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Literatura Comparada: Castro Alves e Manuel Bandeira
É possível ser observada a trajetória da produção poética do século XIX ao século XX através da análise dos poemas “O ‘adeus’ de Teresa” de Castro Alves e “Teresa” de Manuel Bandeira. O poeta moderno, Manuel Bandeira, despoja-se do lirismo convencional para fazer poesia do cotidiano, do prosaico e com linguagem mais acessível e casual.
Bandeira canta seu amor e encantamento por “Teresa”. Porém, percorre caminho distinto daquele percorrido por Castro Alves − o caminho da modernidade.
A leitura dos poemas “O ‘adeus’ de Teresa” do poeta romântico Castro Alves e “Teresa” do poeta moderno Manuel Bandeira instigam no leitor o interesse pela realização de uma análise comparada. As emoções despertadas pelo lirismo convencional da leitura do primeiro são imediatamente desestabilizadas pela forma, linguagem e conteúdo irônico do segundo. Todavia, fica evidente entre os dois poemas certa cumplicidade devido ao lirismo confidencial, desencadeado pelos últimos versos do poema de Bandeira. Condições que justificam a análise que segue.
Conforme Alfredo Bosi (1994, p.120), Antônio Frederico de Castro Alves (Bahia,1847-1871), poeta do Romantismo brasileiro, começa a se fazer conhecido em 1865, época da decadência do Brasil puramente rural e do crescimento da cultura urbana associada a ideais democráticos. Segundo o teórico, devido a essas transformações, mudam também os modelos poéticos. Apesar do intimismo de Lamartine e de Musset continuarem como fonte de inspiração, é a sátira inovadora de Vitor Hugo que determina a nova tendência. Para Bosi (1994, p.120), o que torna Castro Alves um “poeta novo” é sua posição libertária e também a clareza com que expressa seu fascínio pela mulher amada. O poeta, afirma Bosi (1994, p.120), proporciona uma lírica erótica mais forte, limpa e menos culposa. Em “O ‘Adeus’ de Teresa”, Castro Alves, exterioriza, de forma bastante clara, fortes sentimentos amorosos:
O Moderno reescreve o Romântico 3
O ‘Adeus’ de Teresa
Antônio de Castro Alves
1 A vez primeira que eu fitei Teresa,
2 Como as plantas que arrasta a correnteza,
3 A valsa nos levou nos giros seus...
4 E amamos juntos... E depois na sala
5 “Adeus” eu disse-lhe a tremer co’a fala...
6 E ela, corando, murmurou-me: ‘adeus’.
7 Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...
8 E da alcova saía um cavaleiro
9 Inda beijando uma mulher sem véus...
10 Era eu... Era a pálida Teresa!
11 ‘Adeus’ lhe disse conservando-a presa...
12 E ela entre beijos murmurou-me: ‘adeus!’
13 Passaram-se tempos... sec’los de delírio
14 Prazeres divinais... gozos do Empíreo...
15 ... Mas um dia volvi aos lares meus.
16 Partindo eu disse _ ‘Voltarei!... descansa!...’
17 Ela, chorando mais que uma criança,
18 Ela em soluços murmurou-me: ‘adeus!’
19 Quando voltei... era o palácio em festa!...
20 E a voz d’Ela e de um homem lá na orquestra
21 Preenchiam de amor o azul dos céus.
22 Entrei!... Ela me olhou branca... surpresa!
23 Foi a última vez que eu vi Teresa!...
24 E ela arquejando murmurou-me: ‘adeus!’
Nau Literária, Porto Alegre, n.5, p. 187-193, jul./dez.2007
De acordo com a tradição romântica, Castro Alves preocupa-se com a questão formal de seu poema. Faz uso de versos decassílabos com rimas externas e consoantes, do tipo emparelhadas, sendo que os versos 3, 6, 9, 12, 15, 18, 21 e 24 apresentam rimas alternadas entre si.
O poema de Castro Alves relata o processo de conhecimento e descoberta amorosa entre o eu-lírico e Teresa até chegar ao rompimento dessa relação. Cada uma das quatro estrofes, em seu primeiro verso, apresenta uma marca de tempo referente ao romance entre o casal:
A vez primeira que eu fitei Teresa (V.1)
Uma noite... entreabriu-se um reposteiro... (V.7)
Passaram tempos... sec’los de delírio (V.13)
Quando voltei... era o palácio em festa!... (V.19)
A primeira estrofe do poema, ao referir-se ao primeiro encontro, evidencia um forte envolvimento amoroso, arrebatador como a correnteza e envolvente como os giros da valsa.
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus... (versos 2, 3)
No segundo momento em que o sujeito-lírico e Teresa se encontram no poema de Castro Alves, o amor entre o casal concretiza-se através do ato sexual, como é possível de se observar nos seguintes versos (o grifo foi para destacar):
‘Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus...
Era eu... Era a pálida Teresa!’ (versos 7-10)
O terceiro momento de encontro dos amantes é quase eternizado pelo eu-lírico, sugerindo que nesse período os encontros foram muitos e de grande intensidade:
Passaram-se tempos... sec’los de delírio (V.13)
Prazeres divinais... gozos do’ Empíreo... (V.14)
No poema de Castro Alves há ainda um quarto momento. Nesse, ocorre ruptura da relação amorosa − de acordo com o olhar do eu poético, Teresa está enamorada de outro homem:
“Foi a última vez que eu vi Teresa!...” (V. 23)
As quatro maneiras distintas de Teresa portar-se durante as despedidas – “corando”(V.6), “entre beijos” (V.12), “em soluços” (V.18) e “arquejando” (V.24) – revelam a trajetória da relação. Há um processo de evolução: “corando” (V.6) para “entre beijos” (V.12); seguido de declínio: “em soluços” (V.18) para “arquejando” (V.24). Portanto, de um amor repentino para a realização amorosa e desta para o distanciamento e desilusão. Situação própria do estilo de época a que Castro Alves é contemporâneo – o Romantismo.
Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (Recife, 1886 – Rio, 1968), em seu poema moderno intitulado “Teresa”, estabelece relações de intertextualidade com o poema “O Adeus’ de Teresa” de Castro Alves ao também relatar o processo de conhecimento e descoberta amorosa entre o eu poético e Teresa:
TeresaManuel Bandeira
1 A primeira vez que vi Teresa
2 Achei que ela tinha pernas estúpidas
3 Achei também que a cara parecia uma perna
4 Quando vi Teresa de novo
5 Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
6 (Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
7 Da terceira vez não vi mais nada
8 Os céus se misturaram com a terra
9 E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
Com o poema “Teresa”, Bandeira apresenta uma nova visão do romance cantado por Castro Alves; faz uso de lirismo irônico e transformador. Em Estrutura da Lírica Moderna, Hugo Friedrich (1978, p.17) enfatiza que “transformar” é o comportamento que domina a poesia moderna no que diz respeito tanto ao mundo como à língua. Segundo Friedrich (1994, p.18-19), os poetas, ao se libertarem do estilo convencional − que satisfaz o hábito do leitor −, adquirem mais intensidade em seu fazer poético e, quanto maior for a “libertação do poeta”, maior será a incompreensibilidade de sua poesia. O que para o teórico é uma primeira característica da vontade estilística.
Alfredo Bosi (1994, p.438) destaca que, no movimento modernista brasileiro, a poesia foi o gênero literário que sofreu alterações mais radicais. De acordo com o teórico, Manuel Bandeira, junto com Mário de Andrade e Oswald de Andrade deram à poesia um novo vigor com o rompimento dos padrões tradicionais e o uso de formas livres. Em “Teresa”, há liberdade na forma e linguagem − características modernas. No poema em estudo, a pontuação ocorre apenas no último verso da produção poética, a linguagem empregada é coloquial e a temática amorosa é “recheada” com termos prosaicos.
Condições que geram um impacto no leitor convencional, pois o lirismo usado por Castro Alves é desconstruído por Bandeira, alterando a imagem de Teresa já há muito tempo construída. Bandeira compõe seu poema “Teresa” com nove versos livres, distribuídos em três tercetos. O esquema rítmico é variado, os versos 1, 7 e 8 são eneassílabos. O verso 8 pode também ser aceito como decassílabo heróico, conforme mostram os exemplos a seguir:
V.1: 9 (3-5-7-9-)
V4: 8 (3-5-8-)
V.7: 9 (3-5-7-9)
V.8: 9 (6-9) ou 10 (6-10)
O poema não apresenta rimas consoantes, apenas toantes e internas:
Versos 1, 2, 3: VI, Tinha, pareCIa;
Versos 4, 5, 6: Novo, CORpo;
Versos 7, 8, 9: NAda, mistuRAram, Águas.
V.2: Achei que ela tinha pernas estúpidas - metáfora
V.3: Achei que a cara parecia uma perna - comparação
A comparação estabelecida entre a cara e a perna reforça a metáfora anterior, pois se a perna é estúpida, a cara segue a mesma classificação, o que denota certo grau de infantilidade de Teresa perante o olhar do eu poético. Aparentemente, Teresa não desperta no sujeito-lírico sentimento amoroso ou mesmo atração carnal enquanto mulher.
Na segunda estrofe do poema de Manuel Bandeira, o eu poético amadurece a imagem infantil e ingênua que teve no primeiro encontro ao sentir os olhos de Teresa mais velhos que o corpo. Destaca-se, então, a idéia de tempo transcorrido, capaz de realizar mutações tanto no campo físico como no campo sentimental. Para expressar essas idéias, novamente o poeta faz uso de figuras de linguagem:
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo (V.2)
Olhos muito mais velhos que o resto do corpo - comparação
Comparando os olhos com o corpo, percebe-se que os olhos representam sensualidade, maturidade, o que o corpo de Teresa ainda não desperta no poeta. Olhos velhos – metáfora
Mas a imagem ingênua que Teresa desperta no eu-lírico devido ao seu corpo é substituída por uma impressão de Teresa mulher em função da percepção que o eu poético tem do seu olhar. Nessa situação, o eu-lírico mantém impressões contraditórias a respeito de Teresa. Ao mesmo tempo em que a vê mulher através de seus olhos, não a percebe sensual ao observar seu corpo.
Olhos x corpo - metonímia
Olhos X corpo - antítese
Através da antítese, torna-se latente a idéia de tensão, ruptura, inquietude e desencontro do eu-poético. Ele perturba-se ao perceber que alimenta sentimentos contraditórios e desarmônicos perante seu objeto de desejo. Então, abre parênteses e dá uma explicação da situação antitética que ora vivencia – verso 6: “(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)”.
Entretanto, ao finalizar seu poema, Bandeira lança mão de grande lirismo e realça momento de profundo sentimento amoroso. O lirismo intenso dá-se através da linguagem e da alusão que o poeta faz à religião, ausente nos momentos anteriores. A fusão do espiritual com o material rompe com o estilo moderno de desapego sentimental até ali apresentado. Esse momento forte efetiva-se com as expressões “céu” e “terra” (V. 8); “o espírito de Deus” e “a face das águas” (V.9).
Os céus se misturaram com a terra (V.8)
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas. (V.9)
A drástica mudança no olhar do sujeito lírico desencadeada no terceiro encontro do casal, possivelmente gere um novo desconforto no leitor já envolvido pelo enfoque auto-irônico até aquele momento empregado pelo poeta. Mas, conforme Bosi (1994, p.361), o fato de Bandeira adotar uma poesia de libertação das regras e temas anteriormente empregados, não significa que o poeta esteja totalmente desapegado de romantismo:
Entretanto, não se pode dizer que o mesmo esforço libertário o tenha imunizado do prestígio das velhas poéticas, responsável pelo seu aberto comprazimento de atmosferas românticas ou de ecos neoclássicos: tudo o que dá à sua linguagem aquele ar de última experiência de uma refinada civilização literária, tão evidente nos mestres da poesia moderna, T. S. Eliot, Pound, Ungaretti. (BOSI, 1994, p.361)
Assim, após realizar esse estudo comparado entre poemas de épocas diferentes, salienta-se a evolução do estilo romântico até chegar à modernidade. A ironia presente no poema de Bandeira demonstra o desapego à idéia de doação total ao amor, mas não a negação desse sentimento. Em “Teresa”, Manuel Bandeira trabalha o prosaico e o cotidiano entrelaçados com o sublime e o poético. Paralelismo que pode ser percebido na primeira e segunda estrofe (prosaico, cotidiano) com a terceira estrofe (sublime, poético), é o moderno reescrevendo o romântico.
Faltou-nos ainda a abordagem das relações entre os estudos de Literatura Comparada e Tradução, o que faremos na edição III. Encerramos a pesquisa com um pensamento de Steiner :
"Para mim, a Literatura Comparada é, na melhor das hipóteses, uma arte de ler rigorosa e exigente, um estilo de ouvir ou ler atos de linguagem que privilegiam certos componentes desse ato. Esses componentes não são negligenciados em qualquer modo de estudo literário, porém na literatura comparada eles são privilegiados".
Páginas Maria Granzoto
Primeiras Palavras
Luis Fernando Veríssimo
Respondendo e-mails
O Poeta de Almas Raras
Érico Veríssimo
O vira-lata
Víctor Giudice
Repouso no Sítio
Escola Baiana
Tríade Juizforana
Euclides da Cunha
Patativa do Assaré
Helena Kolody
Páginas Ruth Olinda
Sugestões para
Nota do editor:
solicitamos aos nossos leitores - que postarem comentários com sugestões ou críticas - que se identifiquem com nome e e-mail.
Atenciosamente,
Lineu Roberto de Moura
artculturalbrasil
De acordo com a tradição romântica, Castro Alves preocupa-se com a questão formal de seu poema. Faz uso de versos decassílabos com rimas externas e consoantes, do tipo emparelhadas, sendo que os versos 3, 6, 9, 12, 15, 18, 21 e 24 apresentam rimas alternadas entre si.
O poema de Castro Alves relata o processo de conhecimento e descoberta amorosa entre o eu-lírico e Teresa até chegar ao rompimento dessa relação. Cada uma das quatro estrofes, em seu primeiro verso, apresenta uma marca de tempo referente ao romance entre o casal:
A vez primeira que eu fitei Teresa (V.1)
Uma noite... entreabriu-se um reposteiro... (V.7)
Passaram tempos... sec’los de delírio (V.13)
Quando voltei... era o palácio em festa!... (V.19)
A primeira estrofe do poema, ao referir-se ao primeiro encontro, evidencia um forte envolvimento amoroso, arrebatador como a correnteza e envolvente como os giros da valsa.
Como as plantas que arrasta a correnteza,
A valsa nos levou nos giros seus... (versos 2, 3)
No segundo momento em que o sujeito-lírico e Teresa se encontram no poema de Castro Alves, o amor entre o casal concretiza-se através do ato sexual, como é possível de se observar nos seguintes versos (o grifo foi para destacar):
‘Uma noite... entreabriu-se um reposteiro...
E da alcova saía um cavaleiro
Inda beijando uma mulher sem véus...
Era eu... Era a pálida Teresa!’ (versos 7-10)
O terceiro momento de encontro dos amantes é quase eternizado pelo eu-lírico, sugerindo que nesse período os encontros foram muitos e de grande intensidade:
Passaram-se tempos... sec’los de delírio (V.13)
Prazeres divinais... gozos do’ Empíreo... (V.14)
No poema de Castro Alves há ainda um quarto momento. Nesse, ocorre ruptura da relação amorosa − de acordo com o olhar do eu poético, Teresa está enamorada de outro homem:
“Foi a última vez que eu vi Teresa!...” (V. 23)
As quatro maneiras distintas de Teresa portar-se durante as despedidas – “corando”(V.6), “entre beijos” (V.12), “em soluços” (V.18) e “arquejando” (V.24) – revelam a trajetória da relação. Há um processo de evolução: “corando” (V.6) para “entre beijos” (V.12); seguido de declínio: “em soluços” (V.18) para “arquejando” (V.24). Portanto, de um amor repentino para a realização amorosa e desta para o distanciamento e desilusão. Situação própria do estilo de época a que Castro Alves é contemporâneo – o Romantismo.
Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (Recife, 1886 – Rio, 1968), em seu poema moderno intitulado “Teresa”, estabelece relações de intertextualidade com o poema “O Adeus’ de Teresa” de Castro Alves ao também relatar o processo de conhecimento e descoberta amorosa entre o eu poético e Teresa:
TeresaManuel Bandeira
1 A primeira vez que vi Teresa
2 Achei que ela tinha pernas estúpidas
3 Achei também que a cara parecia uma perna
4 Quando vi Teresa de novo
5 Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo
6 (Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)
7 Da terceira vez não vi mais nada
8 Os céus se misturaram com a terra
9 E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas.
Com o poema “Teresa”, Bandeira apresenta uma nova visão do romance cantado por Castro Alves; faz uso de lirismo irônico e transformador. Em Estrutura da Lírica Moderna, Hugo Friedrich (1978, p.17) enfatiza que “transformar” é o comportamento que domina a poesia moderna no que diz respeito tanto ao mundo como à língua. Segundo Friedrich (1994, p.18-19), os poetas, ao se libertarem do estilo convencional − que satisfaz o hábito do leitor −, adquirem mais intensidade em seu fazer poético e, quanto maior for a “libertação do poeta”, maior será a incompreensibilidade de sua poesia. O que para o teórico é uma primeira característica da vontade estilística.
Alfredo Bosi (1994, p.438) destaca que, no movimento modernista brasileiro, a poesia foi o gênero literário que sofreu alterações mais radicais. De acordo com o teórico, Manuel Bandeira, junto com Mário de Andrade e Oswald de Andrade deram à poesia um novo vigor com o rompimento dos padrões tradicionais e o uso de formas livres. Em “Teresa”, há liberdade na forma e linguagem − características modernas. No poema em estudo, a pontuação ocorre apenas no último verso da produção poética, a linguagem empregada é coloquial e a temática amorosa é “recheada” com termos prosaicos.
Condições que geram um impacto no leitor convencional, pois o lirismo usado por Castro Alves é desconstruído por Bandeira, alterando a imagem de Teresa já há muito tempo construída. Bandeira compõe seu poema “Teresa” com nove versos livres, distribuídos em três tercetos. O esquema rítmico é variado, os versos 1, 7 e 8 são eneassílabos. O verso 8 pode também ser aceito como decassílabo heróico, conforme mostram os exemplos a seguir:
V.1: 9 (3-5-7-9-)
V4: 8 (3-5-8-)
V.7: 9 (3-5-7-9)
V.8: 9 (6-9) ou 10 (6-10)
O poema não apresenta rimas consoantes, apenas toantes e internas:
Versos 1, 2, 3: VI, Tinha, pareCIa;
Versos 4, 5, 6: Novo, CORpo;
Versos 7, 8, 9: NAda, mistuRAram, Águas.
As marcas de tempo também estão presentes no poema de Bandeira. São três os encontros do casal relatados pelo eu-lírico e em cada um dos encontros o tempo transcorrido provoca alterações nas impressões que o eu-poético nutre em relação à Teresa. Igualmente são três os versos que compõem cada uma das três estrofes, sendo que o primeiro verso de cada estrofe é responsável pelas indicativas de tempo.
A primeira vez que vi Teresa (V.1)
Quando vi Teresa de novo (V.4)
Da terceira vez não vi mais nada (V.7)
Quando vi Teresa de novo (V.4)
Da terceira vez não vi mais nada (V.7)
O primeiro encontro entre o eu-lírico e Teresa é bastante frio, banal, chegando a ser irônico, pois ele a vê fragmentada (pernas, cara). Considera suas pernas e sua cara estúpidas, para isso o sujeito poético lança mão de figuras de linguagem distintas:
V.2: Achei que ela tinha pernas estúpidas - metáfora
V.3: Achei que a cara parecia uma perna - comparação
A comparação estabelecida entre a cara e a perna reforça a metáfora anterior, pois se a perna é estúpida, a cara segue a mesma classificação, o que denota certo grau de infantilidade de Teresa perante o olhar do eu poético. Aparentemente, Teresa não desperta no sujeito-lírico sentimento amoroso ou mesmo atração carnal enquanto mulher.
Na segunda estrofe do poema de Manuel Bandeira, o eu poético amadurece a imagem infantil e ingênua que teve no primeiro encontro ao sentir os olhos de Teresa mais velhos que o corpo. Destaca-se, então, a idéia de tempo transcorrido, capaz de realizar mutações tanto no campo físico como no campo sentimental. Para expressar essas idéias, novamente o poeta faz uso de figuras de linguagem:
Achei que os olhos eram muito mais velhos que o resto do corpo (V.2)
Olhos muito mais velhos que o resto do corpo - comparação
Comparando os olhos com o corpo, percebe-se que os olhos representam sensualidade, maturidade, o que o corpo de Teresa ainda não desperta no poeta. Olhos velhos – metáfora
Mas a imagem ingênua que Teresa desperta no eu-lírico devido ao seu corpo é substituída por uma impressão de Teresa mulher em função da percepção que o eu poético tem do seu olhar. Nessa situação, o eu-lírico mantém impressões contraditórias a respeito de Teresa. Ao mesmo tempo em que a vê mulher através de seus olhos, não a percebe sensual ao observar seu corpo.
Olhos x corpo - metonímia
Olhos X corpo - antítese
Através da antítese, torna-se latente a idéia de tensão, ruptura, inquietude e desencontro do eu-poético. Ele perturba-se ao perceber que alimenta sentimentos contraditórios e desarmônicos perante seu objeto de desejo. Então, abre parênteses e dá uma explicação da situação antitética que ora vivencia – verso 6: “(Os olhos nasceram e ficaram dez anos esperando que o resto do corpo nascesse)”.
Entretanto, ao finalizar seu poema, Bandeira lança mão de grande lirismo e realça momento de profundo sentimento amoroso. O lirismo intenso dá-se através da linguagem e da alusão que o poeta faz à religião, ausente nos momentos anteriores. A fusão do espiritual com o material rompe com o estilo moderno de desapego sentimental até ali apresentado. Esse momento forte efetiva-se com as expressões “céu” e “terra” (V. 8); “o espírito de Deus” e “a face das águas” (V.9).
Os céus se misturaram com a terra (V.8)
E o espírito de Deus voltou a se mover sobre a face das águas. (V.9)
A drástica mudança no olhar do sujeito lírico desencadeada no terceiro encontro do casal, possivelmente gere um novo desconforto no leitor já envolvido pelo enfoque auto-irônico até aquele momento empregado pelo poeta. Mas, conforme Bosi (1994, p.361), o fato de Bandeira adotar uma poesia de libertação das regras e temas anteriormente empregados, não significa que o poeta esteja totalmente desapegado de romantismo:
Entretanto, não se pode dizer que o mesmo esforço libertário o tenha imunizado do prestígio das velhas poéticas, responsável pelo seu aberto comprazimento de atmosferas românticas ou de ecos neoclássicos: tudo o que dá à sua linguagem aquele ar de última experiência de uma refinada civilização literária, tão evidente nos mestres da poesia moderna, T. S. Eliot, Pound, Ungaretti. (BOSI, 1994, p.361)
Assim, após realizar esse estudo comparado entre poemas de épocas diferentes, salienta-se a evolução do estilo romântico até chegar à modernidade. A ironia presente no poema de Bandeira demonstra o desapego à idéia de doação total ao amor, mas não a negação desse sentimento. Em “Teresa”, Manuel Bandeira trabalha o prosaico e o cotidiano entrelaçados com o sublime e o poético. Paralelismo que pode ser percebido na primeira e segunda estrofe (prosaico, cotidiano) com a terceira estrofe (sublime, poético), é o moderno reescrevendo o romântico.
Faltou-nos ainda a abordagem das relações entre os estudos de Literatura Comparada e Tradução, o que faremos na edição III. Encerramos a pesquisa com um pensamento de Steiner :
"Para mim, a Literatura Comparada é, na melhor das hipóteses, uma arte de ler rigorosa e exigente, um estilo de ouvir ou ler atos de linguagem que privilegiam certos componentes desse ato. Esses componentes não são negligenciados em qualquer modo de estudo literário, porém na literatura comparada eles são privilegiados".
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Atenciosamente,
Lineu Roberto de Moura
artculturalbrasil
Querida Maria, mais uma importante e bem esclarecedora análise. Louvo a criação deste Blog, fazer parte dele e poder receber seus preciosos e eruditos conhecimentos. Aplaudo-a calorosamente e lhe agradeço pela brilhante explanação.
ResponderExcluirMeu carinho e minha admiração,
Marise Ribeiro