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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

Análise do Discurso I

2012
Página Maria Granzoto

ARAPONGAS - PARANÁ


Parte I

Ao completar três anos de existência, o ArtCulturalBrasil realizou uma profunda e detalhada análise sobre os comentários deixados por seus leitores e chegou à conclusão de que será necessário ir além, muito além do que já fizemos! Assim, hoje começa mais um desafio literário, a que damos início hoje e prosseguiremos ao longo do tempo!

Abordaremos a Análise do Discurso que, a princípio, é semelhante a um bicho de sete, ou quem sabe oito cabeças!

Mas o que é essa análise? Nada mais, nada menos que, segundo Milton Pinto, modos de dizer: o modo de mostrar (texto), o modo de interagir (prática discursiva) e o modo de seduzir (prática social). As dimensões citadas fazem parte da concepção de discurso tridimensional que foi proposta por Fairclough em seu trabalho de síntese teórica: Discurso e Mudança Social. Outra contribuição teórica bastante central no trabalho de Milton Pinto - também trazida para o domínio da análise do discurso crítica por Fairclough - é a de Pierre Bourdieu, o modelo teórico-analítico de uma economia das trocas lingüísticas. A articulação das três dimensões constitutivas do discurso (texto, prática discursivo-interativa e pratica social) passa pelos três pilares da economia dos bens simbólicos: a produção, a circulação e o consumo.

Esse campo de estudo foi fundado na França, em fins dos anos 1960, cujo objeto, conforme já dissemos, é o discurso. Vários fatores influenciaram o seu surgimento, os principais deles podem ser encontrados nas condições sócio-históricas da época e nos intensos debates filosóficos em torno da epistemologia. E não há como fugir do aspecto histórico para nosso melhor entendimento.

A Europa vivia a insegurança da Guerra Fria, já as ciências humanas, especificamente a lingüística,conheciam o período áureo do estruturalismo. Não há como Conjuntura Histórica: o pós-guerra Acabada a Segunda Guerra Mundial, a Europa é deslocada do centro do poder internacional. Foi o preço pago por não ter evitado o expansionismo nazista por meios próprios.

“Na primavera de 1940, a Alemanha levou de roldão a Noruega, Dinamarca, Países Baixos, Bélgica e França com uma ridícula facilidade” (HOBSBAWM, 1999, p.46). Segundo RÉMOND, a derrota da França “entregara aos alemães o continente inteiro” (p.144). 

O desfecho da Guerra dependeu exclusivamente de dois países não-europeus: os Estados Unidos e a União Soviética.Por conta disso, foi rasgada ao meio por uma “cortina de ferro”, para utilizar as palavras do ex-presidente da Inglaterra Winston Churchill proferidas em março de 1946. O leste ficou sob a influência soviética e o oeste sob a dos norte-americanos.

Às vésperas de 1950, a Europa ainda era incapaz de “... assegurar a própria defesa, dirigir o próprio destino, reerguer a própria economia” (RÉMOND, p.144). Para sair da crise, teve que se dobrar a ajuda externa.

De um lado, os EUA com o Plano Marshall (1947) depositam milhões de dólares nas contas dos países do oeste; de outro, a União Soviética, através do Conselho de Assistência Mútua (1949), faz o mesmo, só que em proporções menores, às economias planificadas.

A Nova Ordem Mundial, marcada pela disputa geopolítica entre os representantes de dois modelos econômicos antagônicos, gerou uma corrida armamentista sem precedentes. O receio em perder áreas de influência era concomitante ao desejo de conquistar novos territórios. O medo de uma Terceira Guerra era constante.

Os EUA espalharam centenas de tropas militares pela Europa Ocidental, a fim de protegê-los da expansão comunista. Era a Doutrina Truman (1947) que estava sendo posta em prática através do Tratado do Atlântico Norte (1949). A União Soviética seguiu o exemplo ianque em relação ao leste, após assinar o Pacto de Varsóvia (1955).

Para aumentar ainda mais a ferida narcisista, a maior parte das colônias européias da África e da Ásia conquistam a independência.

A Europa adentra os anos 1960, despojada das pompas de outrora. “As grandes potências de 1914, todas européias, haviam desaparecido” (HOBSBAWM, 1999, p.23).

Mas, o mundo capitalista caminhava para o que HOBSBAWM chamou de anos dourados. “Os impressionantes problemas sociais e econômicos do capitalismo na Era da Catástrofe aparentemente sumiram” (1999, p. 59). Podemos dizer que a prosperidade da Europa Ocidental foi conseqüência dos investimentos norte-americanos realizados na década anterior, das inovações tecnológicas e do aumento populacional, que significava uma ampliação tanto do mercado consumidor, quanto da capacidade produtiva.

Já o mundo comunista vinha sofrendo uma série de instabilidades políticas desde a morte de Stalin ocorrida em 1953. Se não vejamos: em 1956, Krutchev denunciou os crimes da Ditadura de stalinista em pleno XX Congresso do Partido Comunista Soviético; no mesmo ano, a Hungria tentou implantar um processo de abertura econômica e foi esmagada pelo exército vermelho; em 1960, a China de Mao Tsé-Tung rompeu relações com a União Soviética; e em 1968, a Tchecoslováquia tentou se livrar das intervenções soviéticas, implantando um governo democrático-liberal. Os anos de 1960 foram marcados pelo que se convencionou chamar de “coexistência pacífica” ou “desgelo”.

A fase “quente” da Guerra Fria havia passado. As potências tomaram consciência da importância de se evitar uma Terceira Guerra.


A morte de Stalin em 1953, o fim da Guerra da Coréia em 1953.  o acordo que limitava as experiências nucleares,  no ano de 1963,  e o crescimento do movimento pacifista por pelo mundo inteiro, assinalaram o fim da fase aguda da Guerra Fria.

A superioridade econômica do mundo capitalista ficou evidente nesse período. O Estado de Bem-Estar investiu muito na seguridade social, o padrão de vida aumentou significativamente para uma parcela da população; o otimismo foi tão notável, comparado aos 31 anos da Era das Catástrofes (1914-1945) que, em 1964, o historiador Barraclough defendeu que “no final de 1960, pode razoavelmente afirmar-se que o longo período de transição estava concluído; o novo mundo entrava em órbita” (1976, p. 29). Em outra passagem diz “a história contemporânea é a história da geração que atualmente vive” (1976, p. 15).

Podemos verificar que os anos decorridos entre 1890, quando Bismarck se retirou da cena política, e 1961, quando Kennedy tomou posse como Presidente dos Estados Unidos, constituíram um amplo divisor de águas entre duas épocas (1976, p. 12).

A prosperidade da Europa Ocidental não sobreveio sem o aumento da desigualdade social, da exploração de classes e do conseqüente afloramento dos movimentos sociais das minorias (negros, mulheres, homossexuais, etc).

O capitalismo não tem vida longa sem gerar os seus antagonismos. A solidariedade entre o capital e o trabalho foi uma farsa para suplantar o mundo soviético. “Sem se apropriar do trabalho alheio, o capital nem existiria” (CAFIERO, 1990, p.72)

Por isso, os anos 1960 também ficaram conhecidos para uns como a década da contestação e para outros como os anos rebeldes. As contradições daqueles anos foram sentidas por todos, desde os jovens até os intelectuais. Os livros de Karl Marx foram popularizados. As mazelas do capitalismo eram denunciadas, embora se vivesse na Era do Ouro.

 Os Beatles, os Rolling Stones e Che Guevara tornaram-se ídolos mundiais. Os jovens passaram, categoricamente, a culpar seus pais pelo mundo em que viviam.E não parou aí!

Passaram a desconfiar de todas os que tinham mais de 30 anos. Os valores foram questionados e os tabus eram todos quebrados. Os negros se insurgiram contra o preconceito e as mulheres lutaram por emancipação, quase todos eram contra a Guerra do Vietnã (1960-1975). Capitalismo e felicidade pareciam não combinar. Desobedecer passou a ser uma bandeira de luta. O grito de guerra preferido foi “É proibido, proibir!”.

O estilo informal foi uma forma conveniente de rejeitar os valores das gerações paternas ou, mais precisamente, uma linguagem em que os jovens podiam buscar meios de lidar com um mundo para o qual as regras e valores dos mais velhos não mais pareciam relevantes, eram ultrapassados e não mereciam ser analisados, (HOBSBAWM, 1999, p.325).

O período faustoso da década de 1960, concomitante com a conscientização das minorias, apontava para os eminentes acontecimentos da década posterior. No início da década de 1970, aconteceu o que Hobsbawm chamou de “o Desmoronamento”.

A história dos vinte anos após 1973 é a de um mundo que perdeu suas referências e resvalou para a instabilidade e crise. E, no entanto, até a década de 1980 não estava claro como as fundações da Era de Ouro haviam desmoronado irrecuperavelmente.

 A natureza global da crise não foi reconhecida e muito menos admitida nas regiões não comunistas desenvolvidas, até depois que uma das partes do mundo – a URSS e a Europa Oriental do socialismo real – desabou inteiramente (1999, p. 393).

A França não estava alheia a esse turbilhão de acontecimentos, pelo contrário, na Europa Ocidental, era um dos seus centros motrizes. Mais do que qualquer país europeu, teve seu orgulho ferido pelos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial. A suntuosidade napoleônica se desvaneceu,  quando o exército nazista desfilou triunfante pelas avenidas de Paris em junho de 1940. Hitler fez questão de vingar a situação vexatória por que passou a Alemanha em razão das conseqüências da assinatura do Tratado de Versalhes, em Paris (1919), que colocava fim a Primeira Guerra. Hitler participou em 22 de junho de 1940, no bosque de Compiègne, da assinatura do armistício com a França, que admite assim a derrota. O acordo foi selado no mesmo vagão de trem em que a Alemanha reconheceu a vitória da entende, há 22 anos (BRENER,1998, p. 152)

O armistício assinado foi uma vergonha. A França foi dividida. Dois terços do território foram entregues aos nazistas, a outra parte, ficou sob a regência de um governo colaboracionista.

Centenas de oficiais de guerra e soldados foram presos e mantidos em cativeiro. Aviões, tanques e armas foram colocados à disposição dos alemães para serem usados contra os aliados.

No início do pós-guerra, a miséria se alastrou ao ponto de ser o principal marketing dos socialistas.
Os EUA injetaram milhões na economia francesa, mas, mesmo assim, dois dos três principais partidos eram de esquerda: o Partido Comunista Francês (PCF) e o Partido Socialista (PS).

O general Charles de Gaulle governou a França por toda a década (1958-69). De Gaulle era um dos poucos oficiais superiores que não apoiaram o armistício assinado com a Alemanha em 1940. Por conta disso, foi condenado à pena de morte.

Refugiado em Londres, organizou o movimento de resistência. No entanto, como todo militar da época, ele também era conservador e autoritário. Segundo Hobsbawm tinha uma “formação reacionária católica” (1999, p. 146). A instabilidade política foi uma marca de seu governo.

O populismo do general era questionado pelos partidos de esquerda. Pregou o patriotismo e alimentou a idéia de que a França ainda era a senhora da Europa. Em 1960, chegou a fazer experimentos com a bomba atômica e, em 1968, fabricou a bomba de hidrogênio. O não-alinhamento aos EUA acabou por levar a França a sair do Comando Unificado da OTAN em 1966.

A França do pós-guerra foi reconstruída pelo general De Gaulle com base no mito de que, em essência, a França eterna jamais aceitara a derrota. Como ele próprio declarou: ‘ A Resistência foi um blefe que deu certo’ (Gillois, 1973, p. 164). É um ato político o fato de os únicos combatentes da Segunda Guerra Mundial comemorados em memoriais de guerra francesa hoje serem combatentes da Resistência que se fizeram parte das forças de De Gaulle. Contudo, a França não é de modo algum o único caso de um Estado construído sobre a mística da Resistência (HOBSBAWM, 1999, 165).

No dia 22 de maio de 1968, 10 milhões de trabalhadores entram em greve. Foi a maior greve já realizada na França até então e a maior de toda a Europa. “Sejamos realistas: eximamos o impossível!” gritavam. O impacto repercutiu mundialmente. A derrocada do general De Gaulle estava decretada. “A Extraordinária irrupção de maio de 1968, em Paris, epicentro de um levante estudantil continental... encerrou a era do general De Gaulle na França” (Hobsbawm, 1999, p. 293).





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