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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

Álvares de Azevedo

São Paulo - SP
1831-1852


“...Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida.
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
-Foi poeta – sonhou – e amou na vida.”


Nasceu em São Paulo, em 12 de setembro de 1831; filho do então estudante de Direito Inácio Manuel Álvares de Azevedo e sua esposa, Maria Luisa Silveira da Mota, ambos de famílias ilustres. Criou-se no Rio de Janeiro a partir dos dois anos de idade e nesta mesma cidade fez os estudos secundários (exceto um ano em São Paulo), bacharelou-se no Colégio Pedro II em fins de 1847. Aos dezesseis anos matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, onde fundou a revista mensal da sociedade "Ensaio Filosófico Paulistano". No primeiro ano do curso jurídico, produziu uma peça teatral, em que imitou o 5º. ato do Otelo, de Shakespeare; depois traduziu a "Parisina" de Byron; em seguida traçou as cenas principais do drama Conde Lopo, de que só restam alguns fragmentos. Leu assiduamente Homero, Dante, Shakespeare, Byron, Musset, Heine e a Bíblia. Estava no último ano do curso, quando segue para o Rio, a fim de passar as férias com a família. Atacado pela tuberculose, doença dos românticos, que se agravou com um tumor na fossa ilíaca, Álvares de Azevedo sabia que estava condenado. A operação dolorosa a que se submeteu não teve efeito, morria o poeta com vinte anos e meio. Nenhum livro publicou em vida, apenas alguns poemas esparsos e Discursos, texto comemorativo do aniversário dos cursos jurídicos em 1849. Um ano depois de sua morte, surgiu, com grande sucesso, a "Lira dos vinte anos" (1853). Seu nome, cercado de uma aura de satanismo, libertinagem e morbidez, fruto de uma suposta imitação dos grandes românticos europeus, que não passava de imaginação segundo o testemunho de seus colegas e das próprias cartas do poeta. Álvares de Azevedo foi ainda dramaturgo e contista. Antes de morrer no Rio de Janeiro, em 25 de abril de 1852, teria dito: "Que fatalidade, meu pai!".


PARA VOCÊ

Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre um leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria,
Pela maré das águas embalada...
Era um anjo entre nuvens de alvorada,
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti as noites eu velei chorando,
Por ti nos sonhos morrerei sorrindo!

MEU ANJO

Meu anjo tem o encanto, a maravilha
Da espontânea canção dos passarinhos;
Tem os seios tão alvos, tão macios
Como o pêlo sedoso dos arminhos.

Triste da noite na janela a vejo
E de seus lábios o gemido escuto
É leve a criatura vaporosa
Como a frouxa fumaça de um charuto.

Parece até que sobre a fronte angélica
Um anjo lhe depôs coroa e nimbo...
Formosa a vejo assim entre meus sonhos
Mais bela no vapor do meu cachimbo.

Como o vinho espanhol, um beijo dela
Entorna ao sangue a luz do paraíso.
Dá morte num desdém, num beijo vida,
E celestes desmaios num sorriso!

Mas quis a minha sina que seu peito
Não batesse por mim nem um minuto,
E que que ela fosse leviana e bela
Como a leve fumaça de um charuto!

LEMBRANÇA DE MORRER

Quando em meu peito rebentar-se a fibra
Que o espírito enlaça a dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem da matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma só nota de alegria
Se cala por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixo o tédio
o deserto o poento caminheiro-
Como as horas de um nobre pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como desterro de minh`alma errante
Onde fogo insensato a consumia
Só levo uma saudade- é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade- é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe, pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!

Do meu pai... de meus poucos amigos,
Poucos- bem poucos - e que não zombavam
Quando em noites de febre endoudecido
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda
Se um suspiro nos seios treme ainda
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios encostei a face linda!

 Só tu a mocidade sonhadora
Do pálido poeta destes flores...
Se viveu foi por ti! e de esperança

De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua
Verei cristalizar-se o sonho amigo...
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou sonhar contigo!

Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida
À sombra de uma cruz e escrevam nela:
- Foi poeta- sonhou- e amou na vida!

Sombras do vale, noites da montanha
Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!

Mas quando preludia ave d`aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri-me os ramos
Deixai a lua prantear-me a lousa!

C...

Sim - coroemos as noites
Com as rosas do himeneu;
Entre flres de laranja
Serás minha e serei teu!

Sim - quero em leito de flores
Tuas mãos dentro das minhas...
Mas os círios dos amores
Sejam só as estrelinhas.

Por incenso os teus perfumes,
Suspiros por oração,
E por lágrimas somente
As lágrimas da paixão!

Dos véus da noiva só tenhas
Dos cílios o negro véu;
Basta do colo o cetim
Para as Madonas do céu!

Eu soltarei-te os cabelos...
Quero em teu colo sonhar!
Hei de embalar-te...do leito
Seja lâmpada o luar!

Sim - coroemos as noites
Da laranjeira co'a flor;
Adormeçamos num templo,
Mas seja o templo do amor.

É doce amar como os anjos
Da ventura no himeneu;
Minha noiva, ou minh'amante,
Vem dormir no peito meu!

Dá-me um beijo - abre teus olhos
Por entre esse úmido véu:
Se na terra és minha amante,
És minha alma no céu!

ADEUS, MEUS SONHOS!

Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!

Missérrimo! votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto,
E minh'alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.

Que me resta, meu Deus? morra comigo
A estrela de meus cândidos amores,
Já que não levo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!

SE EU MORRESSE AMANHÃ

Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de povir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!

Que sol! Que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no meu peito
Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!

AMOR

Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!

Na tu'alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!

Quero em teus lábio beber
Os teus amores do céu,
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!

Quero viver d'esperança,
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!

Vem, anjo, minha donzela,
Minha'alma, meu coração!
Que noite, que noite bela!
Como é doce a viração!

E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!


...


REALIZAÇÃO

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