Para colecionadores
Arapongas - Paraná
Em dia 21 de março de 2.000, na sua 30ª sessão da Conferência Geral, a UNESCO criou o Dia Internacional da Poesia e determinou a cada escritório regional que as comemorações sejam em escala nacional e internacional.. A data foi escolhida considerando-se ser o primeiro dia da primavera no Hemisfério Norte (algumas folhinhas preferem considerar este início no dia 20). No hemisfério sul, a primavera tem início em 22 de setembro e no dia 20 ou 21 de março inicia-se o outono. Por essa razão muitos confundem o dia oficial da comemoração.
Todo dia é dia de poesia. Em todos os cantos do mundo, há, em todos os momentos, alguém evocando sensações, impressões e emoções por meio de sons e ritmos harmônicos.
A poesia nasceu na Grécia, berço da Civilização Ocidental, como poiesis (poihsiV), com Homero, através da "Ilíada" e da "Odisséia".
Enquanto a primeira relata a "Guerra de Tróia" ocorrida por volta de 1.250 AC, a outra narra as aventuras de Ulisses, rei de Ítaca, ao retornar dessa guerra, depois de dez anos de peripécias, para os braços de sua rainha Penélope. Naqueles tempos, a apresentação poética se fazia acompanhada por um instrumento musical - a Lira, e estava dividida em "Cantos (wdh)".
A tradição que liga a poesia à primavera é antiqüíssima e teve seu momento mais florescente nos séculos XI e XII, na Provença, França, cujos poetas obedeceram estritamente à convenção de localizar sua poesia amorosa sempre nesta estação, no “tempo da flor”.
Na realidade as comemorações do início da primavera estão arraigas desde o tempo dos Celtas, que viveram na Europa há mais de 10.000 anos atrás.
Por ocasião do "XXII Salão do Livro de Paris" e como parte das comemorações do "Dia Mundial da Poesia", no dia 22 de março de 2002, foi lançada a obra "Anthologie de la Poésie Romantique Brésilienne", editada pela UNESCO. O projeto teve por finalidade apresentar a leitores francófonos uma amostra dos poemas mais representativos do romantismo brasileiro. Constam da antologia poemas de Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e Castro Alves.
As atividades comemorativas devem ser organizadas por sociedades de poesia ou de escritores e poetas, jornais, periodicos especializados em cultura, literatura e artes, editoras que tenham coleções de poesia, teatros e casas de shows, especialmente em transmissões de rádio e TV, escolas e instituições preocupadas com a cultura.
A UNESCO está engajada na promoção do ensino da poesia nas escolas e apoia todos os esforços para a publicação e tradução de poesia.
Por ocasião do Dia Mundial da Poesia, celebrado em 21 de março de 2001, o Diretor-Geral da UNESCO, Koichiro Matsuura, divulgou a seguinte mensagem:
As formas determinadas para comemorar esse dia variam de leituras públicas à concessão de prêmios de poesia.
Entre os objetivos da iniciativa da UNESCO está o incentivo e reconhecimento da poesia regional, nacional e internacional, e desencadear processo que deve servir para apoiar a diversidade lingüística e cultural, utilizando a expressão poética, e oferecer a línguas ameaçadas de extinção a oportunidade de serem ouvidas na comunidade internacional.
Como o dia 21 de Março já é dedicado à eliminação de qualquer forma de preconceito, pode-se considerar uma associação dos temas para a comemoração.
"Poesia é uma arte milenar. É a arte da linguagem, uma interação de palavras, estética oral. Um poema não se lê, se diz.
Por isso, a poesia tem atravessado épocas e continentes. Fruto do imaginário, tanto individual como coletivo, a poesia é um elemento permanente na construção da vida social, tanto como a música, a dança e as artes plásticas. A poesia está presente em todas as partes e, no entanto, ao mesmo tempo, é inacessível. Sua fragilidade aparente, ligada ao seu caráter imaterial, fazem dela uma arte superior inviolável, que não teme os assaltos do tempo e da intolerância.
Como todo o conjunto de patrimônio imaterial, esta arte deve ser objeto de toda nossa atenção. Ainda que todos a admirem, publica-se pouca poesia e se traduz ainda menos. Encontra-se no coração de todas as línguas, mas também é freqüentemente considerada inacessível.
Poesia é uma arte na qual permite-se criar raízes e renovar-se, é o mais autêntico mensageiro de uma cultura; testemunha única e refinada da História. A poesia pode ensinar muito acerca do universo de outros povos, seus valores e sonhos. A poesia é uma porta aberta para o diálogo e para a compreensão dos povos...”
A poesia é uma arte literária e, como arte, recria a realidade. O poeta Ferreira Gullar diz que o artista cria um outro mundo “mais bonito ou mais intenso ou mais significativo ou mais ordenado – por cima da realidade imediata”. Para outros, a arte literária nem sempre recria. É o caso de Aristóteles, filósofo-grego que afirmava que “a arte literária é mimese (imitação); é a arte que imita pela palavra”. Geralmente a expressão “poesia” se aplica à estrutura de texto em versos.
Não devemos confundir esse dia com o Dia do Poeta que é comemorado no dia 20 de outubro, talvez pelas razões já expostas acima ( hemisférios ).
Fontes:
Com satisfação juntamos nesta página alguns sonetos brasileiros populares, aqueles que mais se identificaram ou se identificam com a preferência do povo, para prestarmos nossa homenagem ao Dia Mundial da Poesia.
SONETOS BRASILEIROS POPULARES
arquivo artculturalbrasil
Círculo Vicioso
Machado de Assis
(Rio de Janeiro – 1839-1908)
Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
- “Quem me dera que eu fosse aquela loura estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
- “Pudesse eu copiar o transparente lume
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!”
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:
- “Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal que toda luz resume!”
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
- “Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vagalume?”
A Carolina
(Machado de Assis)
Querida! Ao pé do leito derradeiro,
Machado de Assis
(Rio de Janeiro – 1839-1908)
Bailando no ar, gemia inquieto vagalume:
- “Quem me dera que eu fosse aquela loura estrela
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela!”
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:
- “Pudesse eu copiar o transparente lume
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!”
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:
- “Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela
Claridade imortal que toda luz resume!”
Mas o sol, inclinando a rútila capela:
- “Pesa-me esta brilhante auréola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vagalume?”
A Carolina
(Machado de Assis)
Querida! Ao pé do leito derradeiro,
Em que descansas desta longa vida,
Aqui venho, e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração de companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro...
Trago-te flores – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa separados;
Que eu, se tenho, nos olhos mal feridos,
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Celeste
Adelino Fontoura
(Maranhão – 1859-1884)
É tão divina a angélica aparência,
Aqui venho, e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração de companheiro.
Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro...
Trago-te flores – restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa separados;
Que eu, se tenho, nos olhos mal feridos,
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.
Celeste
Adelino Fontoura
(Maranhão – 1859-1884)
É tão divina a angélica aparência,
E a graça que ilumina o rosto dela,
Que eu concebera o tipo de inocência
Nessa criança imaculada e bela.
Peregrina no céu, pálida estrela
Exilada da etérea transparência,
Sua origem não pode ser aquela
Da nossa triste e mísera existência.
Tem a celeste e ingênua formosura
E a luminosa auréola sacrossanta
De uma visão do céu, cândida e pura
E, quando os olhos para o céu levanta,
Inundados de mística doçura,
Nem parece mulher – parece santa.
Pálida, à Luz da Lâmpada Sombria
Álvares de Azevedo
( São Paulo – 1831-1852)
Pálida, á luz da lâmpada sombria,
Que eu concebera o tipo de inocência
Nessa criança imaculada e bela.
Peregrina no céu, pálida estrela
Exilada da etérea transparência,
Sua origem não pode ser aquela
Da nossa triste e mísera existência.
Tem a celeste e ingênua formosura
E a luminosa auréola sacrossanta
De uma visão do céu, cândida e pura
E, quando os olhos para o céu levanta,
Inundados de mística doçura,
Nem parece mulher – parece santa.
Pálida, à Luz da Lâmpada Sombria
Álvares de Azevedo
( São Paulo – 1831-1852)
Pálida, á luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens de alvorada,
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...
Não te rias de mim meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
A Vingança da Porta
Alberto de Oliveira
( Rio de Janeiro – 1859-1937)
Era um hábito antigo que ele tinha:
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens de alvorada,
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...
Não te rias de mim meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti – nos sonhos morrerei sorrindo!
A Vingança da Porta
Alberto de Oliveira
( Rio de Janeiro – 1859-1937)
Era um hábito antigo que ele tinha:
Entrar dando com a porta nos batentes:
- “Que te fez esta porta?” – a mulher vinha
E interrogava. Ele, cerrando os dentes:
- “Nada! Traze o jantar!” Mas à noitinha
Calmava-se. Feliz, os inocentes
Olhos revê da filha, e a cabecinha
Lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes.
Uma vez, ao tornar à casa, quando
Erguia a aldraba, o coração lhe fala:
- “Entra mais devagar...” Pára, hesitando...
Nisso, nos gonzos range a velha porta:
Ri-se, escancara-se. E ele vê na sala
A mulher como doida e a filha morta!
Soneto
- “Que te fez esta porta?” – a mulher vinha
E interrogava. Ele, cerrando os dentes:
- “Nada! Traze o jantar!” Mas à noitinha
Calmava-se. Feliz, os inocentes
Olhos revê da filha, e a cabecinha
Lhe afaga, a rir, com as rudes mãos trementes.
Uma vez, ao tornar à casa, quando
Erguia a aldraba, o coração lhe fala:
- “Entra mais devagar...” Pára, hesitando...
Nisso, nos gonzos range a velha porta:
Ri-se, escancara-se. E ele vê na sala
A mulher como doida e a filha morta!
Soneto
Fagundes Varela
(Rio de Janeiro - 1841-1875)
Eu passava na vida errante e vago
(Rio de Janeiro - 1841-1875)
Eu passava na vida errante e vago
Como o nauta perdido em noite escura,
Mas tu te ergueste peregrina e pura
Como o cisne inspirado em manso lago.
Beijava a onda num soluço mago
Beijava a onda num soluço mago
Das moles plumas a brilhante alvura,
E a voz ungida de eternal doçura
Roçava as nuvens em divino afago.
Vi-te; e nas chamas de fervor profundo
Vi-te; e nas chamas de fervor profundo
A teus pés afoguei a mocidade
Esquecido de mim, de Deus, do mundo!
Mas ai! cedo fugiste!... da soidade,
Mas ai! cedo fugiste!... da soidade,
Hoje te imploro desse amor tão fundo
Uma idéia, uma queixa, uma saudade!
Desponta a estrela d'alva
Desponta a estrela d'alva
(Fagundes Varela)
Desponta a estrela d’alva, a noite morre.
Desponta a estrela d’alva, a noite morre.
Pulam no mato alígeros cantores,
E doce a brisa no arraial das flores
Lânguidas queixas murmurando corre.
Volúvel tribo a solidão percorre
Volúvel tribo a solidão percorre
Das borboletas de brilhantes cores;
Soluça o arroio; diz a rola amores
Nas verdes balsas donde o orvalho escorre.
Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma
Tudo é luz e esplendor; tudo se esfuma
Às carícias da aurora, ao céu risonho,
Ao flóreo bafo que o sertão perfuma!
Porém minh’alma triste e sem um sonho
Porém minh’alma triste e sem um sonho
Repete olhando o prado, o rio, a espuma:
- Oh! mundo encantador, tu és medonho!
Duas Almas
Alceu Wamosy
(R. G. do Sul – 1895-1923)
Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
Duas Almas
Alceu Wamosy
(R. G. do Sul – 1895-1923)
Ó tu, que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
Entra, e sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
Vives sozinha sempre, e nunca foste amada...
A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
E a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
Se banhem na nascente da alvorada.
E amanhã quando a luz do sol dourar, radiosa,
Essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
Podes partir de novo, ó nômade formosa!
Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua,
Hás de levar contigo uma saudade minha...
Anjo Enfermo
Afonso Celso
( Minas Gerais – 1860-1938)
Geme no berço, enferma, a criancinha,
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
Vives sozinha sempre, e nunca foste amada...
A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
E a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
Se banhem na nascente da alvorada.
E amanhã quando a luz do sol dourar, radiosa,
Essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
Podes partir de novo, ó nômade formosa!
Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua,
Hás de levar contigo uma saudade minha...
Anjo Enfermo
Afonso Celso
( Minas Gerais – 1860-1938)
Geme no berço, enferma, a criancinha,
Que não fala, não anda e já padece...
Penas assim cruéis, por que as merece
Quem mal entrando na existência vinha?!
Ó melindroso ser, ó filha minha!
Se os céus ouvissem a paterna prece,
E a mim o teu sofrer passar pudesse,
- Gozo me fora a dor que te espezinha.
Como te aperta a angústia o frágil peito!
E Deus, que tudo vê, não t’a extermina,
Deus que é bom, Deus que é pai, Deus que é perfeito!
Sim, é pai, mas – a crença nô-lo ensina:
- Se viu morrer Jesus, quando homem feito,
Nunca teve uma filha pequenina.
Estela e Nize
Alvarenga Peixoto
(Rio de Janeiro – 1744-1793)
Eu vi a linda Estela e, namorado,
Penas assim cruéis, por que as merece
Quem mal entrando na existência vinha?!
Ó melindroso ser, ó filha minha!
Se os céus ouvissem a paterna prece,
E a mim o teu sofrer passar pudesse,
- Gozo me fora a dor que te espezinha.
Como te aperta a angústia o frágil peito!
E Deus, que tudo vê, não t’a extermina,
Deus que é bom, Deus que é pai, Deus que é perfeito!
Sim, é pai, mas – a crença nô-lo ensina:
- Se viu morrer Jesus, quando homem feito,
Nunca teve uma filha pequenina.
Estela e Nize
Alvarenga Peixoto
(Rio de Janeiro – 1744-1793)
Eu vi a linda Estela e, namorado,
Fiz logo eterno voto de querê-la;
Mas vi depois a Nize, e a achei tão bela
Que merece igualmente o meu cuidado.
A qual escolherei, se neste neste estado
Não posso distinguir Nize de Estela?
Se Nize vier aqui, morro por ela;
Se Estela agora vier, fico abrasado.
Mas, ah! que aquela me despreza amante,
Pois sabe que estou preso em outros braços,
E esta não me quer, por inconstante.
Vem, Cupido, soltar-me destes laços:
- Faze de dois semblantes um semblante,
Ou divide o meu peito em dois pedaços!
O Cristo de Marfim
Antero Bloem
(São Paulo – 1878-1919)
Quando depões sobre o teu Cristo amado,
Mas vi depois a Nize, e a achei tão bela
Que merece igualmente o meu cuidado.
A qual escolherei, se neste neste estado
Não posso distinguir Nize de Estela?
Se Nize vier aqui, morro por ela;
Se Estela agora vier, fico abrasado.
Mas, ah! que aquela me despreza amante,
Pois sabe que estou preso em outros braços,
E esta não me quer, por inconstante.
Vem, Cupido, soltar-me destes laços:
- Faze de dois semblantes um semblante,
Ou divide o meu peito em dois pedaços!
O Cristo de Marfim
Antero Bloem
(São Paulo – 1878-1919)
Quando depões sobre o teu Cristo amado,
- Esse Cristo que pende de teu peito,
Ungido de ternura e de respeito –
Um beijo de teu lábio imaculado,
Eu, sacrílego, sinto-me levado
- Ou seja por inveja, ou por despeito –
A arrebatar o Cristo do teu peito
E em teu peito morrer cruxificado.
Mas quando vejo, do teu lábio crente,
Cair sobre Jesus a prece ardente,
Talvez por nosso amor, talvez por mim,
Ardo na chama intensa dos desejos
De, arrependido, sufocar meus beijos
Nesse teu alvo Cristo de Marfim.
Ouvir Estrelas
Olavo Bilac
(Rio de Janeiro – 1865-1918)
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,
Ungido de ternura e de respeito –
Um beijo de teu lábio imaculado,
Eu, sacrílego, sinto-me levado
- Ou seja por inveja, ou por despeito –
A arrebatar o Cristo do teu peito
E em teu peito morrer cruxificado.
Mas quando vejo, do teu lábio crente,
Cair sobre Jesus a prece ardente,
Talvez por nosso amor, talvez por mim,
Ardo na chama intensa dos desejos
De, arrependido, sufocar meus beijos
Nesse teu alvo Cristo de Marfim.
Ouvir Estrelas
Olavo Bilac
(Rio de Janeiro – 1865-1918)
“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda noite, enquanto
A Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: - “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi. – “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.
Maldição
(Olavo Bilac)
Se por vinte anos, nesta furna escura,
Que para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda noite, enquanto
A Via-Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: - “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”
E eu vos direi. – “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.
Maldição
(Olavo Bilac)
Se por vinte anos, nesta furna escura,
Deixei dormir a minha maldição,
- Hoje, velha e cansada da amargura,
Minha alma se abrirá como um vulcão.
E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...
Maldita sejas pelo ideal perdido!
Pelo mal que me fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!
Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!...
O Enterro da Cigarra
Olegário Mariano
( Pernambuco – 1889-1959)
As formigas levavam-na... Chovia...
- Hoje, velha e cansada da amargura,
Minha alma se abrirá como um vulcão.
E, em torrentes de cólera e loucura,
Sobre a tua cabeça ferverão
Vinte anos de silêncio e de tortura,
Vinte anos de agonia e solidão...
Maldita sejas pelo ideal perdido!
Pelo mal que me fizeste sem querer!
Pelo amor que morreu sem ter nascido!
Pelas horas vividas sem prazer!
Pela tristeza do que eu tenho sido!
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!...
O Enterro da Cigarra
Olegário Mariano
( Pernambuco – 1889-1959)
As formigas levavam-na... Chovia...
Era o fim... Triste outono fumarento!...
Perto, uma fonte, em suave movimento,
Cantigas de água trêmula carpia.
Quando eu a conheci ela trazia
Na voz um triste e doloroso acento
Era a cigarra de maior talento
Mais cantadeira desta freguesia.
Passa o cortejo entre árvores amigas...
Que tristeza nas folhas... Que tristeza!
Que alegria nos olhos das formigas!...
Pobre cigarra! Quando te levavam,
Enquanto te chorava a Natureza
Tuas irmãs e tua mãe cantavam...
Os Cisnes
Júlio Salusse
(Rio de Janeiro – 1872-1948)
A vida, manso lago azul, algumas
Perto, uma fonte, em suave movimento,
Cantigas de água trêmula carpia.
Quando eu a conheci ela trazia
Na voz um triste e doloroso acento
Era a cigarra de maior talento
Mais cantadeira desta freguesia.
Passa o cortejo entre árvores amigas...
Que tristeza nas folhas... Que tristeza!
Que alegria nos olhos das formigas!...
Pobre cigarra! Quando te levavam,
Enquanto te chorava a Natureza
Tuas irmãs e tua mãe cantavam...
Os Cisnes
Júlio Salusse
(Rio de Janeiro – 1872-1948)
A vida, manso lago azul, algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido, para nós, constantemente,
Um lago azul, sem ondas, sem espumas.
Sobre ele, quando, desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol vermelho e quente,
Nós dois vagamos, indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.
Um dia, um cisne morrerá, por certo:
Quando chegar esse momento incerto,
No lago, onde talvez a água se tisne,
Que o cisne vivo, cheio de saudade,
Nunca mais cante, nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado de outro cisne!...
O Acendedor de Lampiões
Jorge de Lima
(Alagoas – 1895 – 1953)
Lá vem o acendedor de lampiões de rua!
Tem sido, para nós, constantemente,
Um lago azul, sem ondas, sem espumas.
Sobre ele, quando, desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol vermelho e quente,
Nós dois vagamos, indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.
Um dia, um cisne morrerá, por certo:
Quando chegar esse momento incerto,
No lago, onde talvez a água se tisne,
Que o cisne vivo, cheio de saudade,
Nunca mais cante, nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado de outro cisne!...
O Acendedor de Lampiões
Jorge de Lima
(Alagoas – 1895 – 1953)
Lá vem o acendedor de lampiões de rua!
Esse mesmo que vem, invariavelmente,
Parodiar o sol e associar-se à lua,
Quando a sombra da noite enegrece o poente.
Um, dois, três lampiões acende e continua
Outros mais a acender, imperturbavelmente,
À medida que a noite, aos poucos, se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.
Triste ironia atroz que o senso humano irrita!
Ele, que doura a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana que habita.
Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religião, amor, felicidade,
Como esse acendedor de lampiões de rua!
Mal Secreto
Raimundo Correia
(Maranhão – 1860-1911)
Se a cólera que espuma, a dor que mora
Parodiar o sol e associar-se à lua,
Quando a sombra da noite enegrece o poente.
Um, dois, três lampiões acende e continua
Outros mais a acender, imperturbavelmente,
À medida que a noite, aos poucos, se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.
Triste ironia atroz que o senso humano irrita!
Ele, que doura a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana que habita.
Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religião, amor, felicidade,
Como esse acendedor de lampiões de rua!
Mal Secreto
Raimundo Correia
(Maranhão – 1860-1911)
Se a cólera que espuma, a dor que mora
Nalma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;
Se se pudesse o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!
Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!
Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!
Ser Mãe
Tudo que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;
Se se pudesse o espírito que chora
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!
Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!
Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!
Ser Mãe
Coelho Neto
(Maranhão – 1864-1934)
Ser mãe é desdobrar fibra por fibra
O coração! Ser mãe é ter no alheio
Lábio, que suga, o pedestal do seio,
Onde a vida, onde o amor cantando vibra.
Ser mãe é ser um anjo que se libra,
Sobre um berço dormindo! É ser anseio,
É ser temeridade, é ser receio,
É ser força que os males equilibra!
Todo bem que a mãe goza é bem do filho,
Espelho em que se mira afortunada,
Luz que lhe põe nos olhos novo brilho!
Ser mãe é andar chorando num sorriso!
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada!
Ser mãe é padecer num paraíso!...
Versos Íntimos
(Maranhão – 1864-1934)
Ser mãe é desdobrar fibra por fibra
O coração! Ser mãe é ter no alheio
Lábio, que suga, o pedestal do seio,
Onde a vida, onde o amor cantando vibra.
Ser mãe é ser um anjo que se libra,
Sobre um berço dormindo! É ser anseio,
É ser temeridade, é ser receio,
É ser força que os males equilibra!
Todo bem que a mãe goza é bem do filho,
Espelho em que se mira afortunada,
Luz que lhe põe nos olhos novo brilho!
Ser mãe é andar chorando num sorriso!
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada!
Ser mãe é padecer num paraíso!...
Versos Íntimos
Augusto dos Anjos
(Paraíba – 1884-1914)
Vês? Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera
Somente a ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente a inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Vandalismo
(Augusto dos Anjos)
Meu coração tem catedrais imensas,
(Paraíba – 1884-1914)
Vês? Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera
Somente a ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente a inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Vandalismo
(Augusto dos Anjos)
Meu coração tem catedrais imensas,
Templos de priscas e longínquas datas,
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas,
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.
Com os velhos Templários medievais,
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...
E, erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas,
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
“Ricordanza della mia gioventù”
(Augusto dos Anjos)
A minha ama de leite Guilhermina
Onde um nume de amor, em serenatas,
Canta a aleluia virginal das crenças.
Na ogiva fúlgida e nas colunatas
Vertem lustrais irradiações intensas,
Cintilações de lâmpadas suspensas
E as ametistas e os florões e as pratas.
Com os velhos Templários medievais,
Entrei um dia nessas catedrais
E nesses templos claros e risonhos...
E, erguendo os gládios e brandindo as hastas,
No desespero dos iconoclastas,
Quebrei a imagem dos meus próprios sonhos!
“Ricordanza della mia gioventù”
(Augusto dos Anjos)
A minha ama de leite Guilhermina
Furtava as moedas que o Doutor me dava,
Sinhá-Mocinha, minha Mãe, ralhava...
Via naquilo a minha própria ruína!
Minha ama, então, hipócrita, afetava
Suscetibilidades de menina:
- “Não, não fora ela!” – E maldizia a sina,
Que ela, absolutamente, não furtava.
Vejo, entretanto, agora, em minha cama,
Que a mim somente cabe o furto feito...
Tu só furtaste a moeda, o ouro que brilha...
Furtaste a moeda só, mas eu, minha ama,
Eu furtei mais, porque furtei o peito
Que dava leite para tua filha!
Dulce
Castro Alves
(Bahia – 1847-1871)
Se houvesse ainda talismã bendito
Sinhá-Mocinha, minha Mãe, ralhava...
Via naquilo a minha própria ruína!
Minha ama, então, hipócrita, afetava
Suscetibilidades de menina:
- “Não, não fora ela!” – E maldizia a sina,
Que ela, absolutamente, não furtava.
Vejo, entretanto, agora, em minha cama,
Que a mim somente cabe o furto feito...
Tu só furtaste a moeda, o ouro que brilha...
Furtaste a moeda só, mas eu, minha ama,
Eu furtei mais, porque furtei o peito
Que dava leite para tua filha!
Dulce
Castro Alves
(Bahia – 1847-1871)
Se houvesse ainda talismã bendito
Que desse ao pântano – a corrente pura,
Musgo – ao rochedo, festa – à sepultura,
Das águias negras – harmonia ao grito...
Se alguém pudesse ao infeliz precito
Dar lugar no banquete da ventura...
E trocar-lhe o velar da insônia escura
No poema dos beijos – infinito...
Certo... serias tu, donzela casta,
Quem me tomasse em meio do Calvário
A cruz de angústia que o meu ser arrasta!...
Mas se tudo recusa-me o fadário,
Na hora de expirar, ó Dulce, basta
Morrer beijando a cruz de teu rosário!...
Acrobata da Dor
Cruz e Sousa
(Santa Catarina – 1861-1898)
Gargalha, ri, num riso de tormento,
Musgo – ao rochedo, festa – à sepultura,
Das águias negras – harmonia ao grito...
Se alguém pudesse ao infeliz precito
Dar lugar no banquete da ventura...
E trocar-lhe o velar da insônia escura
No poema dos beijos – infinito...
Certo... serias tu, donzela casta,
Quem me tomasse em meio do Calvário
A cruz de angústia que o meu ser arrasta!...
Mas se tudo recusa-me o fadário,
Na hora de expirar, ó Dulce, basta
Morrer beijando a cruz de teu rosário!...
Acrobata da Dor
Cruz e Sousa
(Santa Catarina – 1861-1898)
Gargalha, ri, num riso de tormento,
Como um palhaço que, desengonçado,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.
De gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita guizos e, convulsionado,
Salta, gavroche, salta, “clown”, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta...
Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas de aço...
E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente,
Ri, Coração, tristíssimo palhaço!
Longe da Vista
Guilherme de Almeida
(São Paulo – 1890-1969)
Vou partir, vais ficar. “Longe da vista,
Nervoso, ri, num riso absurdo, inflado
De uma ironia e de uma dor violenta.
De gargalhada atroz, sanguinolenta,
Agita guizos e, convulsionado,
Salta, gavroche, salta, “clown”, varado
Pelo estertor dessa agonia lenta...
Pedem-te bis e um bis não se despreza!
Vamos! retesa os músculos, retesa
Nessas macabras piruetas de aço...
E embora caias sobre o chão, fremente,
Afogado em teu sangue estuoso e quente,
Ri, Coração, tristíssimo palhaço!
Longe da Vista
Guilherme de Almeida
(São Paulo – 1890-1969)
Vou partir, vais ficar. “Longe da vista,
Longe do coração” – diz o ditado.
Basta, porém, que o nosso amor exista,
Para que eu parta e fiques sem cuidado.
Dentro em mim mesmo, o coração egoísta,
Quanto mais longe, mais te quer ao lado;
Tanto mais te ama, quanto mais te avista
E, antes de ver-te, já te havia amado.
Vou partir. Para longe? Para perto?
- Não sei: longe de ti tudo é deserto
E todas as distâncias são iguais.
Como eu quisera que, na despedida,
Quando se unissem nossas mãos, querida,
Nunca pudessem desunir-se mais!
Felicidade
(Guilherme de Almeida)
Ela veio bater à minha porta
Basta, porém, que o nosso amor exista,
Para que eu parta e fiques sem cuidado.
Dentro em mim mesmo, o coração egoísta,
Quanto mais longe, mais te quer ao lado;
Tanto mais te ama, quanto mais te avista
E, antes de ver-te, já te havia amado.
Vou partir. Para longe? Para perto?
- Não sei: longe de ti tudo é deserto
E todas as distâncias são iguais.
Como eu quisera que, na despedida,
Quando se unissem nossas mãos, querida,
Nunca pudessem desunir-se mais!
Felicidade
(Guilherme de Almeida)
Ela veio bater à minha porta
E falou-me, a sorrir, subindo a escada:
- “Bom dia, árvore velha e desfolhada!”
E eu respondi: - “Bom dia, folha morta!”
Entrou: e nunca mais me disse nada...
Até que um dia (quando, pouco importa!)
Houve canções na ramaria torta
E houve bandos de noivos pela estrada...
Então chamou-me e disse: - “Vou-me embora!
Sou a felicidade... Vive agora
Da lembrança do muito que te fiz!”
E foi assim que, em plena primavera,
Só quando ela partiu contou quem era...
E nunca mais eu me senti feliz!
Dor oculta
(Guilherme de Almeida)
Quando uma nuvem nômade destila
- “Bom dia, árvore velha e desfolhada!”
E eu respondi: - “Bom dia, folha morta!”
Entrou: e nunca mais me disse nada...
Até que um dia (quando, pouco importa!)
Houve canções na ramaria torta
E houve bandos de noivos pela estrada...
Então chamou-me e disse: - “Vou-me embora!
Sou a felicidade... Vive agora
Da lembrança do muito que te fiz!”
E foi assim que, em plena primavera,
Só quando ela partiu contou quem era...
E nunca mais eu me senti feliz!
Dor oculta
(Guilherme de Almeida)
Quando uma nuvem nômade destila
Gotas, roçando a crista azul da serra,
Umas brincam na relva; outras, tranqüila,
Serenamente entranham-se na terra.
E a gente fala da gotinha que erra
De folha em folha e, trêmula, cintila,
Mas nem se lembra da que o solo encerra,
Da que ficou no coração da argila.
Quanta gente que zomba do desgosto
Mudo, da angústia que não molha o rosto
E que não tomba, em gotas, pelo chão.
Havia de chorar, se adivinhasse
Que há lágrimas que correm pela face
E outras que rolam pelo coração!
Visita à Casa Paterna
Luiz Guimarães Júnior
(Rio de Janeiro – 1845-1898)
Como a ave que volta ao ninho antigo,
Umas brincam na relva; outras, tranqüila,
Serenamente entranham-se na terra.
E a gente fala da gotinha que erra
De folha em folha e, trêmula, cintila,
Mas nem se lembra da que o solo encerra,
Da que ficou no coração da argila.
Quanta gente que zomba do desgosto
Mudo, da angústia que não molha o rosto
E que não tomba, em gotas, pelo chão.
Havia de chorar, se adivinhasse
Que há lágrimas que correm pela face
E outras que rolam pelo coração!
Visita à Casa Paterna
Luiz Guimarães Júnior
(Rio de Janeiro – 1845-1898)
Como a ave que volta ao ninho antigo,
Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo.
Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
O fantasma, talvez, do amor materno,
Tomou-me as mãos, olhou-me grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.
Era esta sala... (Ó se me lembro! e quanto!)
Em que da luz noturna à claridade,
Minhas irmãs e minha mãe... O pranto
Jorrou-me em ondas... Resistir quem há-de?
- Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade...
O Filho
(Luiz Guimarães Júnior)
A vida dele era uma gargalhada,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo.
Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,
O fantasma, talvez, do amor materno,
Tomou-me as mãos, olhou-me grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.
Era esta sala... (Ó se me lembro! e quanto!)
Em que da luz noturna à claridade,
Minhas irmãs e minha mãe... O pranto
Jorrou-me em ondas... Resistir quem há-de?
- Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade...
O Filho
(Luiz Guimarães Júnior)
A vida dele era uma gargalhada,
A vida dela um pranto. Ela chorava
Sob o cruel trabalho que a matava,
Ele ria na tasca enfumaçada.
Jamais nos lábios dela a asa dourada
De um soririso passou: jamais na cava
E horrenda face dele resvalava
Sequer de um pranto a pérola nevada.
Mas Deus, que deu à entranha de Maria
O Redentor dos homens, Deus lhe fez
Uma esmola: - Deus fê-los pais um dia;
E, enfim, beijando ao filho os níveos pés,
Pela primeira vez ela sorria,
E ele chorou pela primeira vez.
História Antiga
Raul de Leoni
(Petrópolis – 1895-1926)
No meu grande otimismo de inocente
Sob o cruel trabalho que a matava,
Ele ria na tasca enfumaçada.
Jamais nos lábios dela a asa dourada
De um soririso passou: jamais na cava
E horrenda face dele resvalava
Sequer de um pranto a pérola nevada.
Mas Deus, que deu à entranha de Maria
O Redentor dos homens, Deus lhe fez
Uma esmola: - Deus fê-los pais um dia;
E, enfim, beijando ao filho os níveos pés,
Pela primeira vez ela sorria,
E ele chorou pela primeira vez.
História Antiga
Raul de Leoni
(Petrópolis – 1895-1926)
No meu grande otimismo de inocente
Eu nunca soube por que foi... Um dia,
Ela me olhou indiferentemente;
Perguntei-lhe por que era... Não sabia...
Desde então, transformou-se, de repente,
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para a frente...
Nunca mais nos falamos... vai distante...
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa...
E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la...
Ingratidão
(Raul de Leoni)
Nunca mais me esqueci!... Eu era criança
Ela me olhou indiferentemente;
Perguntei-lhe por que era... Não sabia...
Desde então, transformou-se, de repente,
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para a frente...
Nunca mais nos falamos... vai distante...
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa...
E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la...
Ingratidão
(Raul de Leoni)
Nunca mais me esqueci!... Eu era criança
E, em meu velho quintal, ao sol-nascente
Plantei com minha mão ingênua e mansa,
Uma linda amendoeira adolescente.
Era a mais rútila e íntima esperança...
Cresceu... cresceu... e, aos poucos suavemente,
Pendeu os ramos sobre um muro em frente
E foi frutificar na vizinhança...
Daí por diante, pela vida inteira,
Todas as grandes árvores que em minhas
Terras, num sonho esplêndido semeio,
Como aquela magnífica amendoeira,
Eflorescem nas chácaras vizinhas
E vão dar frutos no pomar alheio...
Argila
(Raul de Leoni)
Nascemos um para o outro dessa argila
Plantei com minha mão ingênua e mansa,
Uma linda amendoeira adolescente.
Era a mais rútila e íntima esperança...
Cresceu... cresceu... e, aos poucos suavemente,
Pendeu os ramos sobre um muro em frente
E foi frutificar na vizinhança...
Daí por diante, pela vida inteira,
Todas as grandes árvores que em minhas
Terras, num sonho esplêndido semeio,
Como aquela magnífica amendoeira,
Eflorescem nas chácaras vizinhas
E vão dar frutos no pomar alheio...
Argila
(Raul de Leoni)
Nascemos um para o outro dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;
Tens legendas pagãs nas carnes claras,
E eu tenho a alma dos faunos na pupila...
Ás belezas heróicas te comparas
E em mim a luz olímpica cintila.
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranqüila...
É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção profundo,
Que (ouço de longe o oráculo de Elêusis),
- Se, um dia, eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo
E do teu ventre nasceriam deuses...
Morrer... Dormir...
Francisco Otaviano
(Rio de Janeiro – 1825-1889)
Morrer... dormir... não mais! Termina a vida
Tens legendas pagãs nas carnes claras,
E eu tenho a alma dos faunos na pupila...
Ás belezas heróicas te comparas
E em mim a luz olímpica cintila.
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranqüila...
É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção profundo,
Que (ouço de longe o oráculo de Elêusis),
- Se, um dia, eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo
E do teu ventre nasceriam deuses...
Morrer... Dormir...
Francisco Otaviano
(Rio de Janeiro – 1825-1889)
Morrer... dormir... não mais! Termina a vida
E com ela terminam nossas dores:
Um punhado de terra, algumas flores,
E às vezes uma lágrima fingida!
Sim! Minha morte não será sentida;
Não deixo amigos, e nem tive amores,
Ou, se os tive, mostraram-se traidores,
Algozes vis de uma alma consumida.
Tudo é pobre no mundo. Que me importa
Que ele amanhã se esbroe e que desabe,
Se a natureza para mim é morta!
É tempo já que o meu exílio acabe...
Vem, pois, ó Morte, ao nada me transporta!
Morrer... dormir... talvez sonhar... quem sabe?
Eu faço versos
Mário Quintana
(Alegrete/RS – 1906-1994)
Eu faço versos como os saltimbancos
Um punhado de terra, algumas flores,
E às vezes uma lágrima fingida!
Sim! Minha morte não será sentida;
Não deixo amigos, e nem tive amores,
Ou, se os tive, mostraram-se traidores,
Algozes vis de uma alma consumida.
Tudo é pobre no mundo. Que me importa
Que ele amanhã se esbroe e que desabe,
Se a natureza para mim é morta!
É tempo já que o meu exílio acabe...
Vem, pois, ó Morte, ao nada me transporta!
Morrer... dormir... talvez sonhar... quem sabe?
Eu faço versos
Mário Quintana
(Alegrete/RS – 1906-1994)
Eu faço versos como os saltimbancos
Desconjuntam os ossos doloridos
A entrada é livre para os conhecidos...
Sentai, Amadas, nos primeiros bancos!
Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos...
Olhai o coração que, entre gemidos,
Giro na ponta dos meus dedos brancos.
“Meu Deus! Mas tu não mudas o programa!”
- Protesta a clara voz das Bem-Amadas –
“Que tédio!” – o coro dos Amigos clama.
“Mas que vos dar de novo e de imprevisto?”
- Digo... e retorço as pobres mãos cansadas:
“Eu sei chorar... Eu sei sofrer... Só isto!”
Na minha rua há um menino doente
(Mário Quintana)
Na minha rua há um menino doente,
A entrada é livre para os conhecidos...
Sentai, Amadas, nos primeiros bancos!
Vão começar as convulsões e arrancos
Sobre os velhos tapetes estendidos...
Olhai o coração que, entre gemidos,
Giro na ponta dos meus dedos brancos.
“Meu Deus! Mas tu não mudas o programa!”
- Protesta a clara voz das Bem-Amadas –
“Que tédio!” – o coro dos Amigos clama.
“Mas que vos dar de novo e de imprevisto?”
- Digo... e retorço as pobres mãos cansadas:
“Eu sei chorar... Eu sei sofrer... Só isto!”
Na minha rua há um menino doente
(Mário Quintana)
Na minha rua há um menino doente,
Enquanto os outros partem para a escola;
Junto à janela, sonhadoramente,
Ele ouve o sapateiro bater sola.
Ouve, também, o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola
E, pouco a pouco, gradativamente,
O sofrimento, que ele tem, se evola.
Mas, nesta rua, há um operário triste:
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe...
Ele trabalha silenciosamente...
E está compondo este soneto agora
Para a alma boa do menino doente...
Tardes Borralheiras
(Mário Quintana)
Triste encanto das tardes borralheiras
Junto à janela, sonhadoramente,
Ele ouve o sapateiro bater sola.
Ouve, também, o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola
E, pouco a pouco, gradativamente,
O sofrimento, que ele tem, se evola.
Mas, nesta rua, há um operário triste:
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe...
Ele trabalha silenciosamente...
E está compondo este soneto agora
Para a alma boa do menino doente...
Tardes Borralheiras
(Mário Quintana)
Triste encanto das tardes borralheiras
Que enchem de cinza o coração da gente!
A tarde lembra um passarinho doente
A pipilar os pingos das goteiras...
A tarde pobre, fica horas inteiras,
A espiar pelas vidraças, tristemente,
O crepitar das brasas na lareira...
Meu Deus... o frio que a pobrezinha sente!
Por que é que esses Arcanjos neurastênicos
Só usam névoa em seus efeitos cênicos?
Nenhum azul para te distraíres...
Ah, se eu pudesse, tardezinha pobre,
Eu pintava trezentos arco-íris
Nesse tristonho céu que nos encobre!...
Artista
Mário de Andrade
(São Paulo – 1893-1945)
O meu desejo é ser pintor – Leonardo,
A tarde lembra um passarinho doente
A pipilar os pingos das goteiras...
A tarde pobre, fica horas inteiras,
A espiar pelas vidraças, tristemente,
O crepitar das brasas na lareira...
Meu Deus... o frio que a pobrezinha sente!
Por que é que esses Arcanjos neurastênicos
Só usam névoa em seus efeitos cênicos?
Nenhum azul para te distraíres...
Ah, se eu pudesse, tardezinha pobre,
Eu pintava trezentos arco-íris
Nesse tristonho céu que nos encobre!...
Artista
Mário de Andrade
(São Paulo – 1893-1945)
O meu desejo é ser pintor – Leonardo,
Cujo ideal em piedades se acrisola;
Fazendo abrir-se ao mundo a ampla corola
Do sonho ilustre que em meu peito guardo...
Meu anseio é, trazendo ao fundo pardo
Da vida, a cor da veneziana escola,
Dar tons de rosa e de ouro, por esmola,
E quanto houver de penedia ou cardo.
Quando encontrar o manancial das tintas
E os pincéis exaltados com que pintas,
Veronese! teus quadros e teus frisos,
Irei morar onde as Desgraças moram:
E viverei de colorir sorrisos
Nos lábios dos que imprecam ou que choram!
Quarenta Anos
(Mário de Andrade)
A vida é para mim, está se vendo,
Fazendo abrir-se ao mundo a ampla corola
Do sonho ilustre que em meu peito guardo...
Meu anseio é, trazendo ao fundo pardo
Da vida, a cor da veneziana escola,
Dar tons de rosa e de ouro, por esmola,
E quanto houver de penedia ou cardo.
Quando encontrar o manancial das tintas
E os pincéis exaltados com que pintas,
Veronese! teus quadros e teus frisos,
Irei morar onde as Desgraças moram:
E viverei de colorir sorrisos
Nos lábios dos que imprecam ou que choram!
Quarenta Anos
(Mário de Andrade)
A vida é para mim, está se vendo,
Uma felicidade sem repouso;
Eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo
Só pode ser medido em se sofrendo.
Bem sei que tudo é engano, mas, sabendo
Disso, persisto em me enganar... Eu ouso
Dizer que a vida foi o bem precioso
Que eu adorei. Foi meu pecado... Horrendo
Seria, agora que a velhice avança,
Que me sinto completo e além da sorte,
Me agarrar a esta vida fementida.
Vou fazer do meu fim minha esperança,
Ó sono, vem!... Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida.
Risália
Eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo
Só pode ser medido em se sofrendo.
Bem sei que tudo é engano, mas, sabendo
Disso, persisto em me enganar... Eu ouso
Dizer que a vida foi o bem precioso
Que eu adorei. Foi meu pecado... Horrendo
Seria, agora que a velhice avança,
Que me sinto completo e além da sorte,
Me agarrar a esta vida fementida.
Vou fazer do meu fim minha esperança,
Ó sono, vem!... Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida.
Risália
Belmiro Braga
(Juiz de Fora – 1872-1937)
Se ouvires, a sonhar, uns vãos rumores,
Não são as aves festejando o dia:
- São os últimos gritos que te envia
Meu triste coração, morto de amores...
Se sentires uns tépidos olores,
Não penses que é o rosal que te inebria:
- É a minha alma nas ânsias da agonia
Que, só por te beijar, se muda em flores...
Se vires baloiçar as níveas gazas
Do docel de teu leito, não te afoites,
Nem te assustes, querida! São meus zelos
Que vão, de leve, sacudindo as asas,
Carinhosos, beijar, todas as noites,
Teus olhos, tua fronte e teus cabelos...
A um Pintassilgo
(Belmiro Braga)
Por que vens tu cantar, ó passarinho,
(Juiz de Fora – 1872-1937)
Se ouvires, a sonhar, uns vãos rumores,
Não são as aves festejando o dia:
- São os últimos gritos que te envia
Meu triste coração, morto de amores...
Se sentires uns tépidos olores,
Não penses que é o rosal que te inebria:
- É a minha alma nas ânsias da agonia
Que, só por te beijar, se muda em flores...
Se vires baloiçar as níveas gazas
Do docel de teu leito, não te afoites,
Nem te assustes, querida! São meus zelos
Que vão, de leve, sacudindo as asas,
Carinhosos, beijar, todas as noites,
Teus olhos, tua fronte e teus cabelos...
A um Pintassilgo
(Belmiro Braga)
Por que vens tu cantar, ó passarinho,
Por entre as folhas úmidas de orvalho,
No flóreo jasmineiro meu vizinho
E mesmo em frente à mesa onde eu trabalho?
Por que não vais vigiar teu fofo ninho
(Não te zangues comigo, eu não te ralho)
A baloiçar à margem do caminho,
Qual rosa escura num recurvo galho?
Tu tens em que cuidar; por isso, voa
E deixa-me sozinho... Esse teu canto,
Embora sendo alegre, me magoa...
Não te demoras, vai! Deixa-me agora,
Que o teu gorjeio me faz mal, porquanto
Nunca se canta ao lado de quem chora...
O verbo amar
J.G. de Araújo Jorge
(Acre – 1914 – 1987)
Te amei: era de longe que te olhava
No flóreo jasmineiro meu vizinho
E mesmo em frente à mesa onde eu trabalho?
Por que não vais vigiar teu fofo ninho
(Não te zangues comigo, eu não te ralho)
A baloiçar à margem do caminho,
Qual rosa escura num recurvo galho?
Tu tens em que cuidar; por isso, voa
E deixa-me sozinho... Esse teu canto,
Embora sendo alegre, me magoa...
Não te demoras, vai! Deixa-me agora,
Que o teu gorjeio me faz mal, porquanto
Nunca se canta ao lado de quem chora...
O verbo amar
J.G. de Araújo Jorge
(Acre – 1914 – 1987)
Te amei: era de longe que te olhava
E de longe me olhavas vagamente...
Ah, quanta coisa nesse tempo a gente
Sente, que a alma da gente faz escrava.
Te amava: como inquieto adolescente,
Tremendo ao te enlaçar, e te enlaçava
Adivinhando esse mistério ardente
Do mundo, em cada beijo que te dava.
Te amo: e ao te amar assim vou conjugando
Os tempos todos desse amor, enquanto
Segue a vida, vivendo, e eu, vou te amando...
Te amar: é mais que em verbo é a minha lei,
E é por ti que o repito no meu canto:
Te amei, te amava, te amo e te amarei!
A Dor Maior
Ah, quanta coisa nesse tempo a gente
Sente, que a alma da gente faz escrava.
Te amava: como inquieto adolescente,
Tremendo ao te enlaçar, e te enlaçava
Adivinhando esse mistério ardente
Do mundo, em cada beijo que te dava.
Te amo: e ao te amar assim vou conjugando
Os tempos todos desse amor, enquanto
Segue a vida, vivendo, e eu, vou te amando...
Te amar: é mais que em verbo é a minha lei,
E é por ti que o repito no meu canto:
Te amei, te amava, te amo e te amarei!
A Dor Maior
(J.G. de Araújo Jorge)
"Não quis julgar-te fútil nem banal
E chamei-te de criança tão-somente,
- Reconheço, no entanto, infelizmente,
Que, porque te quis bem, julguei-te mal.
Pensei até, ( e o fiz ingenuamente...)
Ter encontrado a companheira ideal...
Quis julgar-te das outras diferente,
E és como as outras todas afinal...
Hoje, uma dor estranha me consome
E um sentimento a que não sei dar nome
Faz-me sofrer, se lembro o amor perdido...
A dor maior... A maior dor, no entanto,
Vem de pensar de ter-te amado tantos
Em que ao menos tivesses merecido!...
" Desfolhando "
(J.G. de Araújo Jorge)
Essa boca, pequena, e assim vermelha,
"Não quis julgar-te fútil nem banal
E chamei-te de criança tão-somente,
- Reconheço, no entanto, infelizmente,
Que, porque te quis bem, julguei-te mal.
Pensei até, ( e o fiz ingenuamente...)
Ter encontrado a companheira ideal...
Quis julgar-te das outras diferente,
E és como as outras todas afinal...
Hoje, uma dor estranha me consome
E um sentimento a que não sei dar nome
Faz-me sofrer, se lembro o amor perdido...
A dor maior... A maior dor, no entanto,
Vem de pensar de ter-te amado tantos
Em que ao menos tivesses merecido!...
" Desfolhando "
(J.G. de Araújo Jorge)
Essa boca, pequena, e assim vermelha,
Que ao botão de uma rosa se assemelha,
- Quanta vez provocava os meus desejos
Desabrochando em flor entre os meus beijos...
Essa boca, pequena e mentirosa,
Que diz, tanta mentira cor-de-rosa,
- Era a taça de amor onde eu saciava
Toda a ansiedade da minha alma escrava ...
Beijando-a, compreendia que eras minha...
Meu amor transformava-te em rainha,
Teu amor me fazia mais que um rei...
Agora, tu fugiste... E eu sofro, quando
Vejo um outro em teus lábios desfolhando
A mesma rosa que eu desabrochei!...
Ser Feliz!
- Quanta vez provocava os meus desejos
Desabrochando em flor entre os meus beijos...
Essa boca, pequena e mentirosa,
Que diz, tanta mentira cor-de-rosa,
- Era a taça de amor onde eu saciava
Toda a ansiedade da minha alma escrava ...
Beijando-a, compreendia que eras minha...
Meu amor transformava-te em rainha,
Teu amor me fazia mais que um rei...
Agora, tu fugiste... E eu sofro, quando
Vejo um outro em teus lábios desfolhando
A mesma rosa que eu desabrochei!...
Ser Feliz!
Menotti del Picchia
(São Paulo – 1892 – 1988)
Ser feliz! Ser feliz estava em mim, Senhora...
Este sonho que ergui, o poderia pôr
Onde quisesse, longe até da minha dor,
Em um lugar qualquer onde a ventura mora;
Onde, quando o buscasse, o encontrasse a toda hora,
Tivesse-o em minhas mãos... Mas, louco sonhador,
Eu coloquei muito alto o meu sonho de amor:
Guardei-o em vosso olhar e me arrependo agora.
O homem foi sempre assim... Em sua ingenuidade,
Teme levar consigo o próprio sonho, a esmo,
E oculta-o, sem saber se depois o achará...
E, quando vai buscar sua felicidade,
Ele, que poderia encontrá-la em si mesmo,
Escondeu-a tão bem que não sabe onde está!
Bosque
(Menotti del Picchia)
Também, como esse bosque eu tive, outrora,
(São Paulo – 1892 – 1988)
Ser feliz! Ser feliz estava em mim, Senhora...
Este sonho que ergui, o poderia pôr
Onde quisesse, longe até da minha dor,
Em um lugar qualquer onde a ventura mora;
Onde, quando o buscasse, o encontrasse a toda hora,
Tivesse-o em minhas mãos... Mas, louco sonhador,
Eu coloquei muito alto o meu sonho de amor:
Guardei-o em vosso olhar e me arrependo agora.
O homem foi sempre assim... Em sua ingenuidade,
Teme levar consigo o próprio sonho, a esmo,
E oculta-o, sem saber se depois o achará...
E, quando vai buscar sua felicidade,
Ele, que poderia encontrá-la em si mesmo,
Escondeu-a tão bem que não sabe onde está!
Bosque
(Menotti del Picchia)
Também, como esse bosque eu tive, outrora,
Na alma, um bosque cerrado de emoções.
As palmeiras das minhas ilusões
Iam levando o fuste, espaço a fora.
Floriam sonhos; era uma pletora
De crenças, de desejos, de ambições...
Não havia, por todos os sertões,
Mais luxuriante e mais violenta flora.
Ai! bosque real, é o tempo das queimadas!...
É agosto, é agosto! o fogo arde o que existe
Em turbilhões sinistros e medonhos.
Ai de nós!... Somos almas desgraçadas,
Pois, na luz de um olhar lânguido e triste,
Também ardeu o bosque dos meus sonhos...
E se eu disser
Ivan Junqueira
(Rio de janeiro – 1934)
E se eu disser que te amo - assim, de cara,
As palmeiras das minhas ilusões
Iam levando o fuste, espaço a fora.
Floriam sonhos; era uma pletora
De crenças, de desejos, de ambições...
Não havia, por todos os sertões,
Mais luxuriante e mais violenta flora.
Ai! bosque real, é o tempo das queimadas!...
É agosto, é agosto! o fogo arde o que existe
Em turbilhões sinistros e medonhos.
Ai de nós!... Somos almas desgraçadas,
Pois, na luz de um olhar lânguido e triste,
Também ardeu o bosque dos meus sonhos...
E se eu disser
Ivan Junqueira
(Rio de janeiro – 1934)
E se eu disser que te amo - assim, de cara,
sem mais delonga ou tímidos rodeios,
sem nem saber se a confissão te enfara
ou se te apraz o emprego de tais meios?
E se eu disser que sonho com teus seios,
teu ventre, tuas coxas, tua clara
maneira de sorrir, os lábios cheios
da luz que escorre de uma estrela rara?
E se eu disser que à noite não consigo
sequer adormecer porque me agarro
à imagem que de ti em vão persigo?
Pois eis que o digo, amor. E logo esbarro
em tua ausência - essa lâmina exata
que me penetra e fere e sangra e mata.
Talvez o vento saiba
(Ivan Junqueira)
Talvez o vento saiba dos meus passos,
sem nem saber se a confissão te enfara
ou se te apraz o emprego de tais meios?
E se eu disser que sonho com teus seios,
teu ventre, tuas coxas, tua clara
maneira de sorrir, os lábios cheios
da luz que escorre de uma estrela rara?
E se eu disser que à noite não consigo
sequer adormecer porque me agarro
à imagem que de ti em vão persigo?
Pois eis que o digo, amor. E logo esbarro
em tua ausência - essa lâmina exata
que me penetra e fere e sangra e mata.
Talvez o vento saiba
(Ivan Junqueira)
Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.
As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.
Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam
sequer em mastigar como bagaços.
Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.
O Beijo de Jesus
José Antonio Jacob
(Juiz de Fora – 1950)
Eu era criança, mas já percebia,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.
As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.
Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam
sequer em mastigar como bagaços.
Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.
O Beijo de Jesus
José Antonio Jacob
(Juiz de Fora – 1950)
Eu era criança, mas já percebia,
O pouco pão que havia em nossa mesa
E a aparência acanhada da pobreza
Que tinha a nossa casa tão vazia.
De noite, antes do sono, uma certeza:
A minha mãe rezava a Ave-Maria!
E ao terminar a prece eu sempre via
No seu olhar uma esperança acesa.
Após a reza desligava a luz,
Beijava o crucifixo, e a fé era tanta,
Que adormecia perto de Jesus.
Depois que ela dormia (isso que encanta)
Nosso Senhor descia ali da cruz
Para beijar a sua face santa...
Quanto Tempo nos Resta?
(José Antonio Jacob)
Nossa vida é uma história mal contada,
E a aparência acanhada da pobreza
Que tinha a nossa casa tão vazia.
De noite, antes do sono, uma certeza:
A minha mãe rezava a Ave-Maria!
E ao terminar a prece eu sempre via
No seu olhar uma esperança acesa.
Após a reza desligava a luz,
Beijava o crucifixo, e a fé era tanta,
Que adormecia perto de Jesus.
Depois que ela dormia (isso que encanta)
Nosso Senhor descia ali da cruz
Para beijar a sua face santa...
Quanto Tempo nos Resta?
(José Antonio Jacob)
Nossa vida é uma história mal contada,
Uma vaga novela incompreendida...
Para alguns é um feliz conto de fada,
Para outros uma lenda indefinida...
Vivemos de alvorada em alvorada,
(Que tempo ainda nos resta nessa vida?)
A dar sorrisos largos na chegada
E a lamentar a perda na partida.
Que bom matar o tempo numa rede,
Se ele nos desse a viva eternidade
De um quadro pendurado na parede...
E, enquanto a vida passa e o tempo avança,
Quanta tristeza vai numa saudade,
Quanta alegria vem numa esperança!
Roseiras Dolorosas
(José Antonio Jacob)
Estou sozinho em meu jardim sem cores
Para alguns é um feliz conto de fada,
Para outros uma lenda indefinida...
Vivemos de alvorada em alvorada,
(Que tempo ainda nos resta nessa vida?)
A dar sorrisos largos na chegada
E a lamentar a perda na partida.
Que bom matar o tempo numa rede,
Se ele nos desse a viva eternidade
De um quadro pendurado na parede...
E, enquanto a vida passa e o tempo avança,
Quanta tristeza vai numa saudade,
Quanta alegria vem numa esperança!
Roseiras Dolorosas
(José Antonio Jacob)
Estou sozinho em meu jardim sem cores
E, ainda que eu tenha mágoas bem guardadas,
Cuido dessas roseiras desmaiadas
Que em meu canteiro nunca abriram flores.
Tais quais receosas almas delicadas
Elas se encolhem sobre seus temores
E abortam seus rebentos nas ramadas,
Enquanto vão morrendo em suas dores.
Quantas almas, que por serem assim,
Como essas tristes plantas no jardim,
Calam-se a olhar o nada, tão descrentes...
Feito as minhas roseiras dolorosas
Que só olham para a vida, indiferentes,
E não me dão espinhos e nem rosas.
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Sugestões para
Cuido dessas roseiras desmaiadas
Que em meu canteiro nunca abriram flores.
Tais quais receosas almas delicadas
Elas se encolhem sobre seus temores
E abortam seus rebentos nas ramadas,
Enquanto vão morrendo em suas dores.
Quantas almas, que por serem assim,
Como essas tristes plantas no jardim,
Calam-se a olhar o nada, tão descrentes...
Feito as minhas roseiras dolorosas
Que só olham para a vida, indiferentes,
E não me dão espinhos e nem rosas.
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Sugestões para
artculturalbrasil@gmail.com
Poesia Portuguesa
Recomendamos http://www.professorivanluiz.com.br/Cultura/PoetasMaravilhosos/JoséAntonioJacob/tabid/121/Default.aspx
Maria, é sempre um grande aprendizado ler os teus excelentes textos. Parabéns e obrigada por embelezar-me a alma.
ResponderExcluirEsta seleção de sonetos é merecedora de longos e efusivos aplausos.
Meu carinho e minha admiração,
Marise Ribeiro
Prezada Maria Granzoto da silva.:
ResponderExcluirEu que declamava sonetos em criança, encontro aqui muitos dos "meus" sonetos amados, da infância, da adolescência...Esses autores perenais, cujos versos ainda ecoam em minha cabeça.E os versos esquecidos, foram lembrados.À força de mudar muito de cidade /Estado, perdera alguns...Livros, cadernos...Fiz uma viagem no tempo!Obrigada, vou divulgar o link.Abrs fraternais:Clevane Pessoa
BELA INICIATIVA.
ResponderExcluirOs versos de !geme, enferma, a criancinha..." são de Cruz e Sousa e não, como acima constou,de Afonso Celso.
ResponderExcluirWagner Pacheco, Umuarama (PR)