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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

Desencontro

  
Página Maria Granzoto




van gogh -arles


DESENCONTRO


(José Antonio Jacob)


Vivíamos em plena sintonia

Dos sentimentos leves e saudáveis.
Éramos jovens almas agradáveis
De afeto, de carinho e de alegria.

A paz intimamente nos sorria

Em saudações contínuas e amigáveis;
Os dias alongavam-se amoráveis,
Corria o tempo e a vida decorria.

Na ingenuidade dos adolescentes

Jamais soubemos da desesperança
Das trilhas, de um desvio repentino.

Depois seguimos rumos diferentes:

Eu regressei na estrada da lembrança
E ela seguiu nos braços do destino.


Rio de Janeiro, junho de 1981



INTRODUÇÃO


Eu não lera ainda esse soneto do Poeta José Antonio Jacob! Não sei explicar, mas assim que o li, aqui no Face, fiquei absorta, perdida em devaneios, num estado de quase catarse!
Como pode? Vários dias passei lendo, relendo, completamente enlouquecida, mais do que já sou! Intrigam-me as palavras que se enleiam e se fundem... inexplicavelmente para mim!


O título – DESENCONTRO



O desencontro dos contrários – "desencontrários" – redesenha a imagem do rigor. Aquilo que se evoca e ordena diverge do chão nos chamamentos rotineiros Na diferença, a semelhança. Não uma diferença qualquer, mas uma diferença pontuada, intencional: o relato de um desencontro, não o de um encontro!. A prefixação imprime às avessas o direito da raiz e busca o originário, que subverte radicalmente a linguagem para apresentar o “real”, pois é construída a partir da negação. Desconstruir “as coisas” do seu significado mais habitual, desconstruir para construir, fazer “delirar”, como afirma o próprio poeta, o verbo,desencontrar a realidade. E quando ele descoisifica o real ele constrói uma gama de significados inexistentes. Assim,quando o eu lírico, por exemplo, diz DESENCONTRO está propondo uma poética que vai levar a linguagem às últimas conseqüências, pois vai desabrigar a palavra de seu sentido usual. Na verdade, o que o eu lírico faz é se remeter ao próprio sentido da poesia. É dizer que a poesia é linguagem que quer o avesso do avesso, ou seja, que quer deslocar ao máximo a representação da realidade, para que esta possa de fato se revelar no seu sentido mais originário. 


O primeiro quarteto


Vivíamos em plena sintonia
Dos sentimentos leves e saudáveis.
Éramos jovens almas agradáveis
De afeto, de carinho e de alegria.



Parece-me o simbolismo do desencontro, aonde a letra “s” tenta silenciar e enlear esse momento mágico da criação: sssssssssss...onze letras “s” num único e desapegado “z”! Isto apenas neste quarteto!!A sonoridade esfuziante em “sintonia” e “alegria” nos leva aos píncaros da felicidade! Uma felicidade que se abre ao mundo na descoberta das paroxítonas “saudáveis” e “agradáveis”, com as sílabas tônicas idênticas. Um só corpo. Uma só alma. Sagrada comunhão!

O segundo quarteto

A paz intimamente nos sorria
Em saudações contínuas e amigáveis;
Os dias alongavam-se amoráveis,
Corria o tempo e a vida decorria.



O poeta é guiado pelo silencioso abismo da linguagem Ainda que a paz seja interior e una os amantes, o tempo não tem margem; ele corre e nós passamos!Como pode alongar-se o dia se o tempo “corria e a vida decorria”? A constância do relacionamento e do amor,eram amoráveis quais frutos da amora, que possuem formas semelhantes, mas são de árvores de gêneros e até de famílias botânicas diferentes! Loucura de interpretação? Quiçá!


O primeiro terceto

Na ingenuidade dos adolescentes
Jamais soubemos da desesperança
Das trilhas, de um desvio repentino.

Aqui o poeta fala da adolescência de algumas décadas passadas, quando os adolescentes não dispunham do assustador conhecimento a que hoje se tem acesso! Á época eram ligados a uma poética de superação das barreiras do cotidiano trivial por meio de uma “entrada” metafísica no mundo que hoje já é totalmente impossível! O adolescente, na inquietude de conhecer a vida, vê o mundo multiplicado na sua dimensão. Seus sonhos e suas fantasias refletem um universo imenso e eterno. A busca do equilíbrio entre o real e o imaginário é uma das tarefas mais importantes desta fase do ciclo evolutivo vital, onde a família desempenha uma função de importância crucial. Isso era fortalecido pelo “ninho” família, o que, atualmente, raramente acontece! Não havia “desvios” – a meta era fixa!

O último terceto

Depois seguimos rumos diferentes:
Eu regressei na estrada da lembrança
E ela seguiu nos braços do destino.

Este terceto, sob o meu ponto de vista é uma transgressão temporal. Os versos escondem descontinuidades, acasos. O tempo existente por trás das suas palavras é quebrado, violentado, despedaçado por “rumos diferentes”, onde nada do que vemos é inteiro, completo, e sim, fragmentado, deslocado e pálido pelo retorno ( a volta aos tempos anteriores da sintonia plena!). Nesse sentido, o autor desloca as duas trajetórias individuais ( o retorno e a “caminhada nos braços do destino”), em um tempo enlouquecido, sem descanso, que os obriga a irem ao seu limite ( regresso e seguir em frente ) num constante devir aventureiro, onde nada é tranqüilo, certo, ou confortável, mas aberto a possibilidades. Este tempo não-reconciliado provoca rachaduras e faz a segmentação dos sentimentos!

Conclusão 
Soneto engajado, comprometido, participante, e, ao mesmo tempo, de grande força poética. Ritmo intenso, imagens intensas. Observe o tom da fala, da oralidade, a linguagem muito expressiva, acentuada pela nasalização a partir do título e sibilação, como afloramento da dor e o silêncio da solidão!
O poema é afável e tirano cria reviravoltas no interior do ser e conclama o poeta e o leitor aos rabiscos na pele da semântica. Nasce na velocidade do inefável.

Sinta quem o lê com o coração porque, certamente foi escrito com palavras que brotaram da alma do poeta José Antonio Jacob!


artculturalbrasil@gmail.com


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2 comentários:

  1. Anônimo14:30

    Teus sonetos trazem um beleza inconfundível, poeta Jacob!

    Aplausos

    Eliane Triska

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  2. HISTÓRIA ANTIGA (Raul de Leoni)

    No meu grande otimismo de inocente,
    Eu nunca soube por que foi... um dia,
    Ela me olhou indiferentemente,
    Perguntei-lhe por que era... Não sabia...

    Desde então, transformou-se de repente
    A nossa intimidade correntia
    Em saudações de simples cortesia
    E a vida foi andando para frente...

    Nunca mais nos falamos... vai distante...
    Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
    Em que seu mudo olhar no meu repousa,

    E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
    Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
    Mas que é tarde demais para dizê-la...

    O soneto "DESENCONTRO" de José Antônio Jacob, lembrou-me "HISTÓRIA ANTIGA", de Raul de Leoni (de quem Jacob era admirador). A fonte de inspiração fica evidente.

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