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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

Análise do Discurso 2

2012
Página Maria Granzoto
Arapongas - Paraná

ANÁLISE DO DISCURSO – UMA NOVA EMPREITADA

PARTE II

Importante ainda lembrar que “ A interpretação histórica é, pois, fundamental para a leitura do atravessamento dos discursos nos textos. Na medida em que os sentidos se constituem no movimento  de materialização do exterior nas formas linguísticas, é preponderante o papel  da memória na produção de sentidos, pois a determinação histórica faz com que a interpretação dependa do reconhecimento  do interdiscurso que apaga ou desvela significados” (Gregolin,1977). Após uma breve passagem pela História, vamos ao foco principal: a Análise do Discurso (AD). 

Assim:

Na perspectiva discursiva, a linguagem só é linguagem porque faz sentido. E  ela só faz sentido  porque  é parte da história.

A Análise de Discurso reúne três regiões do conhecimento: a teoria da sintaxe e da enunciação. A teoria da ideologia e a teoria do discurso que é determinada pela história em seus processos de significação.

Tudo isso é perpassado pela teoria do sujeito de natureza psicanalítica.

DISPOSITIVO DE INTERPRETAÇÃO.

Toda  leitura precisa de uma teoria.

ALTHUSSER escreve sobre a leitura de Marx

LACAN escreve sobre a leitura de Freud.

BARTHES considera leitura como escritura.

FOUCAULT propõe a sua arqueologia.

A leitura não é transparente porque se articula em dispositivos teóricos.

A AD coloca a interpretação em questão, estuda não apenas a interpretação, mas trabalha seus limites e mecanismos, como parte dos seus processos de significação.

A AD vai fazer compreender como os objetos simbólicos produzem sentidos, analisando os próprios gestos de interpretação, que considera como atos do domínio simbólico. A hermenêutica estuda  o que  significa.

A AD não fica apenas na interpretação, trabalha com um método e constrói um dispositivo teórico.

Não há verdades ocultas atrás do texto, há gestos de interpretação que o constituem e que o analista, com seu dispositivo deve saber compreender.

CONCEITOS DA AD

Devemos distinguir
INTERPRETAÇÃO,  INTELIGIBILIDADE E COMPREENSÃO.

INTELIGIBILIDADE- refere o sentido à língua. Ex. “ele disse isso” É inteligível, mas não  é interpretável, porque não se sabe quem é ele.

INTERPRETAÇÃO -  É o sentido, pensando-se o co-texto, (as outras frases do texto), e o contexto imediato.

COMPREENSÃO – É saber como um objeto simbólico produz   sentidos. (Enunciados, texto, pintura, música, etc.). A compreensão explica os processos de significação presentes no texto  e permite que se possa escutar outros sentidos que ali estão, compreendendo como se constituem. A AD visa à compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos.

Dispositivo teórico da interpretação tem duas faces: uma que é de responsabilidade do analista e outra que deriva de sua sustentação, no rigor do método e no alcance teórico da AD.

Cada material de análise exige que seu analista, de acordo com a questão que formule, mobilize conceitos que outro analista não mobilizaria, face a suas (outras) questões.

Uma análise não é igual à outra, haja vista que mobiliza conceitos diferentes.

Dispositivo teórico da interpretação  é uma temática. O dispositivo analítico é construído  pelo analista a cada análise. Quando nos referimos ao dispositivo analítico estamos pensando no dispositivo teórico já “individualizado” pelo analista em uma análise específica.

Dispositivo teórico é o mesmo, mas o dispositivo analítico não, porque o que define a forma deste último é a questão posta pelo analista e a finalidade  da análise.

A pergunta é de responsabilidade do pesquisador, que organiza sua relação com o discurso, levando-o à construção de “seu” dispositivo analítico optando pelos conceitos que vai utilizar.

Dispositivo teórico  objetiva mediar o movimento  entre a descrição e a interpretação, sustenta-se em princípios gerais da AD.

Feita a análise, é crucial a maneira como o analista constrói seu dispositivo de análise, pois  dele depende o alcance de suas conclusões.

Os dizeres não são apenas mensagens a serem decodificadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de certa forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem que aprender. São pistas que devem apreender para compreender os sentidos aí produzidos, pondo em relação  o dizer  com sua exterioridade, suas condições de produção. Estes sentidos têm a ver com o que é dito ali e com o que é dito em outros lugares, assim como o que não é dito.

CONDIÇÕES E PRODUÇÃO DE INTERDISCURSO

As  condições de produção compreendem fundamentalmente os sujeitos e a situação.

A memória também faz parte da produção do discurso. As condições de produção também são importantes. Estas condições, se consideradas em sentido restrito, temos as condições de enunciação: é o contexto imediato. Se considerarmos em sentido amplo, as condições de produção  incluem o contexto sócio-histórico, ideológico.

Orlandi, p.29, exemplifica com a frase: Vote sem medo, colocada numa faixa no campus de uma universidade, em época de certa eleição. Ali, o contexto imediato é o campus onde a faixa foi colocada, os sujeitos que a assinam, o momento das eleições e o suporte material que é a faixa.

Contexto amplo  é o que trás para a consideração dos efeitos de sentidos elementos que derivam de nossa forma de sociedade, suas instituições, a Universidade, a eleição de representantes, a organização de poder, a distribuição de posição de mando e a obediência. Também entra a história, acontecimentos como cores, o negro está relacionado  ao fascismo, à direita, e o vermelho, ao comunismo, à esquerda, segundo um imaginário  que afeta os sujeitos em suas posições políticas.

A memória também  tem suas características em relação ao discurso. Aí ela é tratada como interdiscurso. Este é definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente.  É o que chamamos memória discursiva: é o que torna possível todo dizer sustentando cada tomada da palavra.

Tudo o que já se falou de voto e de política, todos estes sentidos já ditos por alguém em outros momentos, têm efeito sobre o que aquela faixa diz. Experiências de ditaduras e governos autoritários se tornam presentes por este enunciado. A faixa preta acaba trazendo também a memória. As palavras não são só nossas, elas significam também pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar, também significa nas nossas palavras. Há diversos efeitos de sentidos presentes num discurso. O interdiscurso nos remete a uma memória, a uma historicidade e a uma significância, mostrando seus compromissos  políticos e ideológicos.

Há uma relação entre o já dito e o que se está dizendo, que é a mesma relação que há entre o interdiscurso e o intradiscurso, ou seja a  constituição do sentido e sua formulação.

Interdiscurso, para Courtine, é representado como um eixo vertical onde teríamos todos os dizeres já ditos - e esquecidos -  em uma estratificação de enunciados que, em seu conjunto, representa o dizível. E teríamos o eixo horizontal - o intra-discurso - que seria o eixo da formulação, isto é, aquilo que estamos dizendo naquele momento dado, em condições dadas. Todo dizer, na realidade, se encontra na confluência de dois eixos: o da memória (constituição) e o da atualidade, (formulação). E é desse jogo que tiram seus sentidos.

É também o interdiscurso,  a historicidade, que determina aquilo que, da situação, das condições de produção, é relevante para a discursividade. É através desta relação de historicidade (do discurso) e a história (tal como se dá no mundo), é o interdiscurso que especifica. 

Segundo M. Pêcheux (1983),  as condições nas quais um acontecimento histórico (descontinuo e exterior) pode vir inscrever-se  na continuidade interna, no espaço potencial de coerência próprio a uma memória.

Interdiscurso não deve ser confundido com intertexto. Interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos. Para que minhas palavras tenham sentido é preciso que elas façam sentido. No interdiscurso, segundo Courtine (1984),  fala uma voz sem nome.

Ao falarmos nos filiamos a uma rede de sentidos, mas podemos ficar ao sabor da ideologia e do inconsciente. Nosso discurso depende de nossa relação com a língua e a história, por nossa experiência simbólica e de mundo, através da ideologia. Só uma parte do dizível é acessível ao sujeito, pois mesmo o que ele não diz (e que muitas vezes ele desconhece) significa em suas palavras.

Tanto o intertexto como o interdiscurso mobilizam as relações de sentidos. O interdiscurso é da ordem do saber discursivo, memória afetada pelo esquecimento, ao longo do dizer, enquanto o intertexto restringe-se à relação de um texto com outro texto. Nesta relação o esquecimento não é estruturante, como o é para o interdiscurso.

ESQUECIMENTOS

Para Pêcheux há duas formas de esquecimento no discurso: o esquecimento número dois, que é da ordem da enunciação. Ao falarmos, dizemos de uma maneira e não de outra. São paráfrases. Este “esquecimento” produz em nós a impressão da realidade do pensamento. Denomina-se ilusão referencial. É o esquecimento parcial, semi-consciente, voltamos muitas vezes sobre ele e recorremos às paráfrases para melhor explicar o que dizemos. É o chamado esquecimento enunciativo e que atesta que a sintaxe significa: o modo de dizer não é indiferente aos sentidos.

O outro esquecimento é o número um, também chamado esquecimento ideológico: ele é do inconsciente e surge do modo como somos influenciados pela ideologia. Aí temos a ilusão  de ser a origem do que dizemos quando na realidade retomamos sentidos pré-existentes.

Os sentidos são determinados pela maneira como nos inscrevemos na língua e na história e é por isto que significam e não pela nossa vontade. Quando nascemos os discursos já estão em processo, aí é que nós entramos, o que não significa que não haja singularidade na maneira como a língua e a história nos afetam. Elas se realizam em nós em sua materialidade. Essa é uma determinação necessária para que haja sentidos e sujeitos. Por isso é que dizemos que o esquecimento é estruturante. As ilusões não são defeitos, são uma necessidade para que a linguagem funcione nos sujeitos e na produção de sentidos.

Sentidos e sujeitos estão sempre em movimento, significando sempre de muitas e variadas maneiras, sempre as mesmas, mas ao mesmo tempo, sempre outras.   Os sujeitos “esquecem” que já foi dito - e este não é um esquecimento voluntário  para, ao se identificarem com o que dizem, se constituírem em sujeitos.

PARÁFRASE E POLISSEMIA

Todo o funcionamento da linguagem se assenta na tensão entre processos parafrásticos  e processos polissêmicos. Os primeiros são aqueles  pelos quais em todo o dizer há sempre algo que se  mantêm, isto é, o dizível, a memória.  Produzem-se diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado. A paráfrase está do lado da estabilização. A polissemia é o deslocamento, a ruptura de processos de significação. Ela joga com o equívoco. Essas são duas forças que trabalham continuamente o dizer, de modo que todo discurso se faz na tensão entre o igual e o diferente.

No jogo entre a paráfrase e a polissemia, entre o mesmo e o diferente, o já dito e o a dizer  que os sujeitos e os sentidos se movimentam, fazem seu caminho e significam.

A paráfrase é o mesmo, o estável, a produtividade, a matriz do sentido.  A polissemia é o  diferente, a ruptura, a criatividade, fonte da linguagem.

A incompletude é a condição da linguagem.  A língua é sujeita a equívoco  e a ideologia é um ritual com falhas Se o real da língua não fosse sujeito a falha e o real da historia não fosse passível de ruptura, não haveria transformação, nem movimento dos sujeitos e dos sentidos. Nem os sujeitos, nem os sentidos, logo, nem o discurso,  já estão prontos e acabados. Eles estão sempre se fazendo, há um movimento  constante do simbólico e da história.  Há uma tensão constante de paráfrase e polissemia. Os sentidos e os sujeitos sempre podem ser outros.  Dependem de como são afetados pela língua e de como se inscrevem na história.

Criatividade  e Produtividade. -  A “criação”, em sua dimensão técnica é produtividade, reiteração de processos já cristalizados. Pelo processo parafrástico, a produtividade mantém o homem num retorno constante ao mesmo espaço dizível: produz a variedade do mesmo. Exemplo: produzimos variadas frases em nossa língua, mesmo desconhecidas, através de um conjunto de regras.

A criatividade implica a ruptura do processo de produção da linguagem, pelo deslocamento das regras, fazendo intervir o diferente, produzindo movimentos que afetam os sujeitos e os sentidos na sua relação com a história e com a língua. Irrompem assim, sentidos diferentes. Para haver criatividade é preciso um trabalho que ponha em conflito o já produzido e o que vai-se instituir. Passagem do irrealizado ao possível, do não sentido ao sentido. Daí a afirmação de que a paráfrase é a matriz do sentido, pois não há sentido sem repetição, sem sustentação no saber discursivo, e a polissemia é a fonte da linguagem uma vez que ela é a própria condição de existência dos discursos, pois se os sentidos e os sujeitos não fossem múltiplos, não haveria necessidade de dizer.

Jogo entre paráfrase e polissemia atesta o confronto entre o simbólico e o político. Todo dizer é ideologicamente marcado. É na língua que a ideologia se materializa. O discurso é o lugar do trabalho da língua e da ideologia.

Entre o mesmo e o diferente, o analista se propõe compreender como o político e o lingüístico se interrelacionam na constituição dos sujeitos e na produção dos sentidos, ideologicamente assinalados.  Como o sujeito (e os sentidos), pela repetição, estão sempre tangenciando o novo, o possível, o diferente. Entre o efêmero e o que se eternaliza.

 RELAÇÕES DE FORÇA, RELAÇÕES DE SENTIDOS, ANTECIPAÇÃO:
FORMAÇÕES IMAGINÁRIAS.

As condições de produção dos discursos funcionam de acordo com certos valores, entre os quais a relação de sentidos. Segundo esta noção, não há discurso que não se relacione com outros. Um discurso aponta para outros que o sustentem, e também com dizeres futuros.Não há, desse modo, começo absoluto nem ponto final para o discurso. Um dizer tem relação com outros dizeres realizados, imaginados ou possíveis.

Segundo o mecanismo de antecipação, todo o sujeito tem a capacidade de colocar-se  no lugar em que seu interlocutor ouve as suas palavras, daí poder se antecipar ao seu locutor quanto ao sentido que suas palavras produzem. Esse mecanismo regula a argumentação, de tal forma que o sujeito dirá de um modo, ou de outro, segundo o efeito que deseja produzir no seu ouvinte.

Relação de forças - O lugar a partir do qual fala o sujeito é constitutivo do que ele diz. O sujeito pode falar do lugar de professor, ou de aluno, ou de padre, etc. Nossa sociedade é hierarquizada, aí são relações de força ou de poder do sujeito nestes diferentes lugares ocupados. São as suas imagens que resultam de projeções .São as formações imaginárias. Essas projeções permitem passar das situações empíricas –lugares dos sujeitos-para as posições do sujeito no discurso. Esta é a distinção entre lugar e posição. Em todas as línguas há regras de projeção que permitem ao sujeito passar  da situação empírica para a discursiva. O que significa no discurso são estas posições, significando em relação ao contexto sócio-histórico e à memória,  que é o saber discursivo já dito.

As condições de produção implicam o que é material (a língua sujeita a equívoco e historicidade),  que é institucional (a formação social, em sua ordem) e o mecanismo imaginário. Esse mecanismo produz imagens dos sujeitos, assim como do objeto do discurso, dentro  de uma conjuntura sócio-histórica.Temos assim a imagem do sujeito locutor mas também da posição sujeito interlocutor, e também do objeto do discurso. É todo um jogo imaginário que preside a troca de palavras.Na relação discursiva, são as imagens que constituem as diferentes posições. As condições de produção estão presentes nos processos de identificação dos sujeitos trabalhados no discurso.

Nas relações de forças, na de sentidos e na antecipação, sob o modo do funcionamento das formações imaginárias, podemos ter muitas e diferentes possibilidades,  de acordo como a formação social está na história. Na universidade há muitas imagens, que os indivíduos fazem uns dos outros. Por exemplo: a imagem que o aluno faz do professor e vice-versa, de um pesquisador, do reitor, do funcionário, do diretório acadêmico, etc. Inclusive há imagens que um determinado orador (por mecanismo de antecipação), sabe que o público ouvinte têm sobre o que este vai dizer. Aí será possível ajustar seu dizer aos seus objetivos políticos, trabalhando esse jogo de imagens, cuidando com o que vai dizer, ajustando as imagens na constituição dos sujeitos.(podem ser os eleitores), e trazendo o que os ouvintes gostarão de ouvir.

Tudo isto contribui para as condições em que o discurso se produz e daí o seu processo de significação. O imaginário faz parte do funcionamento da linguagem, não surge do nada, ele vem do modo como as relações sociais se inscrevem  na história e são em nossa sociedade, regidas pelas relações de poder. Isto é importante para a análise porque  explicita o modo como os sentidos dos discursos estão sendo produzidos, aí se compreende melhor o que está sendo dito. É preciso analisar este discurso dentro de suas condições de produção, estabelecer as relações que ele tem com sua memória e remetê-lo a uma formação discursiva para compreender seu processo. Os sentidos estão nas palavras mas estão  aquém e além delas.

FORMAÇÃO DISCURSIVA

O sentido não existe em si, ele é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas. Estas mudam de sentido segundo as posições ideológicas daqueles que as empregam. Estes sabem o que é ou não conveniente expressar.

É a Formação discursiva que nos permite compreender o processo de produção dos sentidos, a sua relação com a ideologia e dá ao analista a possibilidade de estabelecer regularidades no funcionamento do discurso.

As palavras não têm sentido nelas mesmas, mas na formação discursiva ou ideológica que lhes dão sentidos. Tudo o que dizemos tem um traço ideológico, em relação a outros traços ideológicos. Para estudar um discurso o analista vai observar como é articulada a linguagem e a ideologia. Há dizeres presentes e outros articulados na memória. Esta articulação de formações discursivas  são dominadas pelo interdiscurso em sua objetividade material contraditória.

As formações discursivas não são blocos homogêneos nem funcionam automaticamente. Elas são constituídas pela contradição, configuram-se e reconfiguram-se em suas relações.

A metáfora é imprescindível na AD e é aqui definida como a tomada de uma palavra por outra. Na AD ela significa “transferência”, estabelecendo o modo como as palavras significam. É por esse relacionamento de transferência que elementos significantes se confrontam, se revestindo de um sentido.

Pela referência à formação discursiva que podemos compreender no funcionamento discursivo, os diferentes sentidos. Palavras iguais podem ter sentidos diferentes, se inscritas em formações discursivas diferentes. Exemplo: A palavra Terra terá sentidos diferentes de acordo com o contexto sócio-histórico que lhe é atribuído.

A identidade do sujeito  se dá ideologicamente pela sua inscrição em uma formação discursiva.
IDEOLOGIA E SUJEITO

    ”Não há sentido sem interpretação”- isso atesta a presença da ideologia. Diante  de qualquer objeto simbólico, o homem é levado a interpretar. Ao mesmo tempo que interpreta, nega, colocando-a no grau zero. Nesse apagamento de interpretação, há transposições de formas materiais em outras, construindo-se transparências – como se a linguagem  e a história não tivessem  sua espessura e opacidade  –  para serem interpretadas por determinações históricas que se apresentam como imutáveis, naturalizadas.  O trabalho da ideologia é produzir evidências, colocando o homem na relação imaginária com suas condições materiais de existência.  A ideologia é a condição para a formação do sujeito e dos sentidos. Pela ideologia o sujeito produz o dizer.  A ideologia e o inconsciente são estruturas-funcionamento.  Pecheux afirma que sua característica comum é de dissimular sua existência no interior de seu próprio funcionamento, produzindo um tecido de evidências subjetivas aí se constituindo o sujeito.  As palavras recebem seus sentidos de formações discursivas em suas relações.  Este é o efeito da determinação do interdiscurso. (da memória).

A evidência do sujeito apaga o fato de que o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia. São esses “esquecimentos” que  se dão de tal modo que a subordinação-assujeitamento se realiza sob a forma da autonomia, esfumando-se o interdiscurso. Assim considerada, a ideologia não é ocultação mas função da refração, do efeito imaginário de um sobre o outro. A relação da ordem simbólica com o mundo acontece, para que haja sentido que a língua como sistema sintático passível de jogo - de equívoco, sujeita a falhas -  se inscreva na história. Essa inscrição dos efeitos linguísticos materiais na história é que é a discursividade.

O sentido é assim, uma relação determinada do sujeito-  afetado pela língua - com a história. Este é o traço de relação da língua com a exterioridade, não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia. Ideologia e inconsciente estão materialmente ligados. Pela língua e por este processo.

A interpretação é regulada em suas possibilidades e condições. Não é mero gesto de decodificação, de apreensão do sentido. Não é livre de determinações, não é qualquer uma e é desigualmente distribuída na formação social. É garantida pela memória em dois aspectos:  - a memória institucionalizada (o arquivo), o trabalho social da interpretação onde se separa quem tem e quem não tem direito a ela. A memória constitutiva ( o interdiscurso); o trabalho histórico da constituição do sentido ( o dizível, o interpretável, o saber discursivo). A interpretação se faz sobre estas duas memórias, podendo tanto estabilizar como deslocar sentidos.

A ideologia aparece como efeito da relação necessária do sujeito com a língua e com a história, para que haja sentido. Aí a ideologia intervém com seu modo de funcionamento imaginário. É a ideologia que faz com que haja sujeitos. Nem a linguagem, nem os sentidos, nem os sujeitos são transparentes: eles tem sua materialidade e se constituem em processos em que a língua, a história e a ideologia concorrem conjuntamente. O sujeito é determinado pela linguagem e pela história para se constituir, para produzir sentidos e, sob o modo do imaginário, o sujeito só tem acesso à parte do que diz.

O sujeito discursivo é pensado como posição entre outras, é um lugar que ocupa para ser sujeito do que diz. Ele não tem acesso direto à exterioridade (interdiscurso) que o constitui.(M. Foucault,1969). A língua também não é transparente nem o mundo diretamente apreensível quando se trata da significação pois o vivido dos sujeitos é formado pela ideologia. (M. Pêcheux,1975).

Os sujeitos são intercambiáveis. Alguém pode falar na posição de mãe, de professora, de funcionária, etc.

O trabalho ideológico é um trabalho da memória e do esquecimento é só quando passa  para o anonimato que o dizer produz seu efeito de literalidade. Exemplo: quando esquecemos quem disse “colonização”, como e porquê, que o sentido de colonização produz seus efeitos (memória). Os sentidos trazem efeitos diferentes para diferentes interlocutores.

SUJEITO E SUA FORMA HISTÓRICA

A forma histórica de sujeito na sociedade atual é contraditória porque o sujeito é ao mesmo tempo livre e submisso. É o assujeitamento, pode tudo dizer, desde que se submeta a língua para dizê-lo.  É a subjetividade ao lingüístico, a dimensão histórica e a psicanalítica. O sujeito da modernidade é chamado de sujeito jurídico.

Não se pode explicar a subjetividade através somente de mecanismos lingüísticos específicos. Daí a ambigüidade da noção de sujeito que é determinado pela exterioridade na sua relação com os sentidos.

Para C. Haroche (1987), o sujeito religioso, característico da Idade Média, representou uma forma diferente da moderna forma de sujeito jurídico. Com as mudanças das relações sociais o sujeito teve de tornar-se seu próprio proprietário, dando surgimento ao sujeito de direito com sua vontade e responsabilidade. A subordinação explícita do homem ao discurso religioso dá lugar à subordinação menos explícita do homem às leis: com seus direitos e deveres. Daí a idéia do homem livre em suas escolhas, o sujeito do capitalismo. Essa é uma submissão menos visíve. A injunção à não contradição é a garantia da submissão do sujeito ao saber. Aí o assujeitamento se faz de modo que o discurso apareça como instrumento límpido do pensamento e um reflexo justo da realidade. Na transparência da linguagem, é  a ideologia que fornece as evidências que apagam o caráter material do sentido e do sujeito.

A literalidade é uma construção  que o analista deve considerar em relação ao processo discursivo com suas condições. É a ilusão do sentido literal que muitas vezes dá impressão de transparência do discurso. Aí a tarefa do analista de discurso expor o olhar leitor à opacidade do texto para compreender como essa impressão é produzida e quais seus efeitos, como diz Pêcheux (1981).

 INCOMPLETUDE: MOVIMENTO, DESLOCAMENTO E RUPTURA

Para Orlandi,  a  condição da linguagem é a incompletude, nem sujeitos nem sentidos estão completos, já feitos e constituídos definitivamente. Nem sujeitos  nem sentidos estão completos, já feitos, constituídos definitivamente. Constituem-se e funcionam sob o modo do entremeio, da relação, da falta, do movimento. Essa incompletude atesta a abertura do simbólico, pois a falta é também o lugar do possível.

É a sua abertura que lhe faz sujeito à determinação, à institucionalização, à estabilização e à cristalização.  A linguagem se move entre a paráfrase e a polissemia.

O sujeito significa em  condições determinadas, impelido de um lado pela língua e de outro pelo mundo, pela sua experiência, por fatos que reclamam sentidos, e também pela sua memória discursiva, por um saber/poder/dever dizer em que os fatos fazem sentido por se inscreverem em formações discursivas que representam no discurso as injunções ideológicas.

Assim o homem significa , o sentido e o sujeito escorregam para outros sentidos ou posições.  O equívoco, o irrealizado  tem no processo polissêmico, na metáfora, o seu ponto de articulação.

A linguagem não é transparente, os sentidos não são conteúdos. É no corpo a corpo com a linguagem que o sujeito (se) diz.

Ainda que todo sentido se filie a uma rede de constituição, ele pode ser um deslocamento nessa rede. Há também injunções à estabilização, bloqueando o movimento significante. Nesse caso o sentido não flui e o sentido não se desloca.  Ao invés de fazer um lugar para fazer sentido, ele é pego pelos lugares, dizeres já estabelecidos. Estaciona e só repete.

·         Para Orlandi há três formas de repetição:

·         a)      a repetição empírica(mnemônica) que é a do efeito papagaio.

·         b)      A repetição formal(técnica) que é um outro modo de dizer o mesmo.

·         c)      A repetição histórica, que é a que desloca, permite o movimento porque historiciza o dizer e o sujeito, fazendo fluir o discurso, nos seus percursos, trabalhando o equívoco, a falha, atravessando as evidências do imaginário e fazendo o irrealizado irromper no já estabelecido.

Na perspectiva discursiva, a linguagem só é linguagem porque faz sentido. E  ela só faz sentido porque  é parte da história.

A Análise de Discurso reúne três regiões do conhecimento:

a)  a teoria da sintaxe e da enunciação.

b)  a teoria da ideologia.

c) a teoria do discurso que é determinada pela história em seus processos de significação.

Tudo isso é perpassado pela teoria do sujeito de natureza psicanalítica.

DISPOSITIVO DE INTERPRETAÇÃO.

Toda  leitura precisa de uma teoria.

ALTHUSSER, escreve sobre a leitura de Marx.

LACAN, escreve sobre a leitura de Freud.

BARTHES, considera leitura como escritura.

FOUCAULT, propõe a sua arqueologia.

A leitura não é transparente porque articula-se em dispositivos teóricos. A AD coloca a interpretação em questão, estuda não apenas a interpretação, mas trabalha seus limites e mecanismos, como parte dos seus processos de significação.

A AD vai fazer compreender como os objetos simbólicos produzem sentidos, analisando os próprios gestos de interpretação, que considera como atos do domínio simbólico. A hermenêutica estuda o que  significa.

A AD não fica apenas na interpretação, trabalha com um método e constrói um dispositivo teórico. Não há verdades ocultas atrás do texto, há gestos de interpretação que o constituem e que o analista, com seu dispositivo deve saber compreender.

CONCEITOS DA AD

Devemos distinguir

INTERPRETAÇÃO,  INTELIGIBILIDADE E COMPREENSÃO.

INTELIGIBILIDADE - refere o sentido à língua. Exemplo: “ele disse isso” É inteligível mas não é interpretável, porque não se sabe quem é ele.

INTERPRETAÇÃOÉ  o sentido, pensando-se o co-texto, (as outras frases do texto), e o contexto imediato.

COMPREENSÃOÉ saber como um objeto simbólico produz   sentidos. (Enunciados, texto, pintura, música, etc.).A compreensão explica os processos de significação presentes no texto e permite que se possam escutar outros sentidos que ali estão, compreendendo como se constituem.  A AD visa à compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos.

O dispositivo teórico da interpretação tem duas faces: uma que é de responsabilidade do analista e outra que deriva de sua sustentação, no rigor do método e no alcance teórico da AD.

Cada material de análise exige que seu analista, de acordo com a questão que formule, mobilize conceitos que outro analista não mobilizaria, face a suas (outras) questões. Uma análise não é igual à outra, haja vista que mobiliza conceitos diferentes.

O dispositivo teórico da interpretação  é uma temática. O dispositivo analítico é construído  pelo analista a cada análise. Quando nos referimos ao dispositivo analítico estamos pensando no dispositivo teórico já “individualizado” pelo analista em uma análise específica.

O dispositivo teórico é o mesmo, mas o dispositivo analítico não, porque o que define a forma deste último é a questão posta pelo analista e a finalidade  da análise.

A pergunta é de responsabilidade do pesquisador, que organiza sua relação com o discurso, levando-o à construção de “seu” dispositivo analítico optando pelos conceitos que vai utilizar.

O dispositivo teórico  objetiva mediar o movimento  entre a descrição e a interpretação, sustenta-se em princípios gerais da AD.

Feita a análise, é crucial a maneira como o analista constrói seu dispositivo de análise, pois  dele depende o alcance de suas conclusões.

Os dizeres não são apenas mensagens a serem decodificadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de certa forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem que aprender. São pistas que deve aprender para compreender os sentidos aí produzidos, pondo em relação  o dizer com sua exterioridade, suas condições de produção. Estes sentidos têm a ver com o que é dito ali e com o que é dito em outros lugares, assim como o que não é dito.

CONDIÇÕES E PRODUÇÃO DE INTERDISCURSO

As  condições de produção compreendem fundamentalmente os sujeitos e a situação. A memória também faz parte da produção do discurso. As condições de produção também são importantes. Estas condições, se consideradas em sentido restrito, temos as condições de enunciação: é o contexto imediato. Se considerarmos em sentido amplo, as condições de produção  incluem o contexto sócio-histórico, ideológico. Orlandi, p.29, exemplifica com a frase: Vote sem medo, colocada numa faixa no campus de uma universidade , em época de certa eleição. Ali, o contexto imediato é o campus onde a faixa foi colocada, os sujeitos que a assinam, o momento das eleições e o suporte material que é a faixa.

O contexto amplo  é o que trás para a consideração dos efeitos de sentidos elementos que derivam de nossa forma de sociedade, suas instituições, a Universidade, a eleição de representantes, a organização de poder, a distribuição de posição de mando e a obediência. Também entra a história, acontecimentos como cores ,o negro está relacionado ao fascismo, à direita, e o vermelho, ao comunismo, à esquerda, segundo um imaginário que afeta os sujeitos em suas posições políticas.

A memória também  tem suas características em relação ao discurso. Aí ela é tratada como interdiscurso.Este é definido como aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente. È o que chamamos memória discursiva: é o que torna possível todo dizer sustentando cada tomada da palavra. Tudo o que já se falou de voto e de política, todos estes sentidos já ditos por alguém em outros momentos, têm efeito sobre o que aquela faixa diz. Experiências de ditaduras e governos autoritários se tornam presentes por este enunciado.  A faixa preta acaba trazendo também a memória. As palavras não são só nossas, elas significam também pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar, também significa nas nossas palavras. Há diversos efeitos de sentidos presentes num discurso. O interdiscurso nos remete a uma memória, a uma historicidade e a uma significância, mostrando seus compromissos  políticos e ideológicos.

Há uma relação entre o já dito e o que se está dizendo, que é a mesma relação que há entre o interdiscurso e o intradiscurso, ou seja a  constituição do sentido e sua formulação.

O interdiscurso, para Courtine, é representado como um eixo vertical onde teríamos todos os dizeres já ditos - e esquecidos -  em uma estratificação de enunciados que, em seu conjunto, representa o dizível. E teríamos o eixo horizontal - o intra-discurso - que seria o eixo da formulação, isto é, aquilo que estamos dizendo naquele momento dado, em condições dadas. Todo dizer, na realidade, se encontra na confluência de dois eixos: o da memória (constituição) e o da atualidade, (formulação). E é desse jogo que tiram seus sentidos. É também o interdiscurso, a historicidade, que determina aquilo que, da situação, das condições de produção, é relevante para a discursividade. É através desta relação de historicidade (do discurso) e a história (tal como se dá no mundo), é o interdiscurso que especifica.

Segundo M. Pêcheux (1983),  as condições nas quais um acontecimento histórico (descontinuo e exterior) pode vir inscrever-se na continuidade interna, no espaço potencial de coerência próprio a uma memória.Interdiscurso não deve ser confundido com intertexto. Interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos. Para que minhas palavras tenham sentido é preciso que elas façam sentido. No interdiscurso, segundo Courtine (1984), fala uma voz sem nome. Ao falarmos nos filiamos a uma rede de sentidos, mas podemos ficar ao sabor da ideologia e do inconsciente. Nosso discurso depende de nossa relação com a língua e a história, por nossa experiência simbólica e de mundo, através da ideologia. Só uma parte do dizível é acessível ao sujeito, pois mesmo o que ele não diz (e que muitas vezes ele desconhece) significa em suas palavras.

Tanto o intertexto como o interdiscurso mobilizam as relações de sentidos.O interdiscurso é da ordem do saber discursivo, memória afetada pelo esquecimento, ao longo do dizer, enquanto o intertexto restringe-se à relação de um texto com outro texto. Nesta relação o esquecimento não é estruturante, como o é para o interdiscurso.

ESQUECIMENTOS

Para Pêcheux há duas formas de esquecimento no discurso: O esquecimento número dois, que é da ordem da enunciação. Ao falarmos, dizemos de uma maneira e não de outra. São paráfrases. Este “esquecimento” produz em nós a impressão da realidade do pensamento. Denomina-se ilusão referencial. É o esquecimento parcial, semi-consciente, voltamos muitas vezes sobre ele e recorremos às paráfrases para melhor explicar o que dizemos. É o chamado esquecimento enunciativo e que atesta que a sintaxe significa: o modo de dizer não é indiferente aos sentidos.

O outro esquecimento é o número um, também chamado esquecimento ideológico: ele é do inconsciente e surge do modo como somos influenciados pela ideologia. Aí temos a ilusão de ser a origem do que dizemos quando na realidade retomamos sentidos pré-existentes. Os sentidos são determinados pela maneira como nos inscrevemos na língua e na história e é por isto que significam e não pela nossa vontade. Quando nascemos os discursos já estão em processo, aí é que nós entramos, o que não significa que não haja singularidade na maneira como a língua e a história nos afetam. Elas se realizam em nós em sua materialidade.

Essa é uma determinação necessária para que haja sentidos e sujeitos. Por isso é que dizemos que o esquecimento é estruturante. As ilusões não são defeitos, são uma necessidade para que a linguagem funcione nos sujeitos e na produção de sentidos.

Sentidos e sujeitos estão sempre em movimento,significando sempre de muitas e variadas maneiras, sempre as mesmas, mas ao mesmo tempo, sempre outras.   Os sujeitos “esquecem” que já foi dito- e este não é um esquecimento voluntário para, ao se identificarem com o que dizem, se constituírem em sujeitos.

PARÁFRASE E POLISSEMIA - Todo o funcionamento da linguagem se assenta na tensão entre processos parafrásticos  e processos polissêmicos. Os primeiros são aqueles  pelos quais em todo o dizer há sempre algo que se  mantêm, isto é, o dizível, a memória.  Produzem-se diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado. A paráfrase está do lado da estabilização. A polissemia é o deslocamento, a ruptura de processos de significação. Ela joga com o equívoco. Essas são duas forças que trabalham continuamente o dizer, de modo que todo discurso se faz na tensão entre o igual e o diferente.

No jogo entre a paráfrase e a polissemia, entre o mesmo e o diferente, o já dito e o a dizer que os sujeitos e os sentidos se movimentam, fazem seu caminho e significam.

A paráfrase é o mesmo, o estável, a produtividade, a matriz do sentido.  A polissemia é o diferente, a ruptura, a criatividade, fonte da linguagem.

A incompletude é a condição da linguagem.  A língua é sujeita a equívoco  e a ideologia é um ritual com falhas Se o real da língua não fosse sujeito a falha e o real da historia não fosse passível de ruptura, não haveria transformação., nem movimento dos sujeitos e dos sentidos. Nem os sujeitos, nem os sentidos, logo, nem o discurso, já estão prontos e acabados. Eles estão sempre se fazendo, há um movimento  constante do simbólico e da história.  Há uma tensão constante de paráfrase e polissemia. Os sentidos e os sujeitos sempre podem ser outros. Dependem de como são afetados pela língua e de como se inscrevem na história.

Criatividade  e Produtividade. A “criação”, em sua dimensão técnica é produtividade, reiteração de processos já cristalizados. Pelo processo parafrástico, a produtividade mantém o homem num retorno constante ao mesmo espaço dizível: produz a variedade do mesmo. Exemplo: produzimos variadas frases em nossa língua, mesmo desconhecidas, através de um conjunto de regras.

A criatividade implica a ruptura do processo de produção da linguagem, pelo deslocamento das regras, fazendo intervir o diferente, produzindo movimentos que afetam os sujeitos e os sentidos na sua relação com a história e com a língua. Irrompem assim, sentidos diferentes. Para haver criatividade é preciso um trabalho que ponha em conflito o já produzido e o que vai-se instituir. Passagem do irrealizado ao possível, do não sentido ao sentido. Daí a afirmação de que a paráfrase é a matriz do sentido, pois não há sentido sem repetição, sem sustentação no saber discursivo, e a polissemia é a fonte da linguagem uma vez que ela é a própria condição de existência dos discursos, pois se os sentidos e os sujeitos não fossem múltiplos, não haveria necessidade de dizer.

O jogo entre paráfrase e polissemia atesta o confronto entre o simbólico e o político. Todo dizer é ideologicamente marcado. É na língua que a ideologia se materializa. O discurso é o lugar do trabalho da língua e da ideologia.

Entre o mesmo e o diferente, o analista se propõe compreender como o político e o linguístico se interrelacionam na constituição dos sujeitos e na produção dos sentidos, ideologicamente assinalados.  Como o sujeito (e os sentidos), pela repetição, estão sempre tangenciando o novo, o possível, o diferente. Entre o efêmero e o que se eternaliza.

RELAÇÕES DE FORÇA, RELAÇÕES DE SENTIDOS, ANTECIPAÇÃO:    FORMAÇÕES IMAGINÁRIAS.

As condições de produção dos discursos funcionam de acordo com certos valores, entre os quais a relação de sentidos. Segundo esta noção, não há discurso que não se relacione com outros. Um discurso aponta para outros que o sustentem, e também com dizeres futuros.  Não há, desse modo, começo absoluto nem ponto final para o discurso. Um dizer tem relação com outros dizeres realizados, imaginados ou possíveis.

Segundo o mecanismo de antecipação, todo o sujeito tem a capacidade de colocar-se no lugar em que seu interlocutor ouve as suas palavras, daí poder se antecipar ao seu locutor quanto ao sentido que suas palavras produzem. Esse mecanismo regula a argumentação, de tal forma que o sujeito dirá de um modo, ou de outro, segundo o efeito que deseja produzir no seu ouvinte.

Relação de forças - O lugar a partir do qual fala o sujeito é constitutivo do que ele diz. O sujeito pode falar do lugar de professor, ou de aluno, ou de padre, etc. Nossa sociedade é hierarquizada, aí são relações de força ou de poder do sujeito nestes diferentes lugares ocupados. São as suas imagens que resultam de projeções. São as formações imaginárias. Essas projeções permitem passar das situações empíricas – lugares dos sujeitos - para as posições do sujeito no discurso. Esta é a distinção entre lugar e posição. Em todas as línguas há regras de projeção que permitem ao sujeito passar  da situação empírica para a discursiva. O que significa no discurso são estas posições, significando em relação ao contexto sócio-histórico e à memória, que é o saber discursivo já dito.

As condições de produção implicam o que é material (a língua sujeita a equívoco e historicidade), o que é institucional (a formação social, em sua ordem) e o mecanismo imaginário. Esse mecanismo produz imagens dos sujeitos, assim como do objeto do discurso, dentro  de uma conjuntura sócio-histórica. Temos assim a imagem do sujeito locutor mas também da posição sujeito interlocutor, e também do objeto do discurso. É todo um jogo imaginário que preside a troca de palavras. Na relação discursiva, são as imagens que constituem as diferentes posições. As condições de produção estão presentes nos processos de identificação dos sujeitos trabalhados no discurso.

Nas relações de forças, na de sentidos e na antecipação, sob o modo do funcionamento das formações imaginárias, podemos ter muitas e diferentes possibilidades,  de acordo como a formação social está na história. Na universidade há muitas imagens, que os indivíduos fazem uns dos outros. Por exemplo: a imagem que o aluno faz do professor e vice-versa, de um pesquisador, do reitor, do funcionário, do diretório acadêmico, etc. Inclusive há imagens que um determinado orador (por mecanismo de antecipação), sabe que o público ouvinte têm sobre o que este vai dizer. Aí será possível ajustar seu dizer aos seus objetivos políticos, trabalhando esse jogo de imagens, cuidando com o que vai dizer, ajustando as imagens na constituição dos sujeitos (podem ser os eleitores), e trazendo o que os ouvintes gostarão de ouvir.

Tudo isto contribui para as condições em que o discurso se produz e daí o seu processo de significação. O imaginário faz parte do funcionamento da linguagem, não surge do nada, ele vem do modo como as relações sociais se inscrevem  na história e são em nossa sociedade, regidas pelas relações de poder. Isto é importante para a análise porque  explicita o modo como os sentidos dos discursos estão sendo produzidos, aí se compreende melhor o que está sendo dito. É preciso analisar este discurso dentro de suas condições de produção, estabelecer as relações que ele tem com sua memória e remetê-lo a uma formação discursiva para compreender seu processo. Os sentidos estão nas palavras mas estão  aquém e além delas.

FORMAÇÃO DISCURSIVA

O sentido não existe em si, ele é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico em que as palavras são produzidas. Estas mudam de sentido segundo as posições ideológicas daqueles que as empregam. Estes sabem o que é ou não conveniente expressar.

É a Formação discursiva que nos permite compreender o processo de produção dos sentidos, a sua relação com a ideologia e dá ao analista a possibilidade de estabelecer regularidades no funcionamento do discurso.

As palavras não tem sentido nelas mesmas, mas na formação discursiva ou ideológica que lhes dão sentidos. Tudo o que dizemos tem um traço ideológico, em relação a outros traços ideológicos. Para estudar um discurso o analista vai observar como é articulada a linguagem e a ideologia. Há dizeres presentes e outros articulados na memória. Esta articulação de formações discursivas  são dominadas pelo interdiscurso em sua objetividade material contraditória.

As formações discursivas não são blocos homogêneos nem funcionam automaticamente. Elas são constituídas pela contradição, configuram-se e reconfiguram-se em suas relações.

A metáfora é imprescindível na AD e é aqui definida como a tomada de uma palavra por outra. Na AD ela significa “transferência”, estabelecendo o modo como as palavras significam. É por esse relacionamento de transferência que elementos significantes se confrontam, se revestindo de um sentido.

Pela referência à formação discursiva que podemos compreender no funcionamento discursivo, os diferentes sentidos. Palavras iguais podem ter sentidos diferentes, se inscritas em formações discursivas diferentes. Exemplo: a palavra Terra terá sentidos diferentes de acordo com o contexto sócio-histórico que lhe é atribuído.

A identidade do sujeito  se dá ideologicamente pela sua inscrição em uma formação discursiva.

IDEOLOGIA E SUJEITO

Não há sentido sem interpretação”- isso atesta a presença da ideologia. Diante  de qualquer objeto simbólico, o homem é levado a interpretar. Ao mesmo tempo que interpreta, nega., colocando-a no grau zero. Nesse apagamento de interpretação, há transposições de formas materiais em outras, construindo-se transparências – como se a linguagem  e a história não tivessem  sua espessura e opacidade – para serem interpretadas por determinações históricas que se apresentam como imutáveis, naturalizadas. O trabalho da ideologia é produzir evidências, colocando o homem na relação imaginária com suas condições materiais de existência.

A ideologia é a condição para a formação do sujeito e dos sentidos. Pela ideologia o sujeito produz o dizer. A ideologia e o inconsciente são estruturas-funcionamento. Pecheux afirma que sua característica comum é de dissimular sua existência no interior de seu próprio funcionamento, produzindo um tecido de evidências subjetivas aí se constituindo o sujeito.

As palavras recebem seus sentidos de formações discursivas em suas relações. Este é o efeito da determinação do interdiscurso. (da memória).

A evidência do sujeito apaga o fato de que o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia. São esses “esquecimentos” que  se dão de tal modo que a subordinação-assujeitamento se realiza sob a forma da autonomia, esfumando-se o interdiscurso. Assim considerada, a ideologia não é ocultação mas função da refração, do efeito imaginário de um sobre o outro. A relação da ordem simbólica com o mundo acontece, para que haja sentido que a língua como sistema sintático passível de jogo - de equívoco, sujeita a falhas - se inscreva na história. Essa inscrição dos efeitos lingüísticos materiais na história é que é a discursividade.

O sentido é assim, uma relação determinada do sujeito-  afetado pela língua- com a história. Este é o traço de relação da língua com a exterioridade, não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia. Ideologia e inconsciente estão materialmente ligados. Pela língua e por este processo.

A interpretação é regulada em suas possibilidades e condições. Não é mero gesto de decodificação, de apreensão do sentido. Não é livre de determinações, não é qualquer uma e é desigualmente distribuída na formação social. É garantida pela memória em dois aspectos:  - a memória institucionalizada (o arquivo),o trabalho social da interpretação onde se separa quem tem e quem não tem direito a ela. A memória constitutiva ( o interdiscurso); o trabalho histórico da constituição do sentido ( o dizível, o interpretável, o saber discursivo). A interpretação se faz sobre estas duas memórias, podendo tanto estabilizar como deslocar sentidos.

A ideologia aparece como efeito da relação necessária do sujeito com a língua e com a história, para que haja sentido. Aí a ideologia intervém com seu modo de funcionamento imaginário. É a ideologia que faz com que haja sujeitos. Nem a linguagem, nem os sentidos, nem os sujeitos são transparentes: eles tem sua materialidade e se constituem em processos em que a língua, a história e a ideologia concorrem conjuntamente. O sujeito é determinado pela linguagem e pela história para se constituir, para produzir sentidos e, sob o modo do imaginário, o sujeito só tem acesso à parte do que diz.

O sujeito discursivo é pensado como posição entre outras, é um lugar que ocupa para ser sujeito do que diz. Ele não tem acesso direto à exterioridade (interdiscurso) que o constitui. (M. Foucault,1969). A língua também não é transparente nem o mundo diretamente apreensível quando se trata da significação pois o vivido dos sujeitos é formado pela ideologia. (M. Pêcheux,1975).

Os sujeitos são intercambiáveis. Alguém pode falar na posição de mãe, de professora, de funcionária, etc.

O trabalho ideológico é um trabalho da memória e do esquecimento é só quando passa  para o anonimato que o dizer produz seu efeito de literalidade. Exemplo: quando esquecemos quem disse “colonização”, como e porquê, que o sentido de colonização produz seus efeitos.(memória). Os sentidos trazem efeitos diferentes para diferentes interlocutores.

O SUJEITO E SUA FORMA HISTÓRICA

A forma histórica de sujeito na sociedade atual é contraditória porque o sujeito é ao mesmo tempo livre e submisso. É o assujeitamento, pode tudo dizer, desde que se submeta a língua para dizê-lo. É a subjetividade ao lingüístico, a dimensão histórica e a psicanalítica. O sujeito da modernidade é chamado de sujeito jurídico. Não se pode explicar a subjetividade através somente de mecanismos lingüísticos específicos. Daí a ambiguidade da noção de sujeito que é determinado pela exterioridade na sua relação com os sentidos.

Para C. Haroche (1987), o sujeito religioso, característico da Idade Média, representou uma forma diferente da moderna forma de sujeito jurídico. Com as mudanças das relações sociais o sujeito teve de tornar-se seu próprio proprietário, dando surgimento ao sujeito de direito com sua vontade e responsabilidade. A subordinação explícita do homem ao discurso religioso dá lugar à subordinação menos explícita do homem às leis: com seus direitos e deveres. Daí a idéia do homem livre em suas escolhas, o sujeito do capitalismo. Essa é uma submissão menos visível. A injunção à não contradição é a garantia da submissão do sujeito ao saber. Aí o assujeitamento se faz de modo que o discurso apareça como instrumento límpido do pensamento e um reflexo justo da realidade. Na transparência da linguagem, é  a ideologia que fornece as evidências que apagam o caráter material do sentido e do sujeito.

A literalidade é uma construção  que o analista deve considerar em relação ao processo discursivo com suas condições. É a ilusão do sentido literal que muitas vezes dá impressão de transparência do discurso. Aí a tarefa do analista de discurso expor o olhar leitor à opacidade do texto para compreender como essa impressão é produzida e quais seus efeitos, como diz Pêcheux (1981).

INCOMPLETUDE: MOVIMENTO, DESLOCAMENTO E RUPTURA

Para Orlandi, a condição da linguagem é a incompletude, nem sujeitos nem sentidos estão completos, já feitos e constituídos definitivamente. Nem sujeitos  nem sentidos estão completos, já feitos, constituídos definitivamente. Constituem-se e funcionam sob o modo do entremeio, da relação, da falta, do movimento. Essa incompletude atesta a abertura do simbólico, pois a falta é também o lugar do possível.

É a sua abertura que lhe faz sujeito à determinação, à institucionalização, à estabilização e à cristalização.  A linguagem se move entre a paráfrase e a polissemia.

O sujeito significa em  condições determinadas, impelido de um lado pela língua e de outro pelo mundo, pela sua experiência, por fatos que reclamam sentidos, e também pela sua memória discursiva,  por um saber/poder/dever dizer em que os fatos fazem sentido por se inscreverem em formações discursivas que representam no discurso as injunções ideológicas.

Assim o homem significa o sentido e o sujeito escorrega para outros sentidos ou posições. O equívoco, o irrealizado  tem no processo polissêmico, na metáfora, o seu ponto de articulação. A linguagem não é transparente, os sentidos não são conteúdos. É no corpo a corpo com a linguagem que o sujeito (se) diz.

Ainda que todo sentido se filie a uma rede de constituição, ele pode ser um deslocamento nessa rede. Há também injunções à estabilização, bloqueando o movimento significante. Nesse caso o sentido não flui e o sentido não se desloca.  Ao invés de fazer um lugar para fazer sentido, ele é pego pelos lugares, dizeres já estabelecidos. Estaciona e só repete.

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Análise do Discurso I 


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