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UMA CIDADE SEM MEMÓRIA CULTURAL É UMA CIDADE SEM FUTURO HISTÓRICO

Marialzira Perestrello


Rio de Janeiro - RJ
1917
“quando sou mesmo você”?
“quando você é mesmo eu”?
Carioca, médica, psicanalista e escritora. Começou a escrever poemas aos 45 anos e, em 2007, com 90 anos, publicou um novo livro pela editora Nova Razão Cultural. Personalidade das mais ricas da vida intelectual brasileira. O Conselho Nacional de Mulheres do Brasil elege-a como uma das ''Dez mulheres de 2004''. Viúva de Danilo Perestrello, psiquiatra pioneiro da psicanálise no Brasil. Uma dos fundadores da Sociedade de Psicanálise do Rio de Janeiro. Incentivada por José Paulo Moreira da Fonseca, que apresentou o livro, estreou em 1972com o livro Há um quadrado de céu que não viram. Diz artigo de Sérgio Paulo Rouanet, publicado pelo Jornal do Brasil, que se encontra na página da Academia Brasileira de Letras: “Caracterizam essa poesia a musicalidade, o intenso lirismo, a ausência de artifício, uma sensualidade discreta e até mesmo uma certa gravidade religiosa, que por estranho que pareça se harmoniza bem com o agnosticismo da autora, porque é uma religião panteísta, como a de Spinoza (''Deus sive natura'') toda feita de reverência e deslumbramento diante do céu, do mar e da vida vegetal.” Sempre foi saudada por grandes escritores: Guuilherme de Figueiredo, Érico Veríssimo, Alphonsus de Guimaraens Filho, José Cândido de Carvalho e tantos outros.
Bibliografia: Há um quadrado de céu que não viram, Rio de Janeiro, José Olympio, 1972; Nosso canto a nosso jeito, Rio de Janeiro, José Olympio, 1975; Ruas caladas, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1978; Mãos dadas, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1989; A música persiste... Rio de Janeiro, Imago, 1995; Tudo é presente, Rio de Janeiro, Imago, 2001; Caminhos da vida, Rio de Janeiro, Imago, 2003; Pedaços da Vida e Futuro esquecido (romance), editora Galo Branco, 2005; A barca branca, Nova Razão Cultural, 2007 (este seu último livro retrata a ilha de Paquetá, onde a autora mora).


Página preparada por Salomão Sousa.

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'Futuro esquecido' mistura clínica e vozes interiores
“Marialzira Perestrello é uma das personalidades mais ricas da vida intelectual brasileira. Não surpreende, assim, que ela tenha recebido homenagens como a que lhe foi prestada recentemente pelo Conselho Nacional de Mulheres do Brasil, que a elegeu como uma das ''Dez mulheres de 2004''.
Sabia-se há muito que essa personalidade era múltipla. Como um poeta que ela ama particularmente, Goethe (aos 90 anos ela está aprendendo alemão somente para poder ler no original os clássicos dessa língua) não era nenhum segredo que ela tinha pelo menos duas almas, ou duas vocações: uma psicanalítica e outra poética. (Sergio Paulo Rouanet)

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Retrato

In memoriam

Alta, esbelta,
envolta em chamas,
os apertados lábios,
finos e firmes,
o sorriso escondido e mau,
o olhar a penetrar
— intrusa —
a mulher do quadro encheu a sala.

Do belo rosto de Dorian Gray
só ressurgia
o reverso de todo o mal
do crime, do abismo.
Mas aqui?
Por que o pintor me vira assim?

Correram os anos
o quadro ainda enche a sala toda.

Hoje indago triste a essa dama:
“quando sou mesmo você”?
“quando você é mesmo eu”?

E a mulher não mais me assusta
...
Tempo de espera

Até quando
esse cruzar de braços, impotente,
essa espera?
Até quando
ó Senhor Tempo
o teu domínio?

E tu, Morte,
Por que não te apressaste?
Por que não chegaste antes
Que o Inexorável nos aprisionasse?
Bem-vinda terias sido à casa nossa!

II

Triste é a espera
que mina aos poucos
aos poucos.

Onde nós dois
que nos olhávamos
que nos falávamos
que nos tínhamos?

Agora somos sombras,
sombras defazendo-se.
E quase nem lembramos
de quem as sombras somos.

Quando o futuro for passado

Quando eu for velha,
murcha e bem seca,
quando os seios que amaste
não forem mais o que hoje são.
Quando o colorido escurecer
E o escuro embranquecer,
quando o olhar amortecer,
o andar trôpego duvidar
e ruga funda me visitar,
Quando formos já dois velhos
(sim, um dia, pouco a pouco,
tudo isto há de chegar!)
quando o futuro for presente
e o presente passado...
longos diálogos viverão
junto a silêncios,
junto a suspiros.
Quando eu for velha, bem velha,
que canto terei em mim?
Barcarola

Nosso barco nos levará
onde as ilhas são douradas
as serras são silêncio
os homens são irmãos.

De todos
De todos os meus quadros
prefiro os quadrados de céu
pois alguém que faz o tempo
pinta meu mundo também

Riqueza

Cecília, disseste:
“Não sou rica nem pobre, sou poeta”.
Amiga, esqueceste:
Nós, poetas, mesmo pobres não somos ricos?

1992

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