Rio de Janeiro - RJ
1826 - 1864
Médico, professor e poeta, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 8 de julho de 1826, e faleceu na mesma cidade, em 28 de setembro de 1864. É o patrono da Cadeira n. 26 da ABL, por escolha do fundador Guimarães Passos. Era filho do oficial de milícias Ricardo José da Silva Rabelo e de Luísa Maria da Conceição, ambos mestiços e gente humilde do povo carioca.
Cresceu nas maiores privações, das quais só veio a se libertar nos últimos anos de sua vida. Pretendendo seguir a carreira eclesiástica, cursou as aulas do Seminário São José e recebeu as ordens, mas abandonou o seminário por intrigas de colegas.
Fez estudos na Escola Militar, outra vez tentando em vão fazer carreira. Ingressou no curso de Medicina no Rio, concluindo-o na Bahia, em 1856, vindo porém defender tese na cidade natal.
Em 1857, ingressou como oficial-médico no Corpo de Saúde do Exército, servindo no Rio Grande do Sul, até 1863. Neste ano voltou ao Rio, como professor de história, geografia e português no curso preparatório à Escola Militar.
Em 1860, casara-se com D. Adelaide Luiza Cordeiro, e só a partir de então pôde atenuar a pobreza que lhe marcou a existência. Atacado por uma afecção cardíaca, faleceu, aos 38 anos de idade.
(Fonte: http://netsaber.com.br)
Caracterizou-o, desde os anos de estudante, a maneira espontânea e desengonçada de viver. Por sua compleição física bizarra, a imaginação popular deu-lhe o apelido de "o poeta lagartixa". Viveu na boêmia, e aquele ambiente o estimulava literariamente. Como poeta satírico, era justamente temido e respeitado; teve amigos e, também, inimigos acérrimos, por causa dessa feição do seu talento, chegando a ser perseguido. Como repentista e improvisador, era popular e bem recebido em todos os salões. Fechavam os olhos à sua indumentária desleixada, só para ouvir o poeta e ver as cintilações daquele espírito. Em muitas das suas composições vibra também a nota de melancolia. Foi cognominado "o Bocage brasileiro". Pertencia ao período romântico.
LOUSADA, Wilson (Org.) Cancioneiro do Amor. Rio de Janeiro:
O facho de Helesponto apaga o dia,
Sem que aos olhos de Hero o sono traga,
Que dentro de sua alma não se apaga
O fogo com que o facho se acendia.
Aflita o seu Leandro ao mar pedia,
Que abrandando por ela, a prece afaga,
E traz-lhe o morto amante numa vaga
(Talvez vaga de amor, inda que fria).
Ao vê-lo pasma, e clama num transporte —
“Leandro!... és morto?! ... Que destino infando
Te conduz aos meus braços desta sorte?!
Morreste!... mas... (e às ondas se arrojando,
Assim termina já sorvendo a morte)
“Hei de, mártir de amor, morrer te amando.”
SONETO V - À SRA. MARIETA LANDA
Disseste a nota amena d'alegria,
E, arrebatado então nesse momento
De um doce, divinal contentamento,
Eu senti que minh'alma aos céus subia.
Disseste a nota da melancolia,
Negra nuvem toldou-me o pensamento;
Senti que agudo espinho virulento
Do coração as fibras me rompia.
És anjo ou nume, tu que desta sorte
Trazes o peito humano arrebatado
Em sucessivo e rápido transporte?!
Anjo ou nume não és; mas, se te é dado
No canto dar a vida, ou dar a morte,
Tens nas mãos teu Porvir, teu bem, teu fado.
SONETO III
Geme, geme, mortal infortunado,
É fado teu gemer continuamente:
Perante as leis do Fado és delinqüente,
Sempre tirano algoz terás no Fado.
Mas para não ser mais envenenado
O fel que essa alma bebe, e o mal que sente,
Não te iluda o falaz riso aparente
De um futuro de rosas coroado.
Só males o presente te afiança:
Encrustado de vermes charco imundo
Se te volve o passado na lembrança.
Busca, pois, o da morte ermo profundo:
Despedaça a grinalda da esperança:
Crava os olhos na campa, e deixa o mundo.
ADEUS AO MUNDO
I
Já do batel da vida
Sinto tomar-me o leme a mão da morte:
E perto avisto o porto
Imenso nebuloso, e sempre noite,
Chamado - Eternidade!
Como é tão belo o sol! Quantas grinaldas
Não tem de mais a aurora!!
Como requinta o brilho a luz dos astros!
Como são recendentes os aromas
Que se exalam das flores! Que harmonia
Não se desfruta no cantar das aves,
No embater do mar, e das cascatas,
No sussurrar dos límpidos ribeiros,
Na natureza inteira, quando os olhos
Do moribundo, quase extintos, bebem
Seus últimos encantos!
II
Quando eu guardava, ao menos na esperança,
Para o dia seguinte o sol de um dia,
De uma noite o luar para outras noites;
Quando durar contava mais que um prado,
Mais que o mar, que a cascata erguer meu canto,
E murmurá-lo num jardim de amores;
Quando julgava a natureza minha,
Desdenhava os seus dons: ei-la vingada:
Cedo de vermes rojarei ludíbrio,
E vida alardearão fracos arbustos
Sobre meu lar de morto! A noite, o dia,
O inverno, o verão, a primavera,
A aurora, a tarde, as nuvens, e as estrelas,
A rir-se passarão sobre meus ossos!
Não importa: não é perder o mundo
O que me azeda os pálidos instantes
Que conto por gemidos. Meu tormento,
Minha dor, é morrer longe da pátria,
Da mãe, e dos irmãos que tanto adoro.
III
Quando da pátria me ausentei, não tinha
Nada que lhes deixar, que lhes dissesse
O que eram eles dentro de minh'alma.
Mendigo, a quem cedi pequena esmola,
Deu-me quatro sementes de saudades;
Ao meu jardim doméstico levei-as,
Cavei, reguei a terra com meu pranto,
E plantei as saudades. Soluçando
Chamei ali os meus: "Aqui vos deixo
(Disse apontando à plantação) "em flores
"Minh'alma toda inteira; aqui vos deixo
"Um tesouro enterrado. Jóias, oiro,
"Riquezas, não, não tem, porém na terra
Estéril não será." Ondas de pranto
Afogaram-me a voz: houve silêncio;
Palpei de novo o chão; vi que de novo
Cavado estava! A terra se afundara,
E as sementes nadavam sobre lágrimas,
Que minha mãe e minha irmã choravam...
Replantei-as, orei, beijei a terra,
E parti... Trouxe d'alma só metade;
E o coração?... deixei-o num abraço.
IV
Certo estou de que a planta, já crescida,
Terá brotado flor. Se ao menos dado
Me fosse colher uma... ver a terra
Pelo pranto dos meus santificada!
Se uma dessas saudades enfeitar-me
Viesse a minha essa, ou meu sudário,
Ou, pela mão materna transplantada,
Encravar-me as raízes no sepulcro...
É tão pouco, meu Deus!!... Eu não vos peço
Soberbo mausoléu, estátua augusta
De túmulo de rei. Assaz desprezo
Esses gigantes de oiro
Com entranhas de pó. Mortalha escassa
De grosseiro burel, que bordem lágrimas;
Terra só quanto baste p'ra um cadáver,
E as minhas saudades, e entre elas
Uma cruz com os braços bem abertos,
Que peça a todos preces. Terra, terra
Perto dos meus e no terrão da pátria,
É só quanto suplico.
V
A morte é dura,
Porém longe da pátria é dupla a morte.
Desgraçado do mísero, que expira
Longe dos seus, que molha a língua, seca
Pelo fogo da febre, em caldo estranho;
Que vigílias de amor não tem consigo,
Nem palavras amigas que lhe adocem
O tédio dos remédios, nem um seio,
Um seio palpitante de cuidados
Onde descanse a lânguida cabeça!
Feliz, feliz aquele, a quem não cercam
Nesse momento acerbo indiferentes
Olhos sem pranto; que na mão gelada
Sente a macia destra d'amizade
Num aperto de dor prender-lhe a vida!
Feliz o que no arfar da ânsia extrema
De desvelada irmã piedoso lenço,
Úmido de saudades vem limpar-lhe
As frias bagas dos finais suores!
Feliz o que repete a extrema prece,
Ensinada por ela, e beijar pode
O lenho do Senhor nas mãos maternas!
Desgraçado de mim!... Talvez bem cedo
Longe de mãe, de irmãos, longe da pátria
Tenha de me finar... Ramo perdido
Do tronco que o gerou, e arremessado
Por mão de Gênio mau à plaga alheia,
Mirrarei esquecido! Os céus o querem,
Os Céus são imutáveis: aos decretos
Do Senhor curvarei a fronte humilde,
Como cristão que sou. Eternidade,
Recebe-me a teu bordo!... Adeus, ó mundo!
VI
Já sinto da geada dos sepulcros
O pavoroso frio enregelar-me...
A campa vejo aberta, e lá do fundo
Um esqueleto em pé vejo a acenar-me...
Entremos. Deve haver nestes lugares
Mudança grave na mundana sorte;
Quem sempre a morte achou no lar da vida
Deve a vida encontrar no lar da morte.
Vamos. Adeus, ó mãe, irmãos, e amigos!
Adeus, terra, adeus, mares, adeus, céus!...
Adeus, que vou viagem de finados...
Adeus... adeus... adeus!
Adeus, ó sol que, amigo iluminaste
Meu pobre berço com os raios teus...
Ilumina-me agora a sepultura: -
Adeus, meu sol, adeus!
Florezinhas, que quando era menino
Tanto servistes aos brinquedos meus,
Vegetai, vegetai-me sobre a campa: -
Adeus, flores, adeus!
Vós, cujo canto tanto me encantava,
Da madrugada alígeros orfeus,
Uma nênia cantai-me ao pôr da tarde:
Passarinhos, adeus!
Vamos. Adeus ó mãe, irmãos, e amigos!
Adeus, terra, adeus, mares, adeus, céus!...
Adeus: que vou viagem de finados!...
Adeus!... adeus!... adeus!
Laurindo José da Silva Rabelo, o “poeta lagartixa”, sofreu os mesmos desencantos, os mesmos dissabores que sofrera Gregório de Matos, pela moralidade de sua poesia satírica. Mas em meio às diabruras, ainda tinha tempo de se dedicar ao lirismo, um lirismo tristonho (...)
Mulato com sangue de cigano, boêmio inveterado, nasceu e morreu sempre na maior pobreza. Infeliz até à morte. (Fonte: Vasco de Castro Lima – O Mundo Maravilhoso do Soneto - 1987)
Mulato com sangue de cigano, boêmio inveterado, nasceu e morreu sempre na maior pobreza. Infeliz até à morte. (Fonte: Vasco de Castro Lima – O Mundo Maravilhoso do Soneto - 1987)
Médico, professor e poeta, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 8 de julho de 1826, e faleceu na mesma cidade, em 28 de setembro de 1864. É o patrono da Cadeira n. 26 da ABL, por escolha do fundador Guimarães Passos. Era filho do oficial de milícias Ricardo José da Silva Rabelo e de Luísa Maria da Conceição, ambos mestiços e gente humilde do povo carioca.
Cresceu nas maiores privações, das quais só veio a se libertar nos últimos anos de sua vida. Pretendendo seguir a carreira eclesiástica, cursou as aulas do Seminário São José e recebeu as ordens, mas abandonou o seminário por intrigas de colegas.
Fez estudos na Escola Militar, outra vez tentando em vão fazer carreira. Ingressou no curso de Medicina no Rio, concluindo-o na Bahia, em 1856, vindo porém defender tese na cidade natal.
Em 1857, ingressou como oficial-médico no Corpo de Saúde do Exército, servindo no Rio Grande do Sul, até 1863. Neste ano voltou ao Rio, como professor de história, geografia e português no curso preparatório à Escola Militar.
Em 1860, casara-se com D. Adelaide Luiza Cordeiro, e só a partir de então pôde atenuar a pobreza que lhe marcou a existência. Atacado por uma afecção cardíaca, faleceu, aos 38 anos de idade.
(Fonte: http://netsaber.com.br)
Caracterizou-o, desde os anos de estudante, a maneira espontânea e desengonçada de viver. Por sua compleição física bizarra, a imaginação popular deu-lhe o apelido de "o poeta lagartixa". Viveu na boêmia, e aquele ambiente o estimulava literariamente. Como poeta satírico, era justamente temido e respeitado; teve amigos e, também, inimigos acérrimos, por causa dessa feição do seu talento, chegando a ser perseguido. Como repentista e improvisador, era popular e bem recebido em todos os salões. Fechavam os olhos à sua indumentária desleixada, só para ouvir o poeta e ver as cintilações daquele espírito. Em muitas das suas composições vibra também a nota de melancolia. Foi cognominado "o Bocage brasileiro". Pertencia ao período romântico.
A MINHA RESOLUÇÃO
(Laurindo Rabelo)
O que fazes, ó minh’alma?
Coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras
Te despreza, como ingrato,
Coração, sê mais sensato,
Busca outro coração!
Corre o ribeiro suave
Pela terra brandamente,
Se o plano condescendente
Dele se deixa regar;
Mas, se encontra algum tropeço
Que o leve curso lhe prive,
Busca logo outro declive,
Vai correr noutro lugar.
Segue o exemplo das águas.
Coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras,
Te despreza, como ingrato,
Coração, sê mais sensato:
Busca outro coração!
Nasce a planta, a planta cresce,
Vai contente vegetando,
Só por onde vai achando
Terra própria a seu viver;
Mas, se acaso a terra estéril
As raízes lhe é veneno,
Ela vai noutro terreno
As raízes esconder.
Segue o exemplo da planta.
Coração, por que te agitas?
Coração, por que palpitas?
Por que palpitas em vão?
Se aquele que tanto adoras
Te despreza, como ingrato,
Coração, sê mais sensato,
Busca outro coração!
Saiba a ingrata que punir
Também sei tamanho agravo:
Se me trata como escravo,
Mostrarei que sou senhor;
Como as águas, como a planta,
Fugirei dessa homicida;
Quero dar a um’alma fida
Minha vida e meu amor.
LOUSADA, Wilson (Org.) Cancioneiro do Amor. Rio de Janeiro:
Livraria José Olympio Editora, 1952.
LEANDRO E HERO
O facho de Helesponto apaga o dia,
Sem que aos olhos de Hero o sono traga,
Que dentro de sua alma não se apaga
O fogo com que o facho se acendia.
Aflita o seu Leandro ao mar pedia,
Que abrandando por ela, a prece afaga,
E traz-lhe o morto amante numa vaga
(Talvez vaga de amor, inda que fria).
Ao vê-lo pasma, e clama num transporte —
“Leandro!... és morto?! ... Que destino infando
Te conduz aos meus braços desta sorte?!
Morreste!... mas... (e às ondas se arrojando,
Assim termina já sorvendo a morte)
“Hei de, mártir de amor, morrer te amando.”
SONETO V - À SRA. MARIETA LANDA
Disseste a nota amena d'alegria,
E, arrebatado então nesse momento
De um doce, divinal contentamento,
Eu senti que minh'alma aos céus subia.
Disseste a nota da melancolia,
Negra nuvem toldou-me o pensamento;
Senti que agudo espinho virulento
Do coração as fibras me rompia.
És anjo ou nume, tu que desta sorte
Trazes o peito humano arrebatado
Em sucessivo e rápido transporte?!
Anjo ou nume não és; mas, se te é dado
No canto dar a vida, ou dar a morte,
Tens nas mãos teu Porvir, teu bem, teu fado.
SONETO III
Geme, geme, mortal infortunado,
É fado teu gemer continuamente:
Perante as leis do Fado és delinqüente,
Sempre tirano algoz terás no Fado.
Mas para não ser mais envenenado
O fel que essa alma bebe, e o mal que sente,
Não te iluda o falaz riso aparente
De um futuro de rosas coroado.
Só males o presente te afiança:
Encrustado de vermes charco imundo
Se te volve o passado na lembrança.
Busca, pois, o da morte ermo profundo:
Despedaça a grinalda da esperança:
Crava os olhos na campa, e deixa o mundo.
ADEUS AO MUNDO
I
Já do batel da vida
Sinto tomar-me o leme a mão da morte:
E perto avisto o porto
Imenso nebuloso, e sempre noite,
Chamado - Eternidade!
Como é tão belo o sol! Quantas grinaldas
Não tem de mais a aurora!!
Como requinta o brilho a luz dos astros!
Como são recendentes os aromas
Que se exalam das flores! Que harmonia
Não se desfruta no cantar das aves,
No embater do mar, e das cascatas,
No sussurrar dos límpidos ribeiros,
Na natureza inteira, quando os olhos
Do moribundo, quase extintos, bebem
Seus últimos encantos!
II
Quando eu guardava, ao menos na esperança,
Para o dia seguinte o sol de um dia,
De uma noite o luar para outras noites;
Quando durar contava mais que um prado,
Mais que o mar, que a cascata erguer meu canto,
E murmurá-lo num jardim de amores;
Quando julgava a natureza minha,
Desdenhava os seus dons: ei-la vingada:
Cedo de vermes rojarei ludíbrio,
E vida alardearão fracos arbustos
Sobre meu lar de morto! A noite, o dia,
O inverno, o verão, a primavera,
A aurora, a tarde, as nuvens, e as estrelas,
A rir-se passarão sobre meus ossos!
Não importa: não é perder o mundo
O que me azeda os pálidos instantes
Que conto por gemidos. Meu tormento,
Minha dor, é morrer longe da pátria,
Da mãe, e dos irmãos que tanto adoro.
III
Quando da pátria me ausentei, não tinha
Nada que lhes deixar, que lhes dissesse
O que eram eles dentro de minh'alma.
Mendigo, a quem cedi pequena esmola,
Deu-me quatro sementes de saudades;
Ao meu jardim doméstico levei-as,
Cavei, reguei a terra com meu pranto,
E plantei as saudades. Soluçando
Chamei ali os meus: "Aqui vos deixo
(Disse apontando à plantação) "em flores
"Minh'alma toda inteira; aqui vos deixo
"Um tesouro enterrado. Jóias, oiro,
"Riquezas, não, não tem, porém na terra
Estéril não será." Ondas de pranto
Afogaram-me a voz: houve silêncio;
Palpei de novo o chão; vi que de novo
Cavado estava! A terra se afundara,
E as sementes nadavam sobre lágrimas,
Que minha mãe e minha irmã choravam...
Replantei-as, orei, beijei a terra,
E parti... Trouxe d'alma só metade;
E o coração?... deixei-o num abraço.
IV
Certo estou de que a planta, já crescida,
Terá brotado flor. Se ao menos dado
Me fosse colher uma... ver a terra
Pelo pranto dos meus santificada!
Se uma dessas saudades enfeitar-me
Viesse a minha essa, ou meu sudário,
Ou, pela mão materna transplantada,
Encravar-me as raízes no sepulcro...
É tão pouco, meu Deus!!... Eu não vos peço
Soberbo mausoléu, estátua augusta
De túmulo de rei. Assaz desprezo
Esses gigantes de oiro
Com entranhas de pó. Mortalha escassa
De grosseiro burel, que bordem lágrimas;
Terra só quanto baste p'ra um cadáver,
E as minhas saudades, e entre elas
Uma cruz com os braços bem abertos,
Que peça a todos preces. Terra, terra
Perto dos meus e no terrão da pátria,
É só quanto suplico.
V
A morte é dura,
Porém longe da pátria é dupla a morte.
Desgraçado do mísero, que expira
Longe dos seus, que molha a língua, seca
Pelo fogo da febre, em caldo estranho;
Que vigílias de amor não tem consigo,
Nem palavras amigas que lhe adocem
O tédio dos remédios, nem um seio,
Um seio palpitante de cuidados
Onde descanse a lânguida cabeça!
Feliz, feliz aquele, a quem não cercam
Nesse momento acerbo indiferentes
Olhos sem pranto; que na mão gelada
Sente a macia destra d'amizade
Num aperto de dor prender-lhe a vida!
Feliz o que no arfar da ânsia extrema
De desvelada irmã piedoso lenço,
Úmido de saudades vem limpar-lhe
As frias bagas dos finais suores!
Feliz o que repete a extrema prece,
Ensinada por ela, e beijar pode
O lenho do Senhor nas mãos maternas!
Desgraçado de mim!... Talvez bem cedo
Longe de mãe, de irmãos, longe da pátria
Tenha de me finar... Ramo perdido
Do tronco que o gerou, e arremessado
Por mão de Gênio mau à plaga alheia,
Mirrarei esquecido! Os céus o querem,
Os Céus são imutáveis: aos decretos
Do Senhor curvarei a fronte humilde,
Como cristão que sou. Eternidade,
Recebe-me a teu bordo!... Adeus, ó mundo!
VI
Já sinto da geada dos sepulcros
O pavoroso frio enregelar-me...
A campa vejo aberta, e lá do fundo
Um esqueleto em pé vejo a acenar-me...
Entremos. Deve haver nestes lugares
Mudança grave na mundana sorte;
Quem sempre a morte achou no lar da vida
Deve a vida encontrar no lar da morte.
Vamos. Adeus, ó mãe, irmãos, e amigos!
Adeus, terra, adeus, mares, adeus, céus!...
Adeus, que vou viagem de finados...
Adeus... adeus... adeus!
Adeus, ó sol que, amigo iluminaste
Meu pobre berço com os raios teus...
Ilumina-me agora a sepultura: -
Adeus, meu sol, adeus!
Florezinhas, que quando era menino
Tanto servistes aos brinquedos meus,
Vegetai, vegetai-me sobre a campa: -
Adeus, flores, adeus!
Vós, cujo canto tanto me encantava,
Da madrugada alígeros orfeus,
Uma nênia cantai-me ao pôr da tarde:
Passarinhos, adeus!
Vamos. Adeus ó mãe, irmãos, e amigos!
Adeus, terra, adeus, mares, adeus, céus!...
Adeus: que vou viagem de finados!...
Adeus!... adeus!... adeus!
Obras publicadas: Trovas, 1853; Poesias, 1867;
Obras Poéticas, 1876; Obras Completas, 1946;
Poesias Completas de Laurindo Rabelo, 1963.
Deixou vários inéditos.
Fonte: VALADARES, Napoleão.
Fonte: VALADARES, Napoleão.
De Gregório a Drummond. Brasília:
André Quicé Editor, 1999. 220 p. [Antologia]
Fonte: http://www.antoniomiranda.com.br
Beijo de amor
Se me queres ver ainda,
Recobra da vida a flor;
Deixa remoçar-me a vida
Um beijo de teu amor.
De minha vida a ventura
Teus lábios guardam consigo,
Dá-me um só beijo e verás
Se é mentira o que eu te digo.
Como a flor, do sol a um beijo,
Se quiseres, podes ver,
A minh'alma, semimorta,
Num teu beijo reviver.
De minha vida a ventura, etc.
Só esperá-lo me alenta,
Me conforta o fado meu;
Imagina só por isso
Quanto pode um beijo teu.
De minha vida a ventura, etc.
...
O soneto de Laurindo Rabelo Leandro e Hero está todo permeado pela mitologia! Leandro era um jovem que residia em Ábidos, cidade situada na margem asiática do estreito que separa a Ásia da Europa. Na margem oposta do estreito, na cidade de Sestos, vivia a donzela Hero, sacerdotisa de Vênus. Leandro a amava e costuma atravessar o estreito a nado, todas as noites, para gozar a companhia da amante, guiado por uma tocha, que ela acendia na torre, para esse fim. Mas, numa noite de tempestade, em que o mar estava muito agitado, o jovem perdeu as forças, e afogou-se. As ondas levaram o corpo à margem européia, onde Hero tomou conhecimento de sua morte e, desesperada, atirou-se da torre ao mar e morreu. A história de Leandro atravessando o Helesponto a nado era tida como lendária e considerada impossível, até Lord Byron provar sua possibilidade, realizando a façanha ele próprio. Lendo e aprendendo!Maria Granzoto.
ResponderExcluirParabéns editora de Literatura Brasileira Maria Granzoto da Silva pelo esclarecedor comentário sobre o soneto do Laurindo Rabelo, poeta que admiro muito.
ResponderExcluirPrabéns também ao blog artculturalbrasil por publicar matéria de qualidade literária e poética na internet.
Elza Valéria