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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

Sonhando... (comentado)

Página Maria Granzoto
Editora de Literatura ArtCulturalBrasil
Arapongas - Paraná
granzoto@globo.com




Sonhando...
(José Antonio Jacob)

Para viver à luz dos devaneios,
Neste pequeno teatro do colchão,
Deixo um vazio nos meus olhos cheios
Da tua ausência em minha solidão.

Dispo-te as flores que te ornam os seios
E os cubro com soluços de paixão
E este meu sonho me permite meios
Para encantar de amor teu coração.

Somos memórias curtas deste agora,
Pois que nosso futuro é o outro dia
Que morre de repente em plena aurora.

Sonho em teus olhos de deserto e pó...
Por isso durmo e acordo na utopia
Que somos duas vidas numa só.


Somos deveras privilegiados ao receber mais um belo poema do poeta José Antonio Jacob, esse filho de Minas Gerais que traz o ouro poético das veias para o engrandecimento da nossa literatura. Durante esses poucos anos de convívio espiritual, posso afirmar que aprendi muito mais que em cem anos, se até lá pudesse viver. Obrigada, poeta dileto! Sonhando tornamos a passagem menos dolorida, creio!

O título

O poeta usa o gerúndio para intitular seu poema, o que indica uma ação em andamento, um ato ou um fato ainda não finalizado, quando o caráter durativo da ação está claro. E seguido pelas reticências, reforça a idéia da perenidade do sonhar. Gramatical e estilisticamente correto, dá a idéia de progressão, movimento, continuidade. O que seria da humanidade se não lhe fosse permitido sonhar? Daí o sugerir certo prolongamento da idéia: movimento ou a continuação de um fato. E assim, vamos sonhando...

O primeiro quarteto

Para viver à luz dos devaneios,
Neste pequeno teatro do colchão,
Deixo um vazio nos meus olhos cheios
Da tua ausência em minha solidão.

Metáforas, antíteses, comparações... Riqueza no emprego das figuras... Um sonhar cheio de vazios... Seria o vazio um meio de transporte para quem tem um coração transbordante que circula no infinito? E é num colchão que se junta tudo numa coisa só... Que reflexão pode-se fazer sobre o papel do sujeito criativo, para levantar alguns pontos que nos rodeiam no cotidiano das ações de criar? Sabemos que o princípio criativo dá-se pelo estado de puro caos onde o devaneio se presencia como fonte de inspiração, num pleno estado de desordem das idéias, o que é necessariamente bom, útil, eterno, infinito, um passo para atingir a loucura de chegar ao inatingível... "Um vazio nos meus olhos cheios da tua ausência..." nos explica que quando "desbloqueamos" nossos olhos diante da visão que temos do outro, conseguimos entender que o amor verdadeiro é interno, entranhado em nossas vísceras, na nossa essência. Ele surge de dentro para fora, dessa solidão, como o nosso desejo de aprender, porque dentro de nós o vazio não é oco, mas cheio de vontade de descobrir o que já está dentro de si e que não se mostra,aparenta que vai se revelar, mas novamente se esconde. Quando experimentamos sugar este leite materno, que faz do amor este ato bonito de dentro para fora, ele, finalmente, é sentido e não somente visualizado, pois se concretiza e se transforma "em amor que veio".

O segundo quarteto

Dispo-te as flores que te ornam os seios
E os cubro com soluços de paixão
E este meu sonho me permite meios
Para encantar de amor teu coração.

Este desejo eterno de ampliar horizontes, redimensionar imagens, reinventar as coisas e propor novas formas e imagens, tem sua objetividade de vivenciar no plano experimental, da realidade pela a qual nos comprometemos como arteiros das idéias novas.Tenho o mau ( ou o bom ) hábito de pensar demais. Mas percebi que pensar demais é o caminho inverso para atingir a paz de espírito, coisa que eu tenho sentido necessidade. Esses versos me reportam à música “Maluco Beleza: Enquanto você / Se esforça pra ser / Um sujeito normal / E fazer tudo igual…”, o poeta diz: “Dispo-te as flores que te ornam os seios / E os cubro com soluços de paixão,”... E lembra o imortal Camões: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança; todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. Continuamente vemos novidades, diferentes em tudo da esperança; do mal ficam as mágoas na lembrança, e do bem (se algum houve), as saudades. O tempo cobre o chão de verde manto, (o colchão,) que já coberto foi de neve fria, e, enfim, converte em choro o doce canto. E, afora este transmutar-se a cada dia, outra mudança faz de mor espanto, que não se muda já como soía. (Luís de Camões). Por que... maneiras de produzir encantos, o meu sonho permite!

O primeiro terceto

Somos memórias curtas deste agora,
Pois que nosso futuro é o outro dia
Que morre de repente em plena aurora.

Experimentemos abrir uma semente ao meio e veja se lá existe algum mecanismo que faça outra planta nascer. Lá é vazio de coisas que nossos olhos não conseguem ver e talvez cheio de algo que ainda não conseguimos enxergar no vazio de nós mesmos. Se não esperarmos por alguma coisa, cairemos no vazio mais interno; se não acreditarmos que alguma coisa aconteça, teremos que encarar o vácuo dentro de nós, o nada. E isso dá medo, isso é como a morte. Para evitar isso, para escapar disso, a pessoa projeta um sonho no futuro. É assim que o tempo futuro é criado.

O futuro não é parte do tempo, ele é parte da mente. O tempo é sempre presente. Ele nunca é passado e nunca é futuro. Ele é sempre agora. A mente cria o futuro, assim a pessoa pode evitar o 'agora', a pessoa pode olhar para frente, para as nuvens, esperar alguma coisa e imaginar que alguma coisa está para acontecer e nada acontece. Por quê? Porque morre “em plena aurora”...?

O último terceto

Sonho em teus olhos de deserto e pó...
Por isso durmo e acordo na utopia
Que somos duas vidas numa só.

Uma das verdades mais básicas a respeito da vida humana é que jamais coisa alguma acontece. Milhões de coisas parecem acontecer, mas nada jamais acontece. A pessoa segue esperando, esperando, esperando: esperando... Uma eterna esperança, a esperança de vir aquele “Amanhã”, que Jacob nos fala no último terceto do soneto “Crença”.

“E a noite o recolhia nesse afã
De estar sempre esperando esse Amanhã
E sempre esse Amanhã tardando a vir...”

Ainda assim, a pessoa tem que projetar um sonho... Do contrário, como evitar o seu próprio vazio interior?
É do conhecimento humano que: “O homem é feito de pó e ao pó retornará - do pó para o pó.”

Sonhar é o desejo, a projeção, a ambição, o futuro, a imaginação. De outra maneira, nos tornaríamos conscientes de que somos apenas pó e nada mais. Esperando pelo futuro, aguardando o futuro, o pó tem um sonho ao redor, ele faz parte da glória do sonho, ele ilumina. Através do sonho sentimos que somos alguém. E sonhar não custa nada a nenhuma classe social! Mendigos podem sonhar que são imperadores, não existe lei alguma contra isso. Para evitar o que é, projeta-se um sonho de tornar-se algo. Há corruptos, ladrões, pessoas honestas, fidedignas, amantes, mal amados, e todos personificam toda a humanidade.

Mas para criar um sonho, um não é suficiente, dois são necessários. Porque um será menos do que é preciso, a ajuda do outro é necessária. Só, é muito difícil sonhar. Pouco a pouco o sonho é quebrado e você é atirado à realidade nua, ao vazio. É necessário alguém para se agarrar, alguém para olhar, alguém para compartilhar, alguém que vai remendar os furos, que irá trazê-lo para fora de si mesmo, de maneira que você não tenha que encarar a sua realidade nua. É preciso que alguém o leve ao “pequeno teatro do colchão”, entende? - "Sonho em teus olhos de deserto e pó... Por isso durmo e acordo na utopia que somos duas vidas numa só." ( Espantosa imagem subjetiva! Exatamente inserida nos conceitos filosóficos que validam a subjetividade no coletivo que se apropria cognitivamente dos objetos da realidade exterior. Esta estrofe refere-se ao que é válido para todos os sujeitos e que só a eles pertencem, como os sonhos, os sentimentos, a vontade etc. Uma dialética refinada que o poeta usou para representar que somos o que pensamos ser, ou pelo menos, podemos sonhar a vida que pensamos viver. Eis aqui um belo exemplo metafísico do estilo espirituoso do poeta Jacob, que vai além da experiência física.)

Conclusão

Amanhã novamente o sol nascerá e estaremos no mesmo lugar e esperando, e de novo sonhando...


Maria Granzoto da Silva
granzoto@globo.com



Realização


artculturalbrasil@gmail.com


Leia poesia de José Antonio Jacob
comentada por Maria Granzoto da Silva
http://joseantoniojacob.blogspot.com/



Um comentário:

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