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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

Raul de Leôni


Petrópolis - RJ
1895 - 1926
"Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo,
E do teu ventre nasceriam deuses..."
(Raul de Leôni)

...
Raul de Leôni Ramos nasceu em Petrópolis-RJ, e faleceu na "Vila Serena", em Itaipava-RJ, (30 de outubro de 1895 - 21 de novembro de 1926). Bacharel em Direito, prosador, diplomata e político. Chegou a eleger-se deputado estadual.

Acima dessas coisas foi poeta.

Foi o poeta de maior realce na última fase do simbolismo, e justamente considerado como uma das figuras mais notáveis do soneto brasileiro de todos os tempos.

Parnasianos, simbolistas e até modernistas o têm em alta conta, apreciando-o sem reservas. Cada um de seus versos tem sonoridade e ritmo primorosos, especialmente os dos sonetos, em decassílabos, mesclados de simbolismo e de modernismo, com tessitura clássica e técnica parnasiana. São versos considerados dos mais perfeitos: em idéia, filosofia, e essência das temáticas.

O seu ritmo peculiar e admirável de versificação, o conjunto de idéias sublimes de suas palavras, são os aspectos mais fortes que envolvem a magnífica harmonia da unidade de pensamento que existe em toda sua obra.

O nome de Raul de Leôni é dos mais reconhecidos pela crítica brasileira, não havendo uma só voz discordante, o que não acontece com outros poetas, sobretudo, os da sua época que eram conhecidos poetas independentes, Augusto dos Anjos, Alceu Wamosy , José Albano, Andrade Muricy e outros. Ao próprio Muricy declarou o poeta Alberto de Oliveira: "Raul de Leôni é o maior de vocês todos. Li o seu livro, agora, em Petrópolis, e é extraordinário".

A mesma unanimidade não tem a crítica ao situar o poeta, em diferentes julgamentos, onde foi colocado nas escolas e posições poéticas as mais diferentes e contraditórias. Enquanto alguns dos seus críticos o consideram um genuíno parnasiano, outros enxergam nele o simbolista autêntico, terceiros acreditam ter sido um neo-parnasiano e outros o situam num grupo completamente independente das regras poéticas e influências de escolas e movimentos literários.

Todavia a crítica literária brasileira é unânime em assinalar a alta linhagem clássica da poesia de Raul de Leôni, fundada na homogeneidade da sua primazia gramatical, temática e métrica, e consolidada no seu bom gosto literário, reconhecidos como impecáveis, desde a sua época até os dias atuais.

Diante da grandeza da sua escassa obra e da diversidade da crítica, ao situar o poeta nesta ou naquela escola literária, não existe aqui propósito de fazer análise da obra de Raul de Leôni: com respeito e admiração reconhecemos não existir a menor possibilidade de alguém tentar fazer, em poucas palavras, um julgamento ou estudo crítico legítimo sobre a prosa, filosofia e poesia de Raul de Leôni.

A sua poesia embora contenha formas antigas e clássicas, é caracterizada por um imperecível espírito de modernidade, o que lhe assegura compreensão ilimitada e aperiódica, e o introduz na seleta plêiade dos poetas imortais.

Para melhor entendimento sobre a poesia de Raul de Leôni é preciso voltar ao século passado, precisamente em 1922, quando publicou o seu livro clássico "Luz Mediterrânea", onde está a essência da sua poesia, (grande parte em sonetos decassílabos) no meio da "explosão" do modernismo no Brasil.

Já em 1919, segundo alguns críticos ainda sob a ascendência parnasiana, ele publicara o extraordinário poema "Ode a um Poeta Morto" em homenagem a Olavo Bilac.

Segundo João Rangel Coelho, que prefaciou “O Mundo Maravilhoso do Soneto”, de Vasco de Castro Lima, depois do acontecimento da "Semana de Arte Moderna", em 1922, os integrantes deste movimento, simpatizantes do "futurismo", do "dadaísmo", do "imagismo", do "surrealismo", do "ultraísmo" e principalmente do "concretismo", que segundo um dos seus mais importantes seguidores, Haroldo de Campos, "a melodia na música, a figura na pintura, o discurso-conteudista-sentimental na poesia são fósseis gustativos que nada mais dizem à mente criativa contemporânea", iniciaram, em São Paulo, e depois país afora, uma implacável crítica objetivando a destruição das "fórmulas já caducas" e "tradicionais" dos poetas parnasianos, simbolistas, românticos, e dos demais gêneros de poesia consagrados pelo tempo, logrando, extirpar, definitivamente, das letras brasileiras, os preceitos considerados "ultrapassados" pelo indeclinável julgamento modernista do Brasil de então.

De todos poetas brasileiros, de qualquer escola onde existissem regras poéticas, incluindo os independentes, o único que não sofreu sequer um sopro de menosprezo do assíduo fôlego da "corrente modernista brasileira" foi Raul de Leôni.

Seus sonetos, de métricas perfeitas, repletos de metáforas e de concepções filosóficas extraordinárias, corriam nos cadernos de poesia dos moços e moças da época, que compreendiam aqueles versos de palavras doces, que continham, ao mesmo tempo, tanta simplicidade e tanto esclarecimento.

Ao homem erudito a mensagem poética de Raul de Leôni causou, em todos os tempos, uma exclusiva distinção, pois que, se ao adolescente é de fácil entendimento, ao homem letrado dá o sinal da desmedida idéia que ele tinha sobre a profundidade dos mistérios da vida (ou das "cousas" da vida, conforme ele mesmo) porque, segundo alguns críticos, ele foi um profundo conhecedor da Alma Humana.

Rodrigo Melo Franco de Andrade, prefaciando "Luz Mediterrânea", único livro de verso do poeta, assim escreveu: "Para Raul de Leôni, as idéias representam seres vivos". (...) "Ele foi entre nós, e o foi com singular grandeza, o único poeta de emoção puramente filosófica".

Os seus sonetos, apresentados abaixo deste artigo, "Ingratidão", "Desconfiando", "Decadência" "A Hora Cinzenta" e "Argila", popularíssimos, de indizível simplicidade e de extraordinária beleza, estão entre os sonetos brasileiros mais importantes e imperecíveis.

Agrippino Grieco, num artigo sobre os inéditos de Raul de Leôni, afirma que o soneto "Ingratidão", um dos mais bonitos e singelos, foi casualmente encontrado, por Luís Murat, no álbum íntimo de poesias de uma dama da sociedade de Santa Catarina, com especial dedicatória do poeta, que já o havia esquecido.

A 1ª edição do "Luz Mediterrânea", de 1922, publicada, em vida do autor, por ele mesmo organizada, começa com o poema "Pórtico" (onde ele se desvencilha, quase por completo, dos laços da influência do Parnaso brasileiro) e termina com o "Diálogo Final", tendo sido os "Poemas Inacabados" (que o poeta, ao pressentir a morte prematura, pediu para sua mulher queimar, e ela não compreendeu o seu pedido) que fazem parte da 2ª edição, e das edições seguintes, foram anexados ao "Luz Mediterrânea" pelos outros editores das mesmas.

O soneto "Argila", que muitos chamaram "Eufemismo", considerado um dos mais bonito da sua obra, não foi publicado antes por respeito que o poeta tinha pelos escrúpulos cristãos e religiosos de sua mãe, já que alguns de seus amigos, equivocadamente, achavam que o soneto tinha conotação pagã e erótica. Somente após a morte do poeta e da mãe, Dona Augusta Villaboim Ramos, e cessados os motivos para a publicação o soneto foi publicado.

Segundo Agrippino Grieco este soneto "todo brasileiro deveria saber de cor".

Em 21 de novembro de 1926, aos 31 anos, morre, na Vila Serena, em Itaipava, Petrópolis, hoje condomínio Alexandre Mayworm, vitimado por prolongada doença pulmonar. O sepultamento ocorreu às 11 horas, sendo a missa de corpo-presente realizada pelo Frei Luiz Reinke, grande amigo da família, por quem Raul chamava nas suas crises mais sérias.

Após a sua morte em Itaipava seu corpo foi conduzido para Petrópolis, que lhe prestou suas últimas homenagens, sepultando-o à sombra do Cruzeiro das Almas, erigindo-lhe um mausoléu e dando o seu nome a um trecho da Rua Sete de Setembro.

Oitenta anos da sua morte e Raul de Leôni ainda é venerado por seus inúmeros leitores, mas ainda não chegou às carteiras universitárias dos cursos de Letras do nosso país, onde por mérito poético, e para o bem dos estudantes da poesia brasileira, já deveria estar presente, se algum outro, menos competente e mais favorecido, não estivesse ocupando o seu lugar.

(Texto organizado por José Antonio Jacob)

Consultas:
Oswaldo Orico ("O Dia" 16-08-1922)Agrippino Grieco ( Caçadores de Símbolos - 1923)Rosalina Coelho Lisboa ("A Noite" 27-11-1926)Mesquita Pimentel (Prata de Casa - 1926)Tasso da Silveira (revista "Vozes" Petrópolis - 1942)Alceu Amoroso Lima (Primeiros Estudos - 1943)Rangel Coelho (Tentativa de Prefácio - 1987)Vasco de Castro Lima (O Mundo Maravilhoso do Soneto - 1987)


HISTÓRIA ANTIGA

No meu grande otimismo de inocente,
Eu nunca soube por que foi... um dia,
Ela me olhou indiferentemente,
Perguntei-lhe por que era... Não sabia...

Desde então, transformou-se de repente
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para frente...

Nunca mais nos falamos... vai distante...
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa,

E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la...

ARGILA

Nascemos um para o outro, dessa argila
De que são feitas as criaturas raras;
Tens legendas pagãs na carnes claras
E eu tenho a alma dos faunos na pupila...

Às belezas heróicas te comparas
E em mim a luz olímpica cintila,
Gritam em nós todas as nobres taras
Daquela Grécia esplêndida e tranqüila...

É tanta a glória que nos encaminha
Em nosso amor de seleção, profundo,
Que (ouço de longe o oráculo de Elêusis),

Se um dia eu fosse teu e fosses minha,
O nosso amor conceberia um mundo,
E do teu ventre nasceriam deuses...

INGRATIDÃO

Nunca mais me esqueci!... Eu era criança
E em meu velho quintal, ao sol-nascente,
Plantei, com minha mão ingênua e mansa,
Uma linda amendoeira adolescente.

Era a mais rútila e íntima esperança...
Cresceu... cresceu... e, aos poucos, suavemente,
Pendeu os ramos sobre um muro em frente
E foi frutificar na vizinhança...

Daí por diante, pela vida inteira,
Todas as grandes árvores que em minhas
Terras, num sonho esplêndido semeio,

Como aquela magnífica amendoeira,
Eflorescem nas chácaras vizinhas
E vão dar frutos no pomar alheio...

LEGENDA DOS DIAS

O Homem desperta e sai cada alvorada
Para o acaso das cousas... e, à saída,
Leva uma crença vaga, indefinida,
De achar o Ideal nalguma encruzilhada...
As horas morrem sobre as horas... Nada!
E ao Poente, o Homem, com a sombra recolhida
Volta, pensando: "Se o Ideal da Vida
Não veio hoje, virá na outra jornada..."
Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim,
Mais ele avnça, mais distante é o fim,
Mais se afasta o horizonte pela esfera;
E a Vida passa... efêmera e vazia:
Um adiamento eterno que se espera,
Numa eterna esperança que se adia...

DECADÊNCIA

Afinal, é o costume de viver
Que nos faz ir vivendo para a frente.
Nenhuma outra intenção, mas, simplesmente
O hábito melancólico de ser...
Vai-se vivendo... é o vício de viver...
E se esse vício dá qualquer prazer à gente.
Como todo prazer vicioso é triste e doente,
Porque o Vício é a doença do Prazer...
Vai-se vivendo... vive-se demais,
E um dia chega em que tudo que somos
É apenas a saudade do que fomos...
Vai-se vivendo... e muitas vezes nem sentimos
Que somos sombras, que já não somos mais nada
Do que os sobrevivente de nós mesmos!...
(Série Poemas Inacabados)

A HORA CINZENTA
Desce um longo poente de elegia
Sobre as mansas paisagens resignadas;
Uma humaníssima melancolia
Embalsama as distancias desoladas...

Longe, num sino antigo, a Ave-Maria
Abençoa a alma ingênua das estradas;
Andam surdinas de anjos e de fadas,
Na penumbra nostálgica, macia...

Espiritualidades comoventes
Sobem da terra triste, em reticência
Pela tarde sonâmbula, imprecisa...

Os sentidos se esfumam, a alma é essência
E entre fugas de sombras transcendentes,
O pensamento se volatiliza...




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artculturalbrasil@gmail.com


Lineu Roberto de Moura
Presidente




3 comentários:

  1. Anônimo00:17

    Este é, na minha modesta opinião, um dos maiores poetas brasileiros, que eu já lia nos meus tempos de ginasiano. Sentimental e lírico por excelência,
    levava quase ao exagero a perfeição dos seus sonetos. É deveras gratificante ler o que ele escreve.

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  2. Raul de Leoni inegavelmente é um dos maiores poetas brasileiros e que nos deixou um rico legado.

    Conceição Bentes

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  3. Anônimo02:51

    Prezados,

    Em nome de nossa presidente Vera Abad e nossa Academia Brasileira de Poesia – “Casa de Raul de Leoni”, que nasceu há trinta anos como Academia Petropolitana de Poesia Raul de Leoni, agradeço à ArtCulturaBrasil e, em especial, ao preclaro poeta José Antonio Jacob, tão expressiva homenagem ao nosso patrono maior que, sem dúvida, representa um marco em nossa literatura poética mas, como tudo em nosso país sem memória, é mais um eterno esquecido entre tantos que formaram nosso passado e hoje são desprezados pela mídia.que só divulga as mesmices de sempre como um velho disco rachado.

    Alguém já disse que “é com a madeira das embarcações do passado que construímos as pontes para o futuro” mas, infelizmente, não é a concepção de nossa intelectualidade e nossos segmentos culturais.

    Profundamente agradecido,

    João Roberto Gullino


    Ilustre Poeta João Roberto Gullino
    Agradecemos suas atenciosas palavras que recebemos através de e-mail. Com toda certeza a esplêndida "Luz Mediterrânea", do poeta Raul de Leoni, iluminará para sempre a verdadeira poesia brasileira.
    Atenciosamente,
    ArtCulturalBrasil

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