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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

Affonso Romano

Belo Horizonte - MG -1937


Affonso Romano de Sant'Anna, filho de Capitão da Polícia Militar de Belo Horizonte, Jorge Firmino de Sant'Anna e de D. Maria Romano de Sant'Anna, nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, em 27 de março de 1937, mas foi criado em Juiz de Fora, a "Manchester" mineira. Vindo de uma infância de menino pobre, pagou seus estudos de primário e ginásio, em Juiz de Fora, carregando marmitas, trouxas de roupas para lavadeiras, vendendo papel e balas no cinema. De bicicleta, vendia seus produtos de armazém em armazém; enquanto esperava ser atendido, lia os livros que conseguia nas bibliotecas do SESI e do SAPS. Filho de pais protestantes, foi criado para a igreja. Aos 17 anos chegou a pregar o evangelho em várias cidades de Minas Gerais. Através desse convívio com os crentes, entrou no universo dos pobres, fazendo culto e pregando em favelas, hospitais e cadeias. Sentado desde pequeno em bancos de igreja ouvindo a Bíblia, os sermões, absorveu uma batida profundamente poética, que acabou entrando em seus textos, dando-lhes um tom bíblico.

Cursou a faculdade de Letras de Belo Horizonte e trabalhou em Bancos e em Jornais para custear seus estudos universitários. Em 1956 coordenou movimentos de Vanguarda e no ano seguinte, engajou-se numa experiência diferente, o "Madrigal Renascentista", onde usou sua bela voz de barítono, regida por Isaac Karabtchevsky. No ano de 1962 lançou seu primeiro livro, o ensaio "O Desemprego da Poesia" colocando nele seu desencanto sobre a atuação do poeta de hoje, que não possui a força dos poetas do século XIX. Nesse ensaio analisou o desencontro do poeta no seu tempo e sua frustração pessoal. O poeta era tido como um ser boêmio, romântico, fora de época.

Em 1965, nasceu sua primeira filha, Fabiana. Casou-se em 1971 com Marina Colasanti, escritora e jornalista, sua melhor crítica e também sua inspiradora em diversos poemas. No mesmo ano lança seu primeiro livro de poesias "Canto e Palavra". Após dois anos lecionando Literatura Brasileira na Universidade da Califórnia, volta ao Brasil,trabalha no Jornal do Brasil e retorna logo depois aos Estados Unidos como bolsista do International Writing Program, na Cidade de Iowa. Apresenta em 1969 sua tese de doutorado "Carlos Drumond de Andrade, o Poeta "Gauche", no Tempo e Espaço." que viria a ser publicado em 1972 e que lhe garantiu os quatro prêmios mais importantes no universo literário brasileiro.

Nasce em 1972 sua segunda filha, Alessandra. No Rio de Janeiro, lecionou na PUC e na UFRJ. Durante 1973 e 76 dirigiu o Departamento de Letras e Artes da PUC/RJ. Lança seu segundo livro de poesias "Poesia sobre Poesia". Para a Pós-Graduação em Letras, realizada em 1976 na PUC/RJ, trouxe Conferencistas Internacionais, entre os quais Michel Foucault, sociólogo francês. Houve grande repercussão da visita de Foucault ao país, que se encontrava em pleno regime ditatorial. Em 1977, os Estados Unidos tornam a convocá-lo para lecionar Literatura Brasileira na Universidade do Texas. Em 1978, torna-se professor de Literatura na Universidade de Colônia, na Alemanha. Lança em 1980 o livro de poesias "Que país é este?" , cujo poema título foi publicado com destaque pelo Jornal do Brasil. Em 1981/1982, foi para a França lecionar como professor visitante em Aix-en-Provence.

Desde 1984, escreve, no Jornal do Brasil, coluna anteriormente escrita por Carlos Drummond de Andrade. O jornal teve uma iniciativa pioneira e insólita: publicar seus poemas na página de política, e não no suplemento literário. Diversas vezes seus poemas, sempre voltados para a realidade política brasileira, foram publicados em páginas inteiras. Foi um acontecimento sócio literário, de grande repercussão. Essa iniciativa do Jornal do Brasil de publicar seus poemas na página de política, fez com que mudasse seu conceito sobre o próprio emprego do poeta na sociedade. Percebeu mais claramente que a função do poeta está vinculada, primeiramente, ao fato de que ele precisa ter uma linguagem eficiente, ter domínio de todas as técnicas, falar sobre assuntos que interessem às pessoas em geral, sem narcisismo nem subjetivismo, e encontrar um veículo eficiente para projetar o seu trabalho, no caso o jornal. Considera o livro ainda muito elitista, sofisticado, de acesso impossível às camadas mais pobres de nossa sociedade. Saber que seus poemas, como: "A Implosão da Mentira","Que país é este?" e "Sobre a atual vergonha de ser Brasileiro" , estavam sendo lidos nas casas, nas praias, nos clubes, por mais de um milhão de pessoas, em muito o gratificou e o ensinou que os poetas têm que re-achar o seu lugar existencial e estético dentro da sociedade.

Publica pela Editora Rocco seu primeiro livro de crônica "A Mulher Madura", em 1986. Em março do ano seguinte participou do Congresso "Les Belles Etrangères", onde foram reunidos dezenove escritores brasileiros em Paris e no mesmo ano publica com sua esposa a antologia "O Imaginário a Dois". Em 89 participou do "IV Encontro de Poetas do Mundo Latino", realizado no México. Em 1990, foi nomeado Presidente da Fundação Biblioteca Nacional, defrontou-se, na prática, com sua própria frase a respeito do país: "Nós estamos muito à frente, mas estamos ainda muito atrás de nós mesmos". Cronista do jornal "O Globo", teve também participação em programas na TV Globo onde criou um novo gênero, algo entre a literatura e o jornalismo. Durante a Copa do Mundo, a TV Globo encomendou-lhe dez textos sobre os jogos, que deveriam ser escritos num espaço de duas horas, ligados à imagem e inteligíveis pelo país inteiro. O mesmo aconteceu com relação à Fórmula I. Também, nesse mesmo gênero, escreveria um poema por ocasião da morte do Presidente Tancredo Neves. Na sua opinião, a televisão, ao contrário do que muitos dizem, não veio para acabar com a literatura. É um veículo moderno e eficiente de promoção da literatura. Foi Presidente da Fundação Biblioteca Nacional de 1990 a 1996. Ganhou o Prêmio Especial de Marketing - concedido pela Associação Brasileira de Marketing, pelo trabalho realizado na Biblioteca Nacional. Atualmente escreve colunas aos sábados para o JornalO Globo aos sábados e domingo no suplemento "Em cultura" do Jornal Estado de Minas.

Fonte: http://www.geocities.com/artuso.geo/biogra.htm

Aprendizado

Estou aprendendo a enterrar amigos,
corpos conhecidos, e começo as lições
de enterrar alguns tipos de esperança
Ainda hoje sepultei um braço
e um desejo de vingança
Ontem, fui mais fundo: sepultei a tíbia esquerda
e apaguei três nomes da lembrança

Arte-final

Não basta um grande amor
para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
que o amor da gente.
O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.
Uma coisa é a letra,
e outra o ato,
­ quem toma uma por outra
confunde e mente.

Cena Familiar
Densa e doce paz na semiluz da sala.
Na poltrona, enroscada e absorta, uma
filha
desenha patos e flores.
Sobre o couro, no chão, a outra viaja
silenciosa
nas artimanhas do espião.
Ao pé da lareira a mulher se
ilumina numa gravura
flamenga, desenhando, bordando pontos de paz.
Da mesa as contemplo e anoto a felicidade
que transborda da moldura do poema.
A sopa fumegante sobre a mesa, vinhos e queijos,
relembranças de viagens
e a lareira acesa.
Esta casa na neblina, ancorada entre pinheiros,
é uma nave iluminada.
Um oboé de Mozart torna densa a eternidade.

Cilada Verbal

Há vários modos de
matar um homem:
com o tiro, a fome, a espada
ou com a palavra
envenenada.
Não é preciso força.
Basta que a boca solte
a frase
engatilhada
e o outro morre
- na sintaxe da emboscada.

Conjugação

Eu falo
tu ouves
ele cala.

Eu procuro
tu indagas
ele esconde.

Eu planto
tu adubas
ele colhe.

Eu ajunto
tu conservas
ele rouba.

Eu defendo
tu combates
ele entrega.

Eu canto
tu calas
ele vaia.

Eu escrevo
tu me lês
ele apaga.



O Duplo

Debaixo de minha mesa
tem sempre um cão faminto
-que me alimenta a tristeza.
Debaixo de minha cama
tem sempre um fantasma vivo
-que perturba quem me ama.
Debaixo de minha pele
alguém me olha esquisito
-pensando que eu sou ele.
Debaixo de minha escrita
há sangue em lugar de tinta
-e alguém calado que grita.


Para Carlos Bracher

A tua mão, pintor, e a fúria tua pincelando meu rosto,
a tua mão, pintor, e os olhos teus em fúria pincelando
morros e casas dentro do meu rosto,
a tua fúria, pintor, e eu em tuas mãos,
em teus morros, casas, portões e rosto
Eu nunca tinha visto, só nos livros e filmes
Um tal arrebatamento de artista :
Parecias um Quixote com lanças, pincéis e as pás
Dos teus moinhos movendo a tinta das noites
O alvoroço dos teus gestos iluminava a criação
no mês de agosto
Sim, numa tela de agosto nos revemos
pintando na conversa as cores da remota infância
Na moldura deste agosto agora nos expomos :
- há fúria e espanto na face do poeta e do
pintor ante o que somos "


A Higiene do Corpo

Toda manhã a barba
cresce sobre a face
da terra e do homem
pedindo o orvalho
- e a navalha.
Presto, acordo a lâmina
e deslizo um óleo santo
sobre o imolado rosto da manhã.
Do chuveiro escorre a água
sobre as partes circundadas pela mão
alegre. Os poros se aliviam
descendo brancas bolhas perna abaixo.
É o banho: ritual aquático e diário
Daquele que se purifica e matinal
Desdobra as felpas da toalha
E sai ungido em veste pura.
Te vestirei com meu suor,
Te banharei toda manhã,
Te alimparei , te cuidarei
Nas unhas e dentições .
Os teus pelos polirei,
Os teus fios cortarei
E como potro bravio
Pelos pastos crescerei


Mais Affonso Romano de Sant'Anna: http://www.geocities.com/artuso.geo/biogra.htm  


Realização

3 comentários:

  1. Anônimo15:46

    Sou sua fã muito antes de dizerem que eu era capaz de fazer poesias...rs, ainda não creio nisso, mas é sempre muito bom lê-lo, suas poesias entram através da pele e lá ficam, agitando, por muito tempo ainda depois de se ter acabado a leitura.
    Um abraço e parabéns.

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  2. Escritor e Poeta Affonso Romano de Sant'Anna, acredito que não possa avaliar a minha admiração por você.
    E ter mais esse espaço para ler seus textos é motivo de muita felicidade para mim.
    Sou sua fã de carteirinha, literalmente.
    Outro dia li um texto seu cujo título é "Quando os Amantes Dormem" e fiquei aqui pensando com os meus "botões", sobre a sua sensibilidade, sobre a sua competência e sobre o "ser" lindo que é.
    Só posso agradecer ao ArtCultura e apaludir você!
    Com carinho
    Sandra Lúcia Ceccon Perazzo

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  3. Aurian13:03

    Estou fazendo meu projeto de pesquisa baseado nas suas poesias. Todas são de alto padrão literário.

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