas: eu sopro em você, eu me expiro em você e a inspiro em mim de tal forma que eu esteja em você e você esteja em mim.” (Francois Varillon).

O trecho seguinte foi extraído de um de seus livros mais conhecidos, “A humildade de Deus”.
“Deus respeita de modo absoluto a liberdade do ser humano. Ele a criou, e não foi para petrificá-la, ou violentá-la. É por isso que ele jamais grita, nem impõe. Ele sugere, propõe, convida. Ele não diz “Eu quero”, mas “Se tu quiseres … ” Jesus amou sua mãe, Deus amou Maria e, como o evangelista João afirma, “amou até o fim”, com um amor incondicional. Jesus amou sua mãe e cuidou dela, mesmo diante do seu sofrimento e morte.O encantamento leva o leitor a experimentar o tempo do providencialismo divino através de argumentos persuasivos, apresentando Cristo como modelo de Causa Primeira que se dobra e se expande sobre o mundo.

A Chave de Ouro

“(...)Nosso Senhor descia ali da cruz
Para beijar a sua face santa...”

À primeira vista a conclusão da idéia poética que o poeta nos apresenta neste soneto tem a exata medida da escola simbolista, sublinhada por uma visão subjetiva, simbólica e espiritual do mundo, pela forma de expressão e de linguagem, com absoluto domínio da estética dos versos, impregnados de características de beleza, do belo, do harmonioso.

Por outro lado existe no último verso do segundo quarteto uma tênue chama de lirismo ("No seu olhar uma esperança acesa"). Em contrapartida, no primeiro terceto, o poeta coloca um efeito de idéia oposta logo no primeiro verso ("Após a reza desligava a luz"). Idealismo absoluto que identifica a realidade com a razão pela união incessante de contrários, em outras palavras o poeta usou o hegelianismo, ou o "método dialético".

Porém o procedimento humano do filho de Deus, Jesus Cristo crucificado, que desce da cruz para beijar a face da sua mãe (do poeta), leva-nos ponderar que bastaram poucas palavras para Jacob se expressar sobre uma imagem da Virtude da Humildade, que nos dá o sentimento da nossa fraqueza, modéstia e pobreza.

O mesmo terceto transpira também a influência do parnasianismo, que, em oposição ao lirismo romântico, cultiva uma poesia de feição mais objetiva e de notável apuro de forma.

Jacob se exprime poeticamente nos apropositados segmentos de sua imaginação, sem preocupação ou pretensão de se ajustar em alguma linha reguladora que lhe venha indicar a trajetória ou o futuro de seus versos.

Respeito, reverência, submissão, são vocábulos comuns quando redigidos pela escrita direta e com todas as letras; enunciá-los na semiologia da idéia poética e traduzi-los em representação plástica para versos metrificados, convenho ser missão de reduzido grupo de poetas.

Conclusão

José Antonio Jacob é um poeta cujas temáticas ganham universalidade indescritível. Esta é a grande mensagem da sua poesia. A sua constância no tempo. A poesia que toca, que quando se termina de ler parece que ela foi feita para si. Uma poética humana, conflitual e, ao mesmo tempo, prazerosa. A sua arte, como toda a atividade, provoca um indício de força, ou energia, da própria força que se manifesta na vida. Daí seus poemas fortes, vigorosos, energeticamente construídos em versos perfeitos na métrica e na escolha das palavras, mas soltos à flutuação emocional do leitor. O artista subordina tudo à sua sensibilidade, fazendo converter tudo em substância de sensibilidade, que force os outros, queiram eles ou não, a sentir o que ele sentiu; que os domine pela força do inexplicável. Oscilando entre o mundo interior e a realidade cósmica, universal, o poeta trata, ao mesmo tempo, da angústia com o cotidiano e dos sonhos de libertação. Isso pode ser observado a partir dos primeiros versos, cujo sentido vai se constituir na base de todo seu poema.

Assim, “O Beijo de Jesus“ resume toda a ternura na sinfonia da vida!

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Lineu Roberto de Moura
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