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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

Oswald de Andrade



São Paulo - SP
1890 -1954
José Oswald de Sousa Andrade nasceu em São Paulo em 1890. Presenciar a virada do século, aos 10 anos, foi marcante, como relembra o poeta já adulto: "Havíamos dobrado a esquina de um século. Entrávamos em 1900... " . São Paulo despertava para a industrialização e a tecnologia. Abria-se um novo mundo urbano, que Oswald logo assimilaria fascinado: o bonde elétrico, o rádio, o cinema, a propaganda com sua linguagem-síntese...
Oswald tinha 22 anos quando fez a primeira de várias viagens à Europa (1912), onde entrou em contato com os movimentos de vanguarda. Mas só depois de dez anos empregaria as técnicas desses movimentos. De qualquer forma, divulgou o Futurismo e o Cubismo. O terceiro casamento, com Tarsila do Amaral, em 1926, forjou o casal responsável pelo lançamento da Antropofagia. Mário os chamava de "Tarsiwald"... Com Tarsila voltou à Europa algumas vezes. A crise de 29 abalou as finanças do escritor. Vem a separação de Tarsila e uma nova relação: Patrícia Galvão (Pagu), escritora comunista. Oswald passou a participar de reuniões operárias e ingressou no Partido Comunista. Casou-se mais uma vez, depois de separado de Pagu, até que, já com 54 anos, conheceu Maria Antonieta d'Alkmin. Permaneceram juntos até a morte do poeta, em 1954.
Nenhum outro escritor do Modernismo ficou mais conhecido pelo espírito irreverente e combativo do que Oswald de Andrade. Sua atuação intelectual é considerada fundamental na cultura brasileira do início do século. A obra literária de Oswald apresenta exemplarmente as características do Modernismo da primeira fase.
Em Pau-Brasil, põe em prática as propostas do manifesto do mesmo nome. Na primeira parte do livro, "História do Brasil", Oswald recupera documentos da nossa literatura de informação, dando-lhe um vigor poético surpreendente.
Na segunda parte de Pau-Brasil - "Poemas da colonização" -, o escritor revê alguns momentos de nossa época colonial. O que mais chama a atenção nesses poemas é o poder de síntese do autor. No Pau-Brasil há ainda a descrição da paisagem brasileira, de cenas do cotidiano, além de poemas metalingüísticos.
A poesia de Oswald é precursora de um movimento que vai marcar a cultura brasileira na década de 60: o Concretismo. Suas idéias, recuperadas também na década de 60, reaparecem com roupagem nova no Tropicalismo.
Memórias sentimentais de João Miramar chama a atenção pela linguagem e pela montagem inédita. O romance apresenta uma técnica de composição revolucionária, se comparado aos romances tradicionais: são 163 episódios numerados e intitulados, que constituem capítulos-relâmpago - tudo muito influenciado pela linguagem do cinema - ou, mais precisamente, como se os fragmentos estivessem dispostos num álbum, tal qual fotos que mantêm relação entre si. Cada episódio narra, com ironia e humor, um fragmento da vida de Miramar. "Recorte, colagem, montagem", resume o crítico Décio Pignatari.
O material narrativo segue esta ordem: infância de Miramar, adolescência e viagem à Europa a bordo do navio Marta; regresso ao Brasil, motivado pela morte da mãe; casamento com Célia, e um romance paralelo com a atriz Rocambola; nascimento da filha; divórcio e morte de Célia; falência de Miramar.
Em 1937 publicou-se O rei da vela, peça que focaliza a sociedade brasileira dos anos 30. Pelo seu caráter pouco convencional, só foi levada a cena trinta anos depois, integrando o movimento tropicalista.
Oswald de Andrade morreu em São Paulo em 1954
Fonte da biografia:http://www.culturabrasil.org/oswald.htm


O Sul-Americano Calabar
Torcida indígena a favor de um imperialismo "civilizador". Leitor pequeno-burguês, não será você? No Brasil há duas correntes de opinião: os que acreditam que a guerra holandesa acabou e os que sabem perfeitamente que ela continua, através de fundings, empréstimos e tomadas de poder por este ou aquele grupo calabarista.
Botafogo etc.
Beiramarávamos em auto pelo espelho de aluguel arborizado das avenidas marinhas sem sol. Losangos tênues de ouro bandeiranacionalizavam o verde dos montes interiores. No outro lado da baía a serra dos Órgãos serrava. Barcos. E o passado voltava na brisa de baforadas gostosas. Rolah ia vinha derrapava entrava em túneis. Copacabana era um veludo arrepiado na luminosa noite varada pelas frestas da cidade.
Brasil
O Zé Pereira chegou de caravela
E preguntou pro guarani da mata virgem
-Sois cristão?
-Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte
Teterê Tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu
-Sim pela graça de Deus
Canhém Babá Canhém Babá Cum Cum!
E fizeram o Carnaval

O Gramático

Os negros discutiam
Que o cavalo sipantou
Mas o que mais sabia
Disse que era
Sipantarrou.

3 de maio
Aprendi com meu filho de dez anos
Que a poesia é a descoberta
Das coisas que eu nunca vi

Errro de Português
Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.
(in: Poesias Reunidas. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.)

Canto de Regresso à Pátria
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os pássaros daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo
(in: Poesias Reunidas. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.)
hípica
Saltos records
Cavalos da Penha
Correm jóqueis de Higienópolis
Os magnatas
As meninas
E a orquestra toca
Chá
Na sala de cocktails
(in: Poesias Reunidas. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.)

Memórias Sentimentais de João Miramar (trechos)

À guisa de prefácio

João Miramar abandona momentaneamente o periodismo para fazer a sua entrada de homem moderno na espinhosa carreira das letras. E apresenta-se como o produto improvisado e portanto imprevisto e quiçá chocante para muitos, de uma época insofismável de transição. Como os tanks, os aviões de bombardeio sobre as cidades encolhidas de pavor, os gases asfixiantes e as terríveis minas, o seu estilo e a sua personalidade nasceram das clarinadas caóticas da guerra.Porque eu continuarei a chamar guerra a toda esta época embaralhada de inéditos valores e clangorosas ofensivas que nos legou o outro lado do Atlântico com as primeiras bombardas heróicas da tremenda conflagração européia.O glorioso tratado de Versalhes que pôs termo à loucura nietzschiana dos guerreiros teutões, não foi senão um minuto de trégua numa hora de sangue. Depois dele, assistimos ao derramamento orgânico de todas as convulsões sociais. Poincaré, Artur Bernardes, Lênine, Mussolini e Kemal Paxá ensaiam diretivas inéditas no código portentoso dos povos, perante a falência idealista de Wilson e o último estertor rubro do sindicalismo. Quem poderia prever a Ruhr? Quem poderia prever o "pronunciamento" espanhol? E a queda de Lloyd George? E o telefone sem fio?Torna-se lógico que o estilo dos escritores acompanhe a evolução emocional dos surtos humanos. Se no meu foro interior, um velho sentimentalismo racial vibra ainda nas doces cordas alexandrinas de Bilac e Vicente de Carvalho, não posso deixar de reconhecer o direito sagrado das inovações, mesmo quando elas ameaçam espedaçar nas suas mãos hercúleas o ouro argamassado pela idade parnasiana. VAE VICTIS!Esperemos com calma os frutos dessa nova revolução que nos apresenta pela primeira vez o estilo telegráfico e a metáfora lancinante. O Brasil, desde a idade trevosa das capitanias, vive em estado de sítio. somos feudais, somos fascistas, somos justiçadores. Época nenhuma da história foi mais propícia à nossa entrada no concerto das nações, pois que estamos na época do desconcerto. O Brasil, país situado na América, continente donde partiram as sugestões mecânicas e coletivistas da modernidade literária e artística, é um país privilegiado e moderno. Nossa natureza como nossa bandeira, feita de glauco verde e de amarelo jalde, é propícia às violências maravilhosas da cor. Justo é pois que nossa arte também o queira ser.Quanto à glótica de João Miramar, à parte alguns lamentáveis abusos, eu a aprovo sem, contudo, adotá-la nem aconselhá-la. Será esse o Brasileiro do Século XXI? foi como ele a justificou, ante minhas reticências críticas. O fato é que o trabalho de plasma de uma língua modernista nascida da mistura do português com as contribuições das outras línguas imigradas entre nós e contudo tendendo paradoxalmente para uma construção de simplicidade latina, não deixa de ser interessante e original. A uma coisa apenas oponho legítimos embargos - é à violação das regras comuns da pontuação. Isso resulta em lamentáveis confusões, apesar de, sem dúvida, fazer sentir "a grande forma da frase", como diz Miramar pro domo sua. "Memórias Sentimentais"- por que negá-lo? - é o quadro vivo de nossa máquina social que um novel romancista tenta escalpelar com a arrojada segurança dum profissional do subconsciente das camadas humanas.Há, além disso, nesse livro novo, um sério trabalho em torno da "volta ao material" - tendência muito de nossa época como se pode ver no Salão d'Outono, em Paris.Pena é que os espíritos curtos e provincianos, se vejam embaraçados no decifrar do estilo em que está escrito tão atilado quão mordaz ensaio satírico.
Literatura
Para Aradópolis, junto à fazenda Nova-Lombardia de recordações nupciais, fordei em primeira com o dr. Pilatos e meu querido Fíleas em excursão histórica e marcada conferência de Machado Penumbra convite do Grêmio Bandeirantes comemorador da malograda morte do conselheiro Zé Alves.Auditório de fascistas sicilianos com professorado cow-boy no cine de zinco e palmas.Ao longo da ribalta exígua o orador pôs frases alvíssimas nos bigodes pretos.E de lambuja grandiloquou o conferente destinos territoriais de São Paulo na expectativa do trem com colegiada despedidora e vivante.- a plenitude cafeeira e pastoril de nosso Estado se distende nos assaltos ao hinterland que foge num último galopar de índios e de feras! A cada investida vitoriosa, os novos bandeirantes são a reencarnação estupenda da luta, a magnífica, a eterna ressurreição simbólica da Força!De chapéu no braço e gestos, Minão da Silva, meu agregado lombardo e jovem orgulho mulatal do grêmio, retrucou tomando a palavra pela ordem.- Não preocupei as bancadas das escolas, meus senhores e ilustríssimas senhoras e crianças! Mas o conselheiro Zé Alves que o ilustre colega comemoramos, não morreu! Apenas desapareceu de nossa competência. O Grêmio Bandeirantes com 500 membros me mandou saudá-lo. Ele tem doutores que não quiseram vim. Mas a norma do regulamento dos estatutos me mandou saudar. Desculpe os erros!E o trem taratinchou saudades.
Negrologia


Quando Machado Penumbra tomara-me a seu valente lado no jornal mundano e moderno que o chamara para repentino diretor como orientador e grande prosador.E na sala aberta da redação o dr. Pilatos noturno de ohs e ahs aportou a notícia de fraque do adoecimento final e morte de minha sogra. E porque tia fosse tia exigia com abraços minha inoportuna presença em Higienópolis de janelas cerradas e acessos silêncios.Não fui à casa que revi funerando inteira mutismos de passos e tlictlics de coroas e onde mudo, pomposo e lívido, o dr. Pepe Esborracha atenderia flor de laranjeiras crises de cá pra lá.
Testamenteiros


Por cuidado cabogramado do grande divorciador, o matrimonial contrato de Nice fora de precavidos efeitos, impondo a Chelinini não mais que três contos mensais de aluguel marideiro com cem de jóia e jóias. E o dono esperto da esperta Nair cerrara testamento tapado a máquina pela mão manhosa do médico de Célia e Pindobaville dr. Pepe Esborracha. Num choroso conluio, ambos se tinham descoberto como Brasis e concordado junto à cama desfalecida da enferma de aquecedor elétrico nos pés de cera. E assinaram a rogo que o longe Pantico ingrato empregado em Antuérpia e a Cotita de óculos contrariantes, bestenamorada dum mineiro de Minas, podiam dispensar vantagens que a devotação das duas outras merecia haver na sobrenadante fortuna fazendeiral em alta.
Ordem e Progresso
Ano Novo jantou juntados redatores e convivas pela administração jornalal de largas vistas e construiu a meu lado um paralelepípedo de carne com óculos sem pé que era o dr. Mandarim Pedroso. Machado Penumbra diretivo nos enfrentava casaca de papo branco e flor.- É um grego de tendências emotivais! apontou-o com o guardanapo o toutiço vizinhante à chegada do trem da sobremesa. Vai longe! Vou fazê-lo Vice-Presidente do Recreio Pingue-Pongue.Explicou-me o que era às claras essa chiquíssima sociedade de moças que a sua personalidade centrava como um coreto.- Uma forja de temperamentos e um ninho de pombas gárrulas. O Sr. precisa entrar para lá, principalmente depois que o seu nome de poeta e jornalista começa a raiar nos galarins da fama. Quer saber, digo-lhe confidencialmente, o Presidente da República saiu de nossas fileiras, o Prefeito de São Paulo também, o Vice-Prefeito idem idem. Já fornecemos à alta administração doze estrelas de primeira grandeza. Santos Dumont é dos nossos.E súbito, reservado como as senhoras que a gente encontra na sala secreta do museu de Nápoles:O Sr. possui filhas?- Sim. Tenho uma de seis anos.- Ponha-a lá, ponha-a lá, se quiser salvá-la dos perigos contemporâneos. Ah! Lá não se dança o paso doble, meu caro senhor! O paso doble! Devia chamar-se a cópula de salão! Olhe, nós vivemos numa civilização de dancings...Facas bateram copos semafóricos. Face a nós, Machado Penumbra elevara-se, neto de Lord Byron na Itália.- É um discurso para amigos, meus senhores! E como esta florida mesa reúne somente rapazes, eu beberei a cupido! A cada presente a esta reunião de saúde e fraternidade, eu junto uma ausente cara, numa argonave de esperanças eternas.Porque nós, meus colegas, meus amigos, neste vale de emoções, de apogeus e de quedas de Ícaro, vivemos apenas o romance da eterna pesquisa, da eterna procura, da eterna recherche, da eterna mágoa da miragem! mas não fiquemos apenas na visão desse desejo do impossível que a todos nos inquieta e comove. Prossigamos na realização do Inachado, do Irrealizável, do Incrível, alcancemos a promessa lantejoulante do Nada! À mulher, ergo a minha taça de vencido!

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