Humberto de Campos

Página Maria Granzoto
Editora de Literatura ArtCulturalBrasil
Arapongas - Paraná


“Sobre a grama orvalhada há rugidos de seda"
(Humberto de Campos)


Humberto de Campos Veras era filho de Joaquim Gomes de Farias Veras e Ana de Campos Veras. Nasceu em 25 de outubro de 1886 no então município maranhense de Miritiba de São José do Piriá - hoje batizado com o seu nome. Com a morte do pai, aos sete anos, mudou-se para São Luís e, aos dezessete, foi para o Pará, onde trabalhava como jornalista. Notabilizou-se como prosador e cronista, mas foi, ainda, um excelente poeta, tido em nosso neoparnasianismo como um “ourives” do verso.

Foi menino pobre. Estudou com esforço e sacrifício. Ficou órfão de pai aos cinco anos de idade. Sua infância foi marcada pela miséria. Em sua "Memórias", ele conta alguns episódios que lhe deixaram sulcos profundos na alma.

A certa altura da sua vida, quando minguadas se fizeram as economias, teve a idéia de mudar de estilo e conquistou fama com o pseudônimo de Conselheiro XX, publicando vários livros de cunho humorístico. Escreveu uma crônica chistosa a respeito da figura eminente da época - Medeiros e Albuquerque-, que se tornou assim motivo de riso, da zombaria e da chacota dos cariocas por vários dias.

O Conselheiro XX, mordaz e cômico, feriu fundo o orgulho e a vaidade de Medeiros e Albuquerque, colocando na boca do povo os argumentos que todos desejavam imputar contra o mesmo. O sucesso foi total.

Tendo feito, por experiência, aquela crônica, de um momento para outro se viu na contingência de manter o estilo e escrever mais, pois seus leitores multiplicaram, chovendo cartas às redações dos jornais, solicitando novas matérias do Conselheiro XX.

Além de manter o estilo, Humberto se foi aprofundando no mesmo, tornando-se para alguns, na época, quase imortal, saciando o paladar de toda uma mentalidade que desejava mais liberdade de expressão e mais explicitude na abordagem dos problemas humanos e sociais.

Afora o Conselheiro XX, Campos usou os pseudônimos de Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios. Deixou Humberto de Campos um diário secreto, publicado postumamente, que causou enorme polêmica, destilando o autor críticas e comentários mordazes aos seus contemporâneos.

Eleito para a cadeira 20 da Academia Brasileira de Letras, cujo patrono é Joaquim Manuel de Macedo, da qual foi o terceiro ocupante, foi recebido a 8 de maio de 1920, por Luís Murat.

Ainda em 1920 ingressa na política, elegendo-se deputado federal pelo estado natal, e renova-o, sucessivamente, até perder o mandato com a Revolução de 1930. Getúlio Vargas, admirador do escritor, nomeia-o diretor da Casa Ruy Barbosa.

Sem estudos, Campos entretanto foi um dos grandes autores brasileiros, mesmo que seus escritos não tenham o merecido destaque. Inovou nas crônicas, adicionando ao estilo novos elementos. Quando adoeceu, mudou completamente seu estilo: de mordaz e cômico, transformou-se num arauto em defesa dos menos favorecidos, encontrando agora consolo por parte dos mais pobres.

Abandonado pelos parentes e antigos amigos poderosos, persiste contudo em sua nova e definitiva fase. Recebe dezenas de cartas de pessoas carentes. Submete-se a várias operações, fica cego, e assim falece, justamente quando nascera um "novo" Humberto de Campos.

Péricles Eugênio da Silva Ramos recorda muito bem o amargor dos últimos dias de Humberto de Campos – “Em 1934-1935 suas crônicas eram esperadas ansiosamente, todos os dias, por um público intensamente comovido com o drama pessoal do poeta, que se sabia condenado à morte próxima por doença inexorável, e resignado com isso”.

Quando adoeceu, modificou completamente o estilo. Sepultou o Conselheiro XX, e das cinzas, qual Fênix luminosa, nasceu outro Humberto, cheio de piedade, compreensão e entendimento para com as fraquezas e sofrimentos do seu semelhante.

Fez-se amado por todo o Brasil, especialmente na Bahia e São Paulo. Seus padecimentos, contudo, aumentavam dia-a-dia. Parcialmente cego e submetendo-se a várias cirurgias, morando em pensão, sem o calor da família, sua vida era, em si mesma, um quadro de dor e sofrimento. Não desesperava, porém, e continuava escrevendo para consolo de muitos corações.

A 5 de dezembro de 1934 morreu, levando amargas decepções. Jamais o Maranhão, sua terra natal, o aceitou. Seus conterrâneos chegaram mesmo a hostilizá-lo.

É polêmica antiga no meio jurídico o valor probatório da psicografia. O caso mais famoso indubitavelmente foi o de Humberto de Campos. A partir de 1937, três anos após a morte de Campos, várias crônicas e romances atribuídos ao escritor começaram a ser psicografados pelo médium brasileiro Chico Xavier. Entre as obras, todas editadas pela Federação Espírita Brasileira, a de maior notoriedade entre os espíritas brasileiros foi Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho. No ano de 1944, a viúva de Humberto de Campos ingressou em juízo, movendo um processo contra a Federação Espírita Brasileira e Francisco Cândido Xavier, no sentido de obter uma declaração, por sentença, de que essa obra mediúnica "era ou não do 'Espírito' de Humberto de Campos", e que em caso afirmativo que ela tivesse os direitos autorais da obra. O assunto causou muita polêmica e, durante um bom tempo, ocupou espaço nos principais periódicos do País. A Autora, D. Catarina Vergolino de Campos, foi julgada carecedora da ação proposta, por sentença de 23 de agosto de 1944, do Dr. João Frederico Mourão Russell, juiz de Direito em exercício na 8º Vara Cível do antigo Distrito Federal. Tendo ela recorrido dessa sentença, o Tribunal de Apelação do antigo DF manteve-a por seus jurídicos fundamentos, tendo sido relator o Ministro Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa.

Além de Poeira, publicou:

• Da seara de Booz - crônicas - 1918
• Vale de Josaphat - contos - 1918
• Tonel de Diógenes - contos - 1920
• A serpente de bronze - contos - 1921
• Mealheiro de Agripa - 1921
• Carvalhos e roseiras - crítica - 1923
• A bacia de Pilatos - contos - 1924
• Pombos de Maomé - contos - 1925
• Antologia dos humoristas galantes - 1926
• Grãos de mostarda - contos - 1926
• Alcova e salão - contos - 1927
• O Brasil anedótico - anedotas - 1927
• Antologia da Academia Brasileira de Letras - participação - 1928
• O monstro e outros contos - 1932
• Memórias 1886-1900 - 1933
• Crítica (4 séries) - 1933, 1935, 1936
• Os países - 1933
• Poesias completas - reedição poética - 1933
• À sombra das tamareiras - contos -1934
• Sombras que sofrem - crônicas - 1934
• Um sonho de pobre - memórias - 1935
• Destinos - 1935
• Lagartas e libélulas - 1935
• Memórias inacabadas - 1935
• Notas de um diarista - séries 1935 e 1936
• Reminiscências - memórias -1935
• Sepultando os meus mortos - memórias - 1935
• Últimas crônicas - 1936
• Contrastes - 1936
• O arco de Esopo - contos - 1943
• A funda de Davi - contos - 1943
• Gansos do capitólio - contos - 1943
• Fatos e feitos - 1949
• Diário secreto (2 vols.) - memórias – 1954



Poesia de Humberto de Campos


Beatriz

Bandeirante a sonhar com pedrarias,
Com tesouros e minas fabulosas,
Do Amor entrei, por ínvias e sombrias
Estradas, as florestas tenebrosas.

Tive sonhos de louco, à Fernão Dias...
Vi tesouros sem conta, entre as umbrosas
Selvas, o ouro encontrei, e o ônix, e as frias
Turquesas, e esmeraldas luminosas...

E por eles passei. Vivi sete anos
Na floresta sem fim. Senti ressábios
De amarguras, de dor, de desenganos.

Mas, voltei, afinal, vencendo escolhos,
Com o rubi palpitante dos seus lábios
E os dois grandes topázios dos seus olhos!


O Irapuru

Dizem que o Irapuru, quando desata
A voz – Orfeu do seringal tranqüilo –
O passaredo, rápido a segui-lo
Em derredor agrupa-se na mata.

Quando o canto, veloz, muda em cascata,
Tudo se queda, comovido, a ouvi-lo:
O canoro sabiá susta a sonata;
O canário sutil cessa o pipilo.

Eu próprio sei quanto esse canto é suave.
O que, porém, me faz cismar bem fundo
Não é, por si, o alto poder dessa ave.

O que mais no fenômeno me espanta,
É ainda existir um pássaro no mundo,
Que se fique a escutar quando outro canta!...

Envelhecer

Na manhã da existência, ouvindo o peito,
Que previa teu vulto no caminho,
Dentre em minha alma levantei teu ninho,
E, nesse ninho, preparei teu leito.

Desceu a tarde, e ainda me viu sozinho.
Murcham as flores, que, de leve, ajeito;
De novas rosas tua colcha enfeito,
E o travesseiro, novamente alinho.

Cai, tristonho, o crepúsculo na estrada.
Alongo os olhos, atirando um beijo
À forma vaga do teu corpo... E nada!

Recomponho as palavras que não disse.
E, apagando a candeia do Desejo,
Adormeço na noite da Velhice...

Miritiba

É o que me lembra: uma soturna vila
olhando um rio sem vapor nem ponte;
Na água salobra, a canoada em fila...
Grandes redes ao sol, mangais defronte...

De um lado e de outro, fecha-se o horizonte...
Duas ruas somente... a água tranqüila...
Botos no prea-mar... A igreja... A fonte
E as grandes dunas claras onde o sol cintila.

Eu, com seis anos, não reflito, ou penso.
Põem-me no barco mais veleiro, e, a bordo,
Minha mãe, pela noite, agita um lenço...

Ao vir do sol, a água do mar se alteia.
Range o mastro... Depois... só me recordo
Deste doido lutar por terra alheia!


Desde o descobrimento do Brasil, os franceses dominaram a Capitania do Maranhão, fundada em 1532.
 
Por duas vezes Portugal investiu força contra esse domínio mandando reduzidas frotas, que não foram eficazes em virtude do desconhecimento da complexidade e dificuldades do local, submergindo todas elas perto da “Ilha do Maranhão”. Logo, Portugal, recolheu suas esquadras e abandonou aquelas terras brasileiras.

Em 1612 os invasores franceses ali se estabeleceram com maior vigor e fundaram a “França Equinocial”, dando à ilha o nome de São Luiz, em homenagem ao rei francês.

Em 1613, quando Gaspar de Souza governava o Brasil, foi entregue a Jerônimo de Albuquerque o comando de uma esquadra. A França reagiu com novos reforços, mas, em 1615, os portugueses, comandados por Albuquerque, expulsaram os franceses, obtendo magnífica vitória, juntando de vez aquele território à autonomia portuguesa em terras brasileiras.

Este inesquecível embate ficou conhecido com o nome de batalha de Guaxenduba. Em 1624, foi criado o estado do Maranhão e Grão-Pará (incluindo o Piauí e Amazonas), subordinado diretamente à Metrópole.

Relembrando a façanha dessa heróica batalha Humberto de Campos escreveu o altaneiro soneto “O Milagre de Guaxenduba”, que transcrevemos abaixo.

O Padre José de Morais, no seu livro “História da Companhia de Jesus na Província do Maranhão”, anota, à pág. 62, capítulo VIII: - “Foi fama constante(e ainda hoje se conserva por tradição) que a Virgem Senhora fora vista entre os nossos batalhões, animando os soldados em todo tempo do combate”.

O soneto:

Minha terra natal, em Guaxenduba:
Na trincheira, em que o luso ainda trabalha,
A artilharia, que ao francês derruba,
Por três bocas letais pragueja e ralha.

O leão de França, arregaçando a juba,
Saltou. E o luso, como um tigre, o atalha.
Troveja a boca do arcabuz, e a tuba
Do índio corta o clamor e o medo espalha.

Foi então que se viu, sagrando a guerra,
Nossa senhora, com o Menino ao colo,
Surgir, lutando pela minha terra.

Foi-lhe vista na mão a espada em brilho...
(Pátria, se a Virgem quis assim teu solo,
Que por ti não fará quem for teu filho?)

A Lei Nº 543, de 20 de julho de 1859, elevou o já então distrito à categoria de vila, desmembrada e independente de Icatu, sob cuja jurisdição se encontrava desde os primórdios, passando a ter a denominação de Miritiba de São José do Periá.

Pelo Decreto-Lei estadual Nº 743, de 13 de dezembro de 1934, passou à condição de município com o nome de Humberto de Campos, em homenagem ao escritor que lá veio ao mundo e tanto honrou as letras brasileiras


Bibliografia:
Compilação de

(Fragmentos de textos de Vasco de Castro Lima)
(Péricles Eugênio da Silva Ramos- “Poesia de Ouro” - 1963)
(Agrippino Grieco – “Evolução da Poesia Brasileira” – 1947)
http://pt.wikipedia.org/wiki/)
(arquivos ArtCulturalBrasil - 2007)

Maria Granzoto da Silva



Lineu Roberto de Moura
Presidente

Robles Celmo de Carvalho
Administrador Geral

2 comentários:

  1. Meus cumprimentos a você Maria Granzoto da Silva, pela importante postagem deste grande escritor Humberto de Campos, que tão bem soube deixar seu legado poético para a eternidade, com admiração,
    Efigênia Coutinho

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  2. Estimada e ilustre Poetisa Efigênia Coutinho
    Honrados por suas palavras,agradecemos em nosso nome e da professora Maria Granzoto, que se encontra em viagem.

    Com especial consideração
    Lineu Roberto de Moura

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