Para colecionadores
O Sonho dos Sonhos
(Múcio Teixeira – R.G. do Sul - 1858-1926)
Quanto mais lanço as vistas ao passado,
Mais sinto ter passado distraído,
Por tanto bem – tão mal compreendido,
Por tanto mal – tão bem recompensado!...
Em vão relanço o meu olhar cansado
Pelo sombrio espaço percorrido:
Andei tanto – em tão pouco... e já perdido
Vejo tudo o que vi, sem ter olhado.
E assim prossigo, sempre audaz e errante,
Vendo o que mais procuro mais distante,
Sem ter nada – de tudo que já tive...
Quanto mais lanço as vistas ao passado,
Mais julgo a vida – o sonho mal sonhado
De quem nem sonha que a sonhar se vive!...
Terra do Brasil
(Pedro de Alcântara (D. Pedro II – Escrito em Paris)
RJ – 1825-1891)
Espavorida agita-se a criança,
De noturnos fantasmas com receio,
Mas se abrigo lhe dá materno seio,
Fecha os doridos olhos e descansa.
Perdida é para mim toda esperança
De volver ao Brasil: de lá me veio
Um pugilo de terra: e nesta creio
Brando será meu sono e sem tardança...
Qual o infante a dormir em peito amigo,
Tristes sombras varrendo a memória,
Ó doce Pátria, sonharei contigo!
E entre visões de paz, de luz, de glória,
Sereno aguardarei no meu jazigo
A justiça de Deus na voz da história!
Budismo Moderno
(Augusto dos Anjos – Paraíba - 1884-1914)
Tome, Doutor, esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharada roa
Todo o meu coração, depois da morte?!
Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contado de bronca destra forte!
Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;
Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!
O Morcego
(Augusto dos Anjos)
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
“Vou mandar levantar outra parede...”
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que agente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
Passei a noite junto dela
(Álvares de Azevedo – São Paulo – 1831-1852)
Passei a noite junto dela.
Do camarote a divisão se erguia
Apenas entre nós – e eu vivia
No doce alento dessa virgem bela...
Tanto amor, tanto fogo se revela
Naqueles olhos negros! Só a via!
Música mais do céu, mais harmonia
Aspirando nessa alma de donzela!
Como era doce aquele seio arfando!
Nos lábios que sorriso feiticeiro!
Daquelas horas lembro-me chorando!
Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
É sentir todo o seio palpitando...
Cheio de amores! E dormir solteiro...
Elogio à dor do desamor
(José Antonio Jacob – Minas Gerais – 1950)
I
Ainda que até o amor você me roube,
(Pode roubar-me sem abrir a porta)
Rogarei que outro amor maior me arroube,
Pois só o amor meu coração conforta.
Ora, que triste, a noite é quase morta,
E o meu beijo em seus lábios nunca coube,
Eu amo a dor e a dor não me suporta,
Porque eu já morri e você não soube.
O meu amor que o seu amor espalma,
Em troca de ter-me arrebatado a alma,
Haverá de avivar as suas dores...
Que vibrem no seu peito outros amores!
Você feriu-me a vida e dou-lhe flores...
E morro sem você na noite calma.
II
Que doce olhar... E a vida é tão pequena!
A vida é triste sem seu doce olhar...
Para mim seu olhar é uma novena
Que acompanho de longe sem rezar.
Amo-a tanto e ela sabe que me amar
É dor, tristeza, mágoa, perda e pena,
Por isto ela não me ama e me condena
A entrar no céu e não poder ficar...
Que coisa triste, que desesperança!
Ponho em seus olhos meu olhar que clama
E ela me olha inocente feito criança...
Adeus! (meu breve adeus é o de quem ama)
Deixo-lhe meu sorriso de lembrança,
Pois tenho de ir que a minha dor me chama...
O Monge
(Raimundo Correia – Maranhão – 1860-1911)
“O coração da infância – eu lhe dizia –
É manso”. E ele me disse: - “Essas estradas,
Quando, novo Eliseu, as percorria,
As crianças lançavam-me pedradas...”
Falei-lhe, então, na glória e na alegria;
E ele – alvas barbas longas derramadas
No burel negro – o olhar somente erguia
Às cérulas regiões ilimitadas...
Quando eu, porém, falei no amor, um riso
Súbito as faces do impassível monge
Iluminou... Era o vislumbre incerto,
Era a luz de um crepúsculo indeciso
Entre os clarões de um sol que já vai longe
E as sombras de uma noite que vem perto!...
Estranhas Lágrimas
(Félix Pacheco –Piauí -1879-1935)
Lágrimas... Noutras épocas verti-as.
Não tinha o olhar enxuto, como agora,
- Alma, dizia então comigo, chora,
Que o pranto diminui as agonias.
Ah! Quantas vezes pelas faces frias,
Por mal do meu amor, que se ia embora,
Gota a gota, rolando, elas outrora,
Marcaram noites e marcaram dias!
Vinham do oceano da alma, imenso e fundo,
Ondas de angústia, em suspiroso arranco,
Numa desesperança acerba e louca.
Nos olhos, hoje, as lágrimas estanco,
Mas rolam todas, sem que as veja o mundo,
Sob a forma de risos, pela boca.
Lágrimas
(Bento Ernesto Júnior – Minas Gerais – 1866-1934)
A vida, meu amor, que hoje passamos
Só pode ser com lágrimas descrita,
Tão grande a dor que o peito nos habita,
Tão amargo este fel que hoje provamos.
Tão nublados de lágrimas levamos
Os olhos, sob o peso da desdita,
Que tudo que ante nós vive e palpita,
Tudo inundado em lágrimas julgamos.
E todo esse lutuoso mar de pranto,
Que vemos em nossa alma e em tudo vemos,
Nasce de havermos nos amado tanto!...
Porém, embora a amar, tanto soframos,
Cada vez mais, amada, nos queremos,
Cada vez mais, querida, nos amamos.
Beatriz
(Humberto de Campos – Maranhão – 1886-1935)
Bandeirante a sonhar com pedrarias,
com tesouros e minas fabulosas,
do Amor entrei, por ínvias e sombrias
estradas, as florestas tenebrosas.
Tive sonhos de louco, à Fernão Dias...
Vi tesouros sem conta: entre as umbrosas
selvas, o ouro encontrei, e o ônix, e as frias
turquesas, e esmeraldas luminosas...
E por eles passei. Vivi sete anos
na floresta sem fim. Senti ressábios
de amarguras, de dor, de desenganos.
Mas voltei, afinal, vencendo escolhos,
com o rubi palpitante dos seus lábios
E os dois grandes topázios dos seus olhos!
Elegia n.10
(Mauro Motta – Pernambuco – 1912-1985)
Insone e inquieta na pequena cama,
Na longa noite, Luciana chora,
E à mamãe tão distante chama, chama,
Como se ela pudesse ouvi-la agora.
Não quer o pai, não quer também sua ama;
Só a mãe que a deixou e foi embora.
No seu choro infantil, pede e reclama
A canção de dormir que ouvia outrora.
Mas, aos poucos, na noite, vejo-a calma,
Para alguém os seus braços se levantam,
Junto do berço, maternal, tua alma
Canta a canção de doces estribilhos
Que as mães, mesmo depois de mortas, cantam
Para embalar os pequeninos filhos.
Soneto da Separação
(Vinícius de Morais – Rio de Janeiro – 1913-1980)
De repente, do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma,
E das bocas unidas fez-se a espuma,
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente, da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama,
E da paixão fez-se o pressentimento,
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente,
Fez-se de triste o que se fez amante,
E de sozinho o que se fez contente,
Fez-se do amigo próximo o distante,
Fez-se da vida uma aventura errante,
De repente, não mais que de repente.
Soneto do Amor Total
(Múcio Teixeira – R.G. do Sul - 1858-1926)
Quanto mais lanço as vistas ao passado,
Mais sinto ter passado distraído,
Por tanto bem – tão mal compreendido,
Por tanto mal – tão bem recompensado!...
Em vão relanço o meu olhar cansado
Pelo sombrio espaço percorrido:
Andei tanto – em tão pouco... e já perdido
Vejo tudo o que vi, sem ter olhado.
E assim prossigo, sempre audaz e errante,
Vendo o que mais procuro mais distante,
Sem ter nada – de tudo que já tive...
Quanto mais lanço as vistas ao passado,
Mais julgo a vida – o sonho mal sonhado
De quem nem sonha que a sonhar se vive!...
Terra do Brasil
(Pedro de Alcântara (D. Pedro II – Escrito em Paris)
RJ – 1825-1891)
Espavorida agita-se a criança,
De noturnos fantasmas com receio,
Mas se abrigo lhe dá materno seio,
Fecha os doridos olhos e descansa.
Perdida é para mim toda esperança
De volver ao Brasil: de lá me veio
Um pugilo de terra: e nesta creio
Brando será meu sono e sem tardança...
Qual o infante a dormir em peito amigo,
Tristes sombras varrendo a memória,
Ó doce Pátria, sonharei contigo!
E entre visões de paz, de luz, de glória,
Sereno aguardarei no meu jazigo
A justiça de Deus na voz da história!
Budismo Moderno
(Augusto dos Anjos – Paraíba - 1884-1914)
Tome, Doutor, esta tesoura, e... corte
Minha singularíssima pessoa.
Que importa a mim que a bicharada roa
Todo o meu coração, depois da morte?!
Ah! Um urubu pousou na minha sorte!
Também, das diatomáceas da lagoa
A criptógama cápsula se esbroa
Ao contado de bronca destra forte!
Dissolva-se, portanto, minha vida
Igualmente a uma célula caída
Na aberração de um óvulo infecundo;
Mas o agregado abstrato das saudades
Fique batendo nas perpétuas grades
Do último verso que eu fizer no mundo!
O Morcego
(Augusto dos Anjos)
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
“Vou mandar levantar outra parede...”
- Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que agente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
Passei a noite junto dela
(Álvares de Azevedo – São Paulo – 1831-1852)
Passei a noite junto dela.
Do camarote a divisão se erguia
Apenas entre nós – e eu vivia
No doce alento dessa virgem bela...
Tanto amor, tanto fogo se revela
Naqueles olhos negros! Só a via!
Música mais do céu, mais harmonia
Aspirando nessa alma de donzela!
Como era doce aquele seio arfando!
Nos lábios que sorriso feiticeiro!
Daquelas horas lembro-me chorando!
Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
É sentir todo o seio palpitando...
Cheio de amores! E dormir solteiro...
Elogio à dor do desamor
(José Antonio Jacob – Minas Gerais – 1950)
I
Ainda que até o amor você me roube,
(Pode roubar-me sem abrir a porta)
Rogarei que outro amor maior me arroube,
Pois só o amor meu coração conforta.
Ora, que triste, a noite é quase morta,
E o meu beijo em seus lábios nunca coube,
Eu amo a dor e a dor não me suporta,
Porque eu já morri e você não soube.
O meu amor que o seu amor espalma,
Em troca de ter-me arrebatado a alma,
Haverá de avivar as suas dores...
Que vibrem no seu peito outros amores!
Você feriu-me a vida e dou-lhe flores...
E morro sem você na noite calma.
II
Que doce olhar... E a vida é tão pequena!
A vida é triste sem seu doce olhar...
Para mim seu olhar é uma novena
Que acompanho de longe sem rezar.
Amo-a tanto e ela sabe que me amar
É dor, tristeza, mágoa, perda e pena,
Por isto ela não me ama e me condena
A entrar no céu e não poder ficar...
Que coisa triste, que desesperança!
Ponho em seus olhos meu olhar que clama
E ela me olha inocente feito criança...
Adeus! (meu breve adeus é o de quem ama)
Deixo-lhe meu sorriso de lembrança,
Pois tenho de ir que a minha dor me chama...
O Monge
(Raimundo Correia – Maranhão – 1860-1911)
“O coração da infância – eu lhe dizia –
É manso”. E ele me disse: - “Essas estradas,
Quando, novo Eliseu, as percorria,
As crianças lançavam-me pedradas...”
Falei-lhe, então, na glória e na alegria;
E ele – alvas barbas longas derramadas
No burel negro – o olhar somente erguia
Às cérulas regiões ilimitadas...
Quando eu, porém, falei no amor, um riso
Súbito as faces do impassível monge
Iluminou... Era o vislumbre incerto,
Era a luz de um crepúsculo indeciso
Entre os clarões de um sol que já vai longe
E as sombras de uma noite que vem perto!...
Estranhas Lágrimas
(Félix Pacheco –Piauí -1879-1935)
Lágrimas... Noutras épocas verti-as.
Não tinha o olhar enxuto, como agora,
- Alma, dizia então comigo, chora,
Que o pranto diminui as agonias.
Ah! Quantas vezes pelas faces frias,
Por mal do meu amor, que se ia embora,
Gota a gota, rolando, elas outrora,
Marcaram noites e marcaram dias!
Vinham do oceano da alma, imenso e fundo,
Ondas de angústia, em suspiroso arranco,
Numa desesperança acerba e louca.
Nos olhos, hoje, as lágrimas estanco,
Mas rolam todas, sem que as veja o mundo,
Sob a forma de risos, pela boca.
Lágrimas
(Bento Ernesto Júnior – Minas Gerais – 1866-1934)
A vida, meu amor, que hoje passamos
Só pode ser com lágrimas descrita,
Tão grande a dor que o peito nos habita,
Tão amargo este fel que hoje provamos.
Tão nublados de lágrimas levamos
Os olhos, sob o peso da desdita,
Que tudo que ante nós vive e palpita,
Tudo inundado em lágrimas julgamos.
E todo esse lutuoso mar de pranto,
Que vemos em nossa alma e em tudo vemos,
Nasce de havermos nos amado tanto!...
Porém, embora a amar, tanto soframos,
Cada vez mais, amada, nos queremos,
Cada vez mais, querida, nos amamos.
Beatriz
(Humberto de Campos – Maranhão – 1886-1935)
Bandeirante a sonhar com pedrarias,
com tesouros e minas fabulosas,
do Amor entrei, por ínvias e sombrias
estradas, as florestas tenebrosas.
Tive sonhos de louco, à Fernão Dias...
Vi tesouros sem conta: entre as umbrosas
selvas, o ouro encontrei, e o ônix, e as frias
turquesas, e esmeraldas luminosas...
E por eles passei. Vivi sete anos
na floresta sem fim. Senti ressábios
de amarguras, de dor, de desenganos.
Mas voltei, afinal, vencendo escolhos,
com o rubi palpitante dos seus lábios
E os dois grandes topázios dos seus olhos!
Elegia n.10
(Mauro Motta – Pernambuco – 1912-1985)
Insone e inquieta na pequena cama,
Na longa noite, Luciana chora,
E à mamãe tão distante chama, chama,
Como se ela pudesse ouvi-la agora.
Não quer o pai, não quer também sua ama;
Só a mãe que a deixou e foi embora.
No seu choro infantil, pede e reclama
A canção de dormir que ouvia outrora.
Mas, aos poucos, na noite, vejo-a calma,
Para alguém os seus braços se levantam,
Junto do berço, maternal, tua alma
Canta a canção de doces estribilhos
Que as mães, mesmo depois de mortas, cantam
Para embalar os pequeninos filhos.
Soneto da Separação
(Vinícius de Morais – Rio de Janeiro – 1913-1980)
De repente, do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma,
E das bocas unidas fez-se a espuma,
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente, da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama,
E da paixão fez-se o pressentimento,
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente,
Fez-se de triste o que se fez amante,
E de sozinho o que se fez contente,
Fez-se do amigo próximo o distante,
Fez-se da vida uma aventura errante,
De repente, não mais que de repente.
Soneto do Amor Total
(Vinicius de Moraes)
Amo-te tanto meu amor... não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.
Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.
Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.
E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.
A solidão e sua porta
(Carlos Pena Filho – Pernambuco -1929-1960)
Quando mais nada resistir que valha
A pena viver e a dor de amar
E quando mais nada interessar
(Nem o torpor do sono que se espalha);
Quando, pelo desuso da navalha,
A barba livremente caminhar
E até Deus em silêncio se afastar
Deixando-te sozinho na batalha.
A arquitetar na sombra da despedida
Do mundo que te foi contraditório,
Lembrar-te que afinal te resta a vida
Com tudo que é insolvente e provisório
E de que ainda tens uma saída:
Entrar no acaso e amar o transitório.
Da vez primeira em que me assassinaram
A solidão e sua porta
(Carlos Pena Filho – Pernambuco -1929-1960)
Quando mais nada resistir que valha
A pena viver e a dor de amar
E quando mais nada interessar
(Nem o torpor do sono que se espalha);
Quando, pelo desuso da navalha,
A barba livremente caminhar
E até Deus em silêncio se afastar
Deixando-te sozinho na batalha.
A arquitetar na sombra da despedida
Do mundo que te foi contraditório,
Lembrar-te que afinal te resta a vida
Com tudo que é insolvente e provisório
E de que ainda tens uma saída:
Entrar no acaso e amar o transitório.
Da vez primeira em que me assassinaram
(Mario Quintana)
(Alegrete/RS -1906-1994)
Da vez primeira em que me assassinaram
(Alegrete/RS -1906-1994)
Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, de cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha…
E hoje, dos meus cadáveres, eu sou
E hoje, dos meus cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada…
Arde um toco de vela, amarelada…
Como o único bem que me ficou!
Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Ah! Desta mão, avaramente adunca,
Ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do Horror! Voejai!
Aves da noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste como um ai,
A luz do morto não se apaga nunca!”
Barcos de Papel
Barcos de Papel
(Guilherme de Almeida - São Paulo – 1890-1969)
Quando a chuva cessava e um vento fino
Quando a chuva cessava e um vento fino
Franzia a tarde tímida e lavada,
Eu saía a brincar, pela calçada,
Nos meus tempos felizes de menino
Fazia, de papel, toda uma armada;
Fazia, de papel, toda uma armada;
E, estendendo o meu braço pequenino,
Eu soltava os barquinhos, sem destino,
Ao longo das sarjetas, na enxurrada...
Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
Fiquei moço. E hoje sei, pensando neles,
Que não são barcos de ouro os meus ideais:
São feitos de papel, são como aqueles,
Perfeitamente, exatamente iguais...
Perfeitamente, exatamente iguais...
- Que os meus barquinhos, lá se foram eles!
Foram-se embora e não voltaram mais!
Velho Tema II
Velho Tema II
(Vicente de Carvalho - São Paulo - 1866-1924)
Eu cantarei de amor tão fortemente
Eu cantarei de amor tão fortemente
Com tal celeuma e com tamanhos brados
Que afinal teus ouvidos, dominados,
Hão de à força escutar quanto eu sustente.
Quero que meu amor se te apresente
Quero que meu amor se te apresente
- Não andrajoso e mendigando agrados,
Mas tal como é: risonho e sem cuidados,
Muito de altivo, um tanto de insolente.
Nem ele mais a desejar se atreve
Nem ele mais a desejar se atreve
Do que merece: eu te amo, e o meu desejo
Apenas cobra um bem que se me deve.
Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo;
E vou de olhos enxutos e alma leve
À galharda conquista do teu beijo.
Páscoa
Páscoa
(José Antonio Jacob – Minas Gerais - 1950)
Eu sinto pena dessa criança crente
Eu sinto pena dessa criança crente
Que espia lojas pela tarde fria,
E tem uma esperança sorridente
Defronte o vidro da confeitaria.
Esse garoto bom de olhar carente,
Esse garoto bom de olhar carente,
Que não tem casa, mas tem fantasia,
Quer ter o Ovo de Páscoa de presente
Debaixo da marquise, no outro dia.
Debaixo da marquise, no outro dia.
Um sino tange longe sem razão,
Jesus morreu na igreja da pracinha,
Pobre Jesus que enfeita a procissão...
Vem alegria: o Cristo não morreu!
Vem alegria: o Cristo não morreu!
Ele ainda é o mesmo que na dor caminha
E esse menino crente ainda sou eu!
São Francisco e o Rouxinol
São Francisco e o Rouxinol
(Martins Fontes – São Paulo - 1884-1937)
Um rouxinol cantava. Alegremente,
Um rouxinol cantava. Alegremente,
quis São Francisco, no frutal sombrio,
acompanhar o pássaro contente,
e começa a cantar, ao desafio.
E cantavam os dois, junto à corrente
E cantavam os dois, junto à corrente
do Arno sonoro, do lendário rio.
Mas Sào Francisco, exausto, finalmente,
parou, tendo cantado horas a fio.
E o rouxinol lá prosseguiu cantando,
E o rouxinol lá prosseguiu cantando,
redobrando as constantes cantilenas,
os trilados festivos redobrando.
E o santo assim reflete, satisfeito,
E o santo assim reflete, satisfeito,
que feito foi para escutar, apenas,
e o rouxinol para cantar foi feito.
Alvorada Eterna
Alvorada Eterna
(J. G. de Araújo Jorge – Acre - 1914 -1987)
Quando formos os dois já bem velhinhos,
Quando formos os dois já bem velhinhos,
já bem cansados, trôpegos, vencidos,
um ao outro apoiados, nos caminhos,
depois de tantos sonhos percorridos...
Quando formos os dois já bem velhinhos
Quando formos os dois já bem velhinhos
a lembrar tempos idos e vividos,
sem mais nada colher, nem mesmo espinhos
nos gestos desfolhados e pendidos...
Quando formos só os dois, já bem velhinhos,
Quando formos só os dois, já bem velhinhos,
lá onde findam todos os caminhos
e onde a saudade, o chão, de folhas junca...
Olha amor, os meus olhos, bem no fundo,
Olha amor, os meus olhos, bem no fundo,
e hás de ver que este amor em que me inundo
é uma alvorada que não morre nunca!
O Burro
O Burro
(Patativa do Assaré – Ceará - 1909-2002)
Vai ele a trote, pelo chão da serra,
Vai ele a trote, pelo chão da serra,
Com a vista espantada e penetrante,
E ninguém nota em seu marchar volante,
A estupidez que este animal encerra.
Muitas vezes, manhoso, ele se emperra,
Muitas vezes, manhoso, ele se emperra,
Sem dar uma passada para diante,
Outras vezes, pinota, revoltante,
E sacode o seu dono sobre a terra.
Mas contudo! Este bruto sem noção,
Mas contudo! Este bruto sem noção,
Que é capaz de fazer uma traição,
A quem quer que lhe venha na defesa,
É mais manso e tem mais inteligência
É mais manso e tem mais inteligência
Do que o sábio que trata de ciência
E não crê no Senhor da Natureza.
Recomendamos
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http://www.professorivanluiz.com.br/Cultura/PoetasMaravilhosos/RauldeLeôni/tabid/112/Default.aspx
http://www.professorivanluiz.com.br/Cultura/PoetasMaravilhosos/JoséAntonioJacob/tabid/121/Default.aspx
http://www.professorivanluiz.com.br/Cultura/PoetasMaravilhosos/OlavoBilac/tabid/125/Default.aspx
Recomendamos
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http://www.professorivanluiz.com.br/Cultura/PoetasMaravilhosos/JoséAntonioJacob/tabid/121/Default.aspx
http://www.professorivanluiz.com.br/Cultura/PoetasMaravilhosos/OlavoBilac/tabid/125/Default.aspx
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