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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

Cora Coralina


Goiás Velho - Goiás
1889 - 1995
Ana Lins de Guimarães Peixoto Bretas nasceu em Goiás Velho (GO), antiga capital de Goiás, em 20 de agosto de 1889. Era conhecida como Aninha da Ponte da Lapa, mas só muito tempo depois adotou o pseudônimo de Cora Coralina. Menina ainda, interessou-se por poesia e romances. Escandalizou a cidade ao fugir, aos 21 anos, com o delegado, casado e muito mais velho do que ela. Viveram no interior de São Paulo e, quando ele enviuvou, casou-se com ela. Voltou para Goiás Velho, depois da morte do marido, e continuou a escrever poemas.
Em 1965, aos 75 anos, publicou Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais e começou a ser conhecida, nacionalmente, tornando-se amiga do poeta Carlos Drummond de Andrade, com quem se correspondeu. Para sobreviver, entretanto, já com 70 anos, passou a fazer doces de frutas para vender. Recebeu o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal de Goiás.
Em 1983, foi agraciada pela União Brasileira de Escritores (UBE) com o título de Intelectual do Ano e com o Troféu Juca Pato. Escreveu, ainda, Estórias da Casa Velha da Ponte; Os Meninos Verdes; Meu Livro de Cordel; O Tesouro da Velha Casa; Becos de Goiás e Vintém de Cobre: Meias Confissões de Aninha. Morreu em Goiânia, em 10 de abril de 1995.
Mulher simples, doceira de profissão, tendo vivido longe dos grandes centros urbanos, alheia a modismos literários, produziu uma obra poética rica em motivos do cotidiano do interior brasileiro, em particular dos becos e ruas históricas de Goiás. Os escritos de Cora falam de sua cidade natal, de si mesma, sobre educação e também sobre questões humanitárias. Falam-nos tanto de sua contemporaneidade quanto de épocas que antecederam a ela e sobre as quais lhe chegaram relatos. Cora se afastou de sua terra por 45 anos. Aos 20 anos, mudou-se para o estado de São Paulo em companhia daquele que viria a ser seu marido. Aos 65 anos, já viúva, deixou seus filhos em São Paulo e retornou sozinha ‘a Goiás, onde viveu com a renda gerada pela venda de doces. Embora tenha estudado formalmente por apenas 2-3 anos, alcançou um nível tal de conhecimento que lhe justificou a denominação de autodidata. Recebeu, entre outros, o título de intelectual do ano (Troféu Juca Pato) e o título de doutora Honoris Causa pela Universidade Federal de Goiás. Desde cedo, foi uma pessoa interessada em ler e conversar a fim de adquirir conhecimento. Na adolescência, lia jornais de sua mãe, romances e freqüentava saraus. Começou a escrever ainda na adolescência, tendo sido uma das criadoras do jornal “A Rosa”. Entretanto, só publicou seu primeiro livro aos 76 anos, passando a ser conhecida e valorizada ainda em vida após o seu enaltecimento público por Carlos Drummond de Andrade. Ela participou de lutas sociais, ao longo de sua vida. E, escreveu em solidariedade aos desfavorecidos socialmente. Em sua obra, abordou o menor abandonado, o presidiário e o proletariado. Escreveu também acerca das prostitutas que -embora necessárias na estrutura social- eram discriminadas, enxovalhadas, diminuídas. Iniciar carreira literária na velhice foi uma das ousadias que Cora Coralina cometeu ao longo da vida. E, ao escrever, o fez tanto com simplicidade quanto com equilíbrio entre o forte e o delicado, retratando, com naturalidade, lugares, costumes e sentimentos do povo goiano. Foi, enfim, uma das muitas pessoas criadas como “o patinho feio” do conto de Andersen. Entretanto, ao longo de sua trajetória se descobriu um belo cisne... Foi objeto de análise de uma série de trabalhos acadêmicos e, atualmente, empresta seu nome a instituições públicas, logradouros, eventos e plantas.

DAS PEDRAS
Ajuntei todas as pedras
que vieram sobre mim.
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado
e no sonho me perdi.
Uma estrada,
um leito,
uma casa,
um companheiro.
Tudo de pedra.
Entre pedras
cresceu a minha poesia.
Minha vida...
Quebrando pedras
e plantando flores.
Entre pedras que me esmagavam
Levantei a pedra rude
dos meus versos.
ASSIM QUE EU VEJO A VIDA
A vida tem duas faces:
Positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
Aceitar suas limitações
E me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
Aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver.
ANINHA E SUAS PEDRAS
Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos
poemas.
Recria tua vida, sempre,
sempre.
Remove pedras e planta
roseiras e faz doces.
Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos Jovens
e na memória das
gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de
todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.
MEU DESTINO


Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.
Não te procurei, não me procurastes –
íamos sozinhos por estradas diferentes.
Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida...
Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.
Esse dia foi marcado
com a pedra branca
da cabeça de um peixe.
E, desde então, caminhamos
juntos pela vida...
ORAÇÃO DO MILHO
Senhor, nada valho.
Sou a planta humilde dos quintais pequenos
e das lavouras pobres.
Meu grão, perdido por acaso,
nasce e cresce na terra descuidada.
Ponho folhas e haste, e, se me ajudardes, Senhor,
mesmo planta de acaso, solitária,
dou espigas e devolvo em muitos grãos
o grão perdido inicial, salvo por milagre,
que a terra fecundou.
Sou a planta primária da lavoura.
Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo,
de mim não se faz o pão alvo universal.
O justo não me consagrou Pão de Vida
nem lugar me foi dado nos altares.
Sou apenas o alimento forte e substancial
dos que trabalham a terra,
alimento de rústicos e animais de jugo.
Quando os deuses da Hélade corriam pelos bosques,
coroados de rosas e de espigas,
e os hebreus iam em longas caravanas
buscar na terra do Egito o trigo dos faraós,
quando Rute respigava cantando nas searas de Booz
e Jesus abençoava os trigais maduros,
eu era apenas o bró nativo das tabas ameríndias.
Fui o angu pesado e constante do escravo
na exaustão do eito.
Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante.
Sou a farinha econômica do proprietário, sou a polenta
do imigrante e a amiga dos que começam a vida
em terra estranha.
Alimento de porcos e do triste mu de carga,
o que me planta não levanta comércio,
nem avantaja dinheiro.
Sou apenas a fartura generosa
e despreocupada dos paióis.
Sou o cocho abastecido donde rumina o gado.
Sou o canto festivo dos galos
na glória do dia que amanhece.
Sou o cacarejo alegre das poedeiras
à volta dos ninhos.
Sou a pobreza vegetal agradecida a vós,
Senhor,
que me fizestes necessário e humilde.
Sou o milho!

4 comentários:

  1. Cora poesia, tão forte em sua fragilidade. Porta voz dos conterrâneos. Tardiamente reconhecida por seu talento literário.
    Exemplo de perseverança.

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    1. Anônimo19:59

      Olha a poesia Aninha e as pedras ..é a história dela.
      "Faz de tua vida mesquinha
      um poema.
      E viverás no coração dos Jovens
      e na memória das
      gerações que hão de vir".

      Excluir
  2. manoel juraci melo da silva17:12

    Muito boas as poesias de Cora Carolina uma excelente autora que é um exemplo de vida para todos.

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  3. De fato, os prezados comentaristas estão com toda a razão, certamente encharcada pela emoção que os poemas de Cora Coralina provocam em nós, seus admiradores. Basta ler o poema "Das Pedras" para ver o retrato da superação que foi o seu caminhar. Bem o disse Iza: "tardiamente reconhecida...", mas a tempo de podermos nos espelhar no seu exemplo de vida. Isso prova que para ser culto, não basta apenas um mero diploma...

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