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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

B. Lopes


Rio Bonito - RJ

(1859-1916)
B. Lopes (Bernardino da Costa Lopes) nasceu antes do fim da escravidão na antiga Província do Rio de Janeiro, no Arraial da Boa Esperança, hoje município de Rio Bonito, onde faleceu em 1916. De origem negra, mas filho de pais livres e membros da classe média pobre, o pai Antonio era escrivão e a mãe Mariana costureira, o menino B. Lopes teve amplo acesso às letras culturais de sua época.

Foi poeta parnasiano, e, mais tarde simbolista, sem repudiar o parnasianismo, que lhe corria abundantemente na imaginação criadora. Como jornalista colaborou em vários jornais e revistas da época.

“Gostava da palavra brilhante, sonora, e do verso colorido, destacando-se sempre pela sua imaginação maleável e graciosa. Seu prestígio já estava firmado antes de Cruz e Souza, sagrando-se imortal através de sonetos admiráveis”. (Vasco de Castro Lima)

Membro da boemia intelectual, sua poesia recolhe diferentes tendências da passagem do século XIX ao XX. Da primeira etapa, vista como parnasiana, é Cromos (1881), com o qual obteve reconhecimento nacional. Seus cromos representam, conforme Alfredo Bosi, “uma linha rara entre nós: a poesia das coisas domésticas, os ritmos do cotidiano”.

Manuel Bandeira o inclui em sua “Antologia dos poetas brasileiros da fase parnasiana”, esclarecendo que “as notas simbolistas são de fato escassas e superficiais em B. Lopes: na grande maioria seus poemas revelam indisfarçavelmente o gosto da perfeição formal parnasiana”.

Marques Rebelo comenta e registra da seguinte maneira as inclinações literárias de B. Lopes: “Figura singular de nossas Letras, propriamente não foi um simbolista e sim parnasiano, muito embora tenha ganho notoriedade como integrante da vanguarda simbolista”.

Sílvio Romero, no estudo “A Literatura”, Livro do Centenário (1900), diz: “De tudo evidencia-se não dever ser o lugar do poeta entre os simbolistas. É apenas transição para eles; seu posto mais exato deverá ser entre os parnasianos”.

Péricles Eugênio da Silva Ramos o inclui em suas duas Antologias de poetas parnasianos e simbolistas, embora realce os mais fortes pendores do poeta para o estilo parnasiano, na maior parte de sua obra. Péricles lembra mesmo que “há na geração parnasiana algumas figuras de posição polivalente, como Luís Delfino ou B. Lopes”, e ainda podemos enumerar outros grandes poetas nesta mesma situação.

Raul de Leôni nos serviria como exemplo disso, pois que estudo crítico decidiu-se situá-lo nesta ou naquela tendência? Em sua escassa e riquíssima obra, escrita no seu esplêndido livro “Luz Mediterrânea”, ele deixou um grande ponto de interrogação nos estudos e julgamentos críticos de todos os tempos, na poesia brasileira.

Andrade Muricy, no “Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro” insere B. Lopes entre os simbolistas. E comenta: “Esse extraordinário mestiço, pachola e glorioso, foi no simbolismo brasileiro uma espécie de alegre patriarca”. (...) “E quando o simbolismo teve o seu primeiro gesto exterior decisivo, vemo-lo enfileirado com aqueles três outros (Oscar Rosas, Cruz e Souza e Emiliano Perneta) dando o brado de guerra contra o rígido naturalismo acadêmico, contra os cânones estreitos do parnasianismo”.

Vasco de Castro Lima, no “O Mundo Maravilhoso do Soneto” nos relata com as seguintes palavras: “Nada de mal citarmos, aqui, sem qualquer intenção de menosprezo ao poeta, o seguinte comentário de Péricles Eugênio da Silva Ramos”:

“B. Lopes conheceu ampla notoriedade em vida: diz-se que seu livro “Brasões” desapareceu das livrarias em duas semanas, na tiragem de 2.000 exemplares, o que para a época era extraordinário. Isso não impediu que morresse ridicularizado, por causa de um soneto laudatório em que chamava Hermes da Fonseca de “cheirosa criatura”.

Ainda, segundo Vasco de Castro Lima, o poeta casou-se com Cleta Vitória de Macedo, “a quem abandonou – diz Andrade Muricy – deixando-lhe o encargo de criar os cinco filhos do casal”.
Arrasou-lhe, logo após, a vida, uma paixão sem eco que teve por “Sinhá Flor”, casada, com filhos e netos, a “esguia mameluca”, cujo nome verdadeiro era Adelaide Uchoa Cavalcante. Um dos seus livros de sonetos tem, aliás, esse nome: “Sinhá Flor”.

A mais interessante descrição da imagem de B. Lopes dessa época é feita por Gonzaga Duque, que assim retratou o poeta: “Entra o poeta, espalhafatoso no seu vestuário, uma camisa azul, enorme laçaria de seda creme presa sob as pontas largas dum colarinho branco, calças de xadrez dançando nas pernas, polainas de brim, um pára-sol de tecido de seda, amarelo, um chapéu de palha branco, e na lapela do jaquetão um buquê, verdadeiramente um buquê. Nada menos de três cravos vermelhos e duas rosas “telas de ouro”.

“B. Lopes atravessou uma vida de glórias literárias, mas teve um fim doloroso e melancólico, pois andou internado em um hospício, por alcoolismo”. É muito justo e válido o grito de Carlos Chiacchio: “É preciso reabilitar o homem pela obra”. (Vasco de Castro Lima)

Texto organizado por artculturalbrasil

Obra poética: Cromos (1881), Pizzicatos (1886), Dona Carmen (1894), Brasões (1895), Sinhá Flor (1899), Val delírios (1900), Helenos (1901), Patrícoa (1904) e Plumário (1905).
BERÇO


Recordo: um largo verde e uma igrejinha,
Um sino, um rio, um pontilhão, e um carro
De três juntas bovinas que ia e vinha
Rinchando alegre, carregando barro.

Havia a escola, que era azul e tinha
Um mestre mau, de assustador pigarro...
(Meu Deus! que é isto? que emoção a minha
Quando estas cousas tão singelas narro?)

Seu Alexandre, um bom velhinho rico
Que hospedara a Princesa; o tico-tico,
Que me acordava de manhã, e a serra...

Com seu nome de amor Boa Esperança,
Eis tudo quanto guardo na lembrança
De minha pobre e pequenina terra!

VIII

Abrem duas janelas para a rua,
Com trepadeira em arcos de taquara;
A cortina de renda, larga e clara,
Alveja ao fundo da vidraça nua.


Em frente o mar, e sobre o mar a lua,
A estrelejar a onda que não pára; ­
Aflam asas por cima e solta a vara,
N'água brilhante, o mestre da falua.


Ecos noturnos e o rumor estranho
Da meninada trêfega no banho
Voam da praia ao chalezinho dela;


Move-se um corpo de mulher,no escuro;
Gira, após, o caixilho; e o luar puro
Ilumina-lhe o busto na janela!

X

Fim de tarde serena e violetada ...
No céu — duas estrelas, e arrepios
Na safira do mar, toda coalhada
De emaranhados mastros de navios.


Longe, entre névoas, traços fugidios
De uma cidade branca derramada
— Casas, torreões e coruchéus esguios,
Por toda a clara fita da enseada.


Aqui bem peno, aqui, na argêntea praia,
Contra um rochedo nu, calcáreo e rudo,
Do poente a frouxa claridade estampa,


Balouçando-se n'água, uma catraia;
E, agasalhados no gibão felpudo,
Pescadores que vão subindo a rampa ...

Brasões (1895)

PRAIA

Pitangueiras, arriando, carregadas
— Esmeralda e rubim que a luz feria —
Cintilavam, em pleno meio-dia,
Na argêntea praia de um fulgor de espadas.


Sob o largo frondal eram risadas,
Toda uma festa, um chalro, a vozeria
De um rancho alegre e simples que colhia:
Moças — frutas; e moços — namoradas.


Em cima outra aluvião, por todo o mangue,
De sanhaçus, saís e tiés-sangue,
Policromia musical da mata.


E através da folhagem miúda e cheia
Bordava o sol, ao pino, sobre a areia
Um crivo de oiro num sendal de prata!

Helenos (1901)

PARAÍSO PERDIDO

Outro, não eu, que desespero, ao cabo
De, em pedrarias de arte e versos de ouro,
Ter dissipado todo o meu tesouro,
Como os florins e as jóias de um nababo;


Outro, não eu, que para o chão desabo
Esquecendo-te as culpas e o desdouro,
E a teus pés de marfim, como o rei mouro
Em torrentes de lágrimas acabo;


Outro conspurca-te a beleza augusta,
Cujo anseio de posse ainda me custa
Como um verme faminto andar de rastros.


E mais deploro este meu sonho falso
Ao recordar que andei no teu encalço
Pelo caminho rútilo dos astros!

Helenos (1901)

ORGULHO

Este, que me sustém e que me eleva
Ao Pindo, leve como um grão de trigo,
E com a força viril do braço amigo
A um golpe irado me remiu da treva;


Este, que o sangue do meu brio ceva
E, fascinado, por desertos sigo,
Monstro de alma e razão, calma e perigo,
Que só pode cair sob os pés de Eva;


Este, que me sacode fibra a fibra
E a largos berros o meu nome vibra
Da garganta infernal na áspera tuba,


É, da selva do Dante, em que mergulho,
O meu fulvo, potente e ousado orgulho,
— Leão soberbo sacudindo a juba ...

Helenos (1901)

CROMO

Pitangueiras, arreando, carregadas
-Esmeralda e rubim que a luz feria —
Cintilavam, em pleno meio-dia,
Na argêntea praia de um fulgor de espadas.

Sob o lago frondel eram risadas,
Toda uma festa, um chalro, a vozeria
De um rancho alegre e simples que colhia:
Moças — frutas, e moços — namoradas.

Em cima outra aluvião, por todo o mangue,
De sanhaços, saís e tiés-sangue,
Policromia musical da mata.

E através da folhagem miúda e cheia
Bordava o sol, ao pino, sobre a areia
Um crivo de oiro num sendal de prata!

PER PURA

Clara manhã; rutilante
Ascende o sol no horizonte;
Corre uma aragem fragrante
Por vale, planície e monte,
Trazendo nas frias asas
Um lindo som de cantigas.

De cima daquelas casas,
Casinhas brancas e amigas,
Sobem fumos azulados;
E há pombos pelos telhados.

Cresce o rumor das cantigas...

Surge um farrancho de gente
Alegre, farta e contente,
De samburás e de gigas.
Andam colhendo as espigas
Do milharal pardo e seco;
É dali que vem o eco
De tão bonitas cantigas...

Cantai, cantai, raparigas!

QUANDO EU MORRER

Quando eu morrer em véspera tranqüila,
Num pôr-do-sol de goivos e saudade,
Da velha igreja, que a Madona asila,
O sino grande a soluçar Trindade;

Quando o tufão do mal que me aniquila
Soprar minh´alma para a Eternidade,
Todas as flores dos jardins da vila,
Certo, eu terei da tua caridade.

E, já na sombra amiga do cipreste,
Há de haver uma lágrima piedosa,
A edênica gota, a pérola celeste,

Para quem desfolhou, terno, e as mãos cheias,
O lírio, o bogari, o cravo e a rosa
Pelas estradas brancas das aldeias.


...


Um comentário:

  1. Anônimo16:09

    Caramba...esse é o site o onde mai encontrei obras dele!

    Muito obrigado!
    Adalmir Cardoso

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