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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

Sonetos Brasileiros Populares III


Para colecionadores
Página Maria Granzoto
Arapongas - Paraná
granzoto@globo.com


arquivo artculturalbrasil

O Sonho dos Sonhos
(Múcio Teixeira – R.G. do Sul - 1858-1926)

Quanto mais lanço as vistas ao passado,
Mais sinto ter passado distraído,
Por tanto bem – tão mal compreendido,
Por tanto mal – tão bem recompensado!...

Em vão relanço o meu olhar cansado
Pelo sombrio espaço percorrido:
Andei tanto – em tão pouco... e já perdido
Vejo tudo o que vi, sem ter olhado.

E assim prossigo, sempre audaz e errante,
Vendo o que mais procuro mais distante,
Sem ter nada – de tudo que já tive...

Quanto mais lanço as vistas ao passado,
Mais julgo a vida – o sonho mal sonhado
De quem nem sonha que a sonhar se vive!...


Terra do Brasil
(Pedro de Alcântara (D. Pedro II – Escrito em Paris)
RJ – 1825-1891)


Espavorida agita-se a criança,
De noturnos fantasmas com receio,
Mas se abrigo lhe dá materno seio,
Fecha os doridos olhos e descansa.

Perdida é para mim toda esperança
De volver ao Brasil: de lá me veio
Um pugilo de terra: e nesta creio
Brando será meu sono e sem tardança...

Qual o infante a dormir em peito amigo,
Tristes sombras varrendo a memória,
Ó doce Pátria, sonharei contigo!

E entre visões de paz, de luz, de glória,
Sereno aguardarei no meu jazigo
A justiça de Deus na voz da história!


Budismo Moderno
(Augusto dos Anjos – Paraíba - 1884-1914)

Tome, Doutor, esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharada roa
Todo o meu coração, depois da morte?!

Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contado de bronca destra forte!

Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;

Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!


O Morcego
(Augusto dos Anjos)

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

“Vou mandar levantar outra parede...”
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!

Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que agente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!


Passei a noite junto dela
(Álvares de Azevedo – São Paulo – 1831-1852)

Passei a noite junto dela.
Do camarote a divisão se erguia
Apenas entre nós – e eu vivia
No doce alento dessa virgem bela...

Tanto amor, tanto fogo se revela
Naqueles olhos negros! Só a via!
Música mais do céu, mais harmonia
Aspirando nessa alma de donzela!

Como era doce aquele seio arfando!
Nos lábios que sorriso feiticeiro!
Daquelas horas lembro-me chorando!

Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
É sentir todo o seio palpitando...
Cheio de amores! E dormir solteiro...


Elogio à dor do desamor
(José Antonio Jacob – Minas Gerais – 1950)

I

Ainda que até o amor você me roube,
(Pode roubar-me sem abrir a porta)
Rogarei que outro amor maior me arroube,
Pois só o amor meu coração conforta.

Ora, que triste, a noite é quase morta,
E o meu beijo em seus lábios nunca coube,
Eu amo a dor e a dor não me suporta,
Porque eu já morri e você não soube.

O meu amor que o seu amor espalma,
Em troca de ter-me arrebatado a alma,
Haverá de avivar as suas dores...

Que vibrem no seu peito outros amores!
Você feriu-me a vida e dou-lhe flores...
E morro sem você na noite calma.

II

Que doce olhar... E a vida é tão pequena!
A vida é triste sem seu doce olhar...
Para mim seu olhar é uma novena
Que acompanho de longe sem rezar.

Amo-a tanto e ela sabe que me amar
É dor, tristeza, mágoa, perda e pena,
Por isto ela não me ama e me condena
A entrar no céu e não poder ficar...

Que coisa triste, que desesperança!
Ponho em seus olhos meu olhar que clama
E ela me olha inocente feito criança...

Adeus! (meu breve adeus é o de quem ama)
Deixo-lhe meu sorriso de lembrança,
Pois tenho de ir que a minha dor me chama...


O Monge
(Raimundo Correia – Maranhão – 1860-1911)

“O coração da infância – eu lhe dizia –
É manso”. E ele me disse: - “Essas estradas,
Quando, novo Eliseu, as percorria,
As crianças lançavam-me pedradas...”

Falei-lhe, então, na glória e na alegria;
E ele – alvas barbas longas derramadas
No burel negro – o olhar somente erguia
Às cérulas regiões ilimitadas...

Quando eu, porém, falei no amor, um riso
Súbito as faces do impassível monge
Iluminou... Era o vislumbre incerto,

Era a luz de um crepúsculo indeciso
Entre os clarões de um sol que já vai longe
E as sombras de uma noite que vem perto!...


Estranhas Lágrimas
(Félix Pacheco –Piauí -1879-1935)

Lágrimas... Noutras épocas verti-as.
Não tinha o olhar enxuto, como agora,
- Alma, dizia então comigo, chora,
Que o pranto diminui as agonias.

Ah! Quantas vezes pelas faces frias,
Por mal do meu amor, que se ia embora,
Gota a gota, rolando, elas outrora,
Marcaram noites e marcaram dias!

Vinham do oceano da alma, imenso e fundo,
Ondas de angústia, em suspiroso arranco,
Numa desesperança acerba e louca.

Nos olhos, hoje, as lágrimas estanco,
Mas rolam todas, sem que as veja o mundo,
Sob a forma de risos, pela boca.


Lágrimas
(Bento Ernesto Júnior – Minas Gerais – 1866-1934)

A vida, meu amor, que hoje passamos
Só pode ser com lágrimas descrita,
Tão grande a dor que o peito nos habita,
Tão amargo este fel que hoje provamos.

Tão nublados de lágrimas levamos
Os olhos, sob o peso da desdita,
Que tudo que ante nós vive e palpita,
Tudo inundado em lágrimas julgamos.

E todo esse lutuoso mar de pranto,
Que vemos em nossa alma e em tudo vemos,
Nasce de havermos nos amado tanto!...

Porém, embora a amar, tanto soframos,
Cada vez mais, amada, nos queremos,
Cada vez mais, querida, nos amamos.


Beatriz
(Humberto de Campos – Maranhão – 1886-1935)

Bandeirante a sonhar com pedrarias,
com tesouros e minas fabulosas,
do Amor entrei, por ínvias e sombrias
estradas, as florestas tenebrosas.

Tive sonhos de louco, à Fernão Dias...
Vi tesouros sem conta: entre as umbrosas
selvas, o ouro encontrei, e o ônix, e as frias
turquesas, e esmeraldas luminosas...

E por eles passei. Vivi sete anos
na floresta sem fim. Senti ressábios
de amarguras, de dor, de desenganos.

Mas voltei, afinal, vencendo escolhos,
com o rubi palpitante dos seus lábios
E os dois grandes topázios dos seus olhos!


Elegia n.10
(Mauro Motta – Pernambuco – 1912-1985)

Insone e inquieta na pequena cama,
Na longa noite, Luciana chora,
E à mamãe tão distante chama, chama,
Como se ela pudesse ouvi-la agora.

Não quer o pai, não quer também sua ama;
Só a mãe que a deixou e foi embora.
No seu choro infantil, pede e reclama
A canção de dormir que ouvia outrora.

Mas, aos poucos, na noite, vejo-a calma,
Para alguém os seus braços se levantam,
Junto do berço, maternal, tua alma

Canta a canção de doces estribilhos
Que as mães, mesmo depois de mortas, cantam
Para embalar os pequeninos filhos.


Soneto da Separação
(Vinícius de Morais – Rio de Janeiro – 1913-1980)

De repente, do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma,
E das bocas unidas fez-se a espuma,
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente, da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama,
E da paixão fez-se o pressentimento,
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente,
Fez-se de triste o que se fez amante,
E de sozinho o que se fez contente,

Fez-se do amigo próximo o distante,
Fez-se da vida uma aventura errante,
De repente, não mais que de repente.


Soneto do Amor Total
(Vinicius de Moraes)

Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.


A solidão e sua porta
(Carlos Pena Filho – Pernambuco -1929-1960)

Quando mais nada resistir que valha
A pena viver e a dor de amar
E quando mais nada interessar
(Nem o torpor do sono que se espalha);

Quando, pelo desuso da navalha,
A barba livremente caminhar
E até Deus em silêncio se afastar
Deixando-te sozinho na batalha.

A arquitetar na sombra da despedida
Do mundo que te foi contraditório,
Lembrar-te que afinal te resta a vida

Com tudo que é insolvente e provisório
E de que ainda tens uma saída:
Entrar no acaso e amar o transitório.


Da vez primeira em que me assassinaram
(Mario Quintana) 
(Alegrete/RS -1906-1994)

Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha…

E hoje, dos meus cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada…
Arde um toco de vela, amarelada…
Como o único bem que me ficou!

Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Ah! Desta mão, avaramente adunca,
Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!

Aves da noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como um ai,
A luz do morto não se apaga nunca!”


Barcos de Papel
(Guilherme de Almeida - São Paulo – 1890-1969)

Quando a chuva cessava e um vento fino
Franzia a tarde tímida e lavada,
Eu saía a brincar, pela calçada,
Nos meus tempos felizes de menino

Fazia, de papel, toda uma armada;
E, estendendo o meu braço pequenino,
Eu soltava os barquinhos, sem destino,
Ao longo das sarjetas, na enxurrada...

Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
Que não são barcos de ouro os meus ideais:
São feitos de papel, são como aqueles,

Perfeitamente, exatamente iguais...
- Que os meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e não voltaram mais!


Velho Tema II
(Vicente de Carvalho - São Paulo - 1866-1924)

Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.

Quero que meu amor se te apresente
- Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.

Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, e o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.

Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do teu beijo.


Páscoa
(José Antonio Jacob – Minas Gerais - 1950)

Eu sinto pena dessa criança crente
Que espia lojas pela tarde fria,
E tem uma esperança sorridente
Defronte o vidro da confeitaria.

Esse garoto bom de olhar carente,
Que não tem casa, mas tem fantasia,
Quer ter o Ovo de Páscoa de presente
Debaixo da marquise, no outro dia.

Um sino tange longe sem razão,
 Jesus morreu na igreja da pracinha,
Pobre Jesus que enfeita a procissão...

Vem alegria: o Cristo não morreu!
Ele ainda é o mesmo que na dor caminha
E esse menino crente ainda sou eu!


São Francisco e o Rouxinol
(Martins Fontes – São Paulo - 1884-1937)

Um rouxinol cantava. Alegremente,
quis São Francisco, no frutal sombrio,
acompanhar o pássaro contente,
e começa a cantar, ao desafio.

E cantavam os dois, junto à corrente
do Arno sonoro, do lendário rio.
Mas Sào Francisco, exausto, finalmente,
parou, tendo cantado horas a fio.

E o rouxinol lá prosseguiu cantando,
redobrando as constantes cantilenas,
os trilados festivos redobrando.

E o santo assim reflete, satisfeito,
que feito foi para escutar, apenas,
e o rouxinol para cantar foi feito.


Alvorada Eterna
(J. G. de Araújo Jorge – Acre - 1914 -1987)

Quando formos os dois já bem velhinhos,
já bem cansados, trôpegos, vencidos,
um ao outro apoiados, nos caminhos,
depois de tantos sonhos percorridos...

Quando formos os dois já bem velhinhos
a lembrar tempos idos e vividos,
sem mais nada colher, nem mesmo espinhos
nos gestos desfolhados e pendidos...

Quando formos só os dois, já bem velhinhos,
lá onde findam todos os caminhos
e onde a saudade, o chão, de folhas junca...

Olha amor, os meus olhos, bem no fundo,
e hás de ver que este amor em que me inundo
é uma alvorada que não morre nunca!


O Burro
(Patativa do Assaré – Ceará - 1909-2002)

Vai ele a trote, pelo chão da serra,
Com a vista espantada e penetrante,
E ninguém nota em seu marchar volante,
A estupidez que este animal encerra.

Muitas vezes, manhoso, ele se emperra,
Sem dar uma passada para diante,
Outras vezes, pinota, revoltante,
E sacode o seu dono sobre a terra.

Mas contudo! Este bruto sem noção,
Que é capaz de fazer uma traição,
A quem quer que lhe venha na defesa,

É mais manso e tem mais inteligência
Do que o sábio que trata de ciência

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