Ivan Junqueira


Rio de Janeiro
1934
"Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços"

Sexto ocupante da Cadeira nº 37, eleito em 30 de março de 2000, na sucessão de João Cabral de Melo Neto e recebido em 7 de julho de 2000 pelo Acadêmico Eduardo Portella. Recebeu o Acadêmico Antonio Carlos Secchin.

Ivan Junqueira nasceu no Rio de Janeiro (RJ) em 3 de novembro de 1934. Aqui realizou seus primeiros estudos, ingressando em seguida nas faculdades de Medicina e de Filosofia da Universidade do Brasil, cujos cursos, porém, não chegou a concluir. Iniciou-se no jornalismo em 1963, como redator da Tribuna da Imprensa, tendo atuado depois no Correio da Manhã, Jornal do Brasil e O Globo, nos quais foi redator e sub-editor até 1987. Assessor de imprensa e depois diretor do Centro de Informações das Nações Unidas no Rio de Janeiro entre 1970 e 1977, tornou-se mais tarde supervisor editorial da Editora Expressão e Cultura e diretor do Núcleo Editorial da UERJ, além de colaborador da Enciclopédia Barsa, Encyclopaedia Britannica, Enciclopédia Delta Larousse, Enciclopédia do Século XX, Enciclopédia Mirador Internacional e Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, este último editado pelo CPDOC, da Fundação Getulio Vargas. Foi também assessor de Rubem Fonseca na Fundação Rio.

Como crítico literário e ensaísta, tem colaborado em todos os grandes jornais e revistas do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, bem como em publicações especializadas nacionais e estrangeiras, entre elas Colóquio Letras, Revista do Brasil, Senhor, Leitura e Iberomania. Em 1984 foi escolhido como a “Personalidade do Ano” pela UBE. Assessor da Fundação Nacional de Artes Cênicas (Fundacen) de 1987 a 1990, no ano seguinte transferiu-se para a Fundação Nacional de Arte (Funarte), onde foi editor da revista Piracema e chefe da Divisão de Texto da Coordenação de Edições, tendo se aposentado do serviço público em 1997. Foi ainda editor adjunto e depois editor executivo da revista Poesia Sempre, da Fundação Biblioteca Nacional (1993-2002).

Conferencista, realizou palestras no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Fortaleza, Manaus, São Luís, Brasília, Recife, Porto Alegre, Passo Fundo, Florianópolis, Petrópolis, Buenos Aires, Santiago do Chile, Santiago de Compostela, Madri e Lisboa, onde, em 1994, abriu o Projeto Camões, patrocinado pelo Instituto Camões e a Fundação das Casas de Fronteira e Alorna, ocasião em que ministrou, na Biblioteca Nacional da capital portuguesa, o curso “A Rainha Arcaica: uma interpretação mítico-metafórica”, além de realizar recitais de poesia na Casa de Fernando Pessoa e no Palácio da Fronteira. No ano seguinte voltou a participar do Projeto Camões, tendo proferido conferências em Coimbra, Porto, Vila Real, Lisboa e Ponte de Sor. De 1995 a 1997 tomou parte no Projeto Ponte Poética Rio–São Paulo, de que constavam leituras comentadas de poemas de sua autoria e palestras. Ainda em 1995 recebeu da UFRJ, por unanimidade de votos, o diploma de “notório saber”, tendo ali participado também do ciclo de palestras “Os Poetas”. De 1996 a 1997 participou, como poeta e ensaísta, das “Rodas de Leitura” do CCBB e organizou, naquele último ano, com Moacyr Félix e Leonardo Fróes, as “Quintas de Poesia”, sob o patrocínio da Funarte. Em 1998 foi curador do Programa de Co-Edições da Fundação Biblioteca Nacional, que possibilitou a publicação de 35 títulos de autores das regiões Norte, Nordeste e Sudeste, onde, entre 2000 e 2003, realizou diversas conferências. Foi Tesoureiro (2001), Secretário-Geral (2002-03) e Presidente da ABL (2004-05).

Membro titular do PEN Club do Brasil, é sócio do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro e do Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro, além de sócio de honra da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, membro do Conselho Estadual de Cultura e Grande Benemérito do Real Gabinete Português de Leitura. Recebeu vários prêmios literários: Prêmio Nacional de Poesia, do INL (1981); Prêmio Assis Chateaubriand, da ABL (1985); Prêmio Nacional de Ensaísmo Literário, do INL (1985); Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (1991); Prêmio da Biblioteca Nacional (1992); Prêmio José Sarney de poesia inédita, do Memorial José Sarney (1994); Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro (1995 e 2005); Prêmio Luísa Cláudio de Sousa, do Pen Club do Brasil (1995); Prêmio Oliveira Lima, da UBE (1999); Prêmio Jorge de Lima, da UBE (2000); e Troféu Aimberê (Personalidade Intelectual do Ano), do Sindicato dos Escritores do Rio de Janeiro (2004). Em 1998 recebeu a Medalha Cruz e Souza, da municipalidade de Florianópolis, e, em 1999, a Medalha Paul Claudel, da UBE. Em 2002 foi o patrono do IV Concurso Nacional de Poesia Viva, patrocinado pelo jornal Poesia Viva. Recebeu ainda, em 2005, a Medalha Manuel Bandeira, da UBE (Seção de Pernambuco).

Em 23 de junho de 2005 participou em Paris da sessão conjunta da Academia Brasileira de Letras e da Académie Française, ocasião em que lhe foi concedida a Medalha de Richelieu, a mais alta condecoração daquela instituição. Representou o Brasil no Festival Mundial de Poesia, realizado em Santiago do Chile entre 18 e 24 de outubro de 2005. Ainda neste último ano, foram-lhe outorgados a Medalha do Pacificador Sergio Vieira de Mello, do Parlamento Mundial para a Segurança e a Paz, e o Colar do Mérito Judiciário, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

Sua poesia já foi traduzida para o espanhol, alemão, francês, inglês, italiano, dinamarquês, russo e chinês.
Fonte: Academia Brasileira de Letras http://www.academia.org.br/
E se eu disser

E se eu disser que te amo - assim, de cara,
sem mais delonga ou tímidos rodeios,
sem nem saber se a confissão te enfara
ou se te apraz o emprego de tais meios?
E se eu disser que sonho com teus seios,
teu ventre, tuas coxas, tua clara
maneira de sorrir, os lábios cheios
da luz que escorre de uma estrela rara?
E se eu disser que à noite não consigo
sequer adormecer porque me agarro
à imagem que de ti em vão persigo?
Pois eis que o digo, amor. E logo esbarro
em tua ausência - essa lâmina exata
que me penetra e fere e sangra e mata.

Talvez o vento saiba

Talvez o vento saiba dos meus passos,
das sendas que os meus pés já não abordam,
das ondas cujas cristas não transbordam
senão o sal que escorre dos meus braços.
As sereias que ouvi não mais acordam
à cálida pressão dos meus abraços,
e o que a infância teceu entre sargaços
as agulhas do tempo já não bordam.
Só vejo sobre a areia vagos traços
de tudo o que meus olhos mal recordam
e os dentes, por inúteis, não concordam
sequer em mastigar como bagaços.
Talvez se lembre o vento desses laços
que a dura mão de Deus fez em pedaços.

Dom Quixote

Vai a passo Dom Quixote
em seu magro Rocinante.
Sancho Pança o segue a trote
pela Mancha calcinante.

Tudo é pedra, arbusto seco,
erva má, ermas masetas.
Não se escuta nem o eco
do vento a ranger nas gretas.

O que buscam o fidalgo
e o seu álacre escudeiro?
Peripécias, duelos, algo
que lhes recorde o cordeiro

quando abriu os sete selos
e fez soar as trombetas?
Buscam o quê? O que fê-los
ir tão longe em suas bestas?

Pois esse Alonso Quijano,
ao deixar a sua aldeia,
só buscava – áspero engano –
exumar o que, na teia

de suas tontas leituras,
eram duendes, hierofantes,
castelos, leões, armaduras,
dulcinéias, nigromantes

e uma Espanha onde a justiça,
há tanto um tíbio sol posto,
fosse um bem que só na liça
pudesse ser recomposto.

Mas do triste cavaleiro
era tanto o desatino
que na cuia de um barbeiro
vira o elmo de Mambrino,

nas ovelhas ao relento,
uma tropa de meliantes,
e nos moinhos de vento,
uns desgrenhados gigantes.

Dom Quixote nunca via
o que aos seus pares narrava,
pois que só lia e mais lia,
e ao ler é que se encantava.

E assim do texto as imagens
saltavam – bruscas centelhas –
no amarelo das paisagens,
no ocre encardido das telhas.

Foi quando então, claro e fundo,
percebeu que o que ia vendo
nada tinha com o mundo
sobre o qual andara lendo.

Ilusão e realidade,
heroísmo e covardia,
sensualismo e castidade,
prosa pedestre e poesia

– eis os pólos do conflito
que somente se harmoniza
no humor de um cáustico dito
que nos fustiga e eletriza.

E o que redime o manchego
não é tanto aquilo que ama,
e sim o dom de si mesmo
no amor que doa a uma dama,

sem nenhuma recompensa
que não seja a do fracasso
ou da estrita indiferença
de quem sequer viu-lhe um traço.

De fala mansa e discreta,
que ao calar é que se escuta,
seu percurso é a linha reta
entre o que tomba e o que luta.

Vai a passo Dom Quixote,
ya el pie en el estribo.
A morte agora é seu mote.
Vai a sós. Vai só consigo.

A Imortalidade

O que é a imortalidade?
Um sopro que nos carrega
para os confins da orfandade,

onde o espírito se nega
e de si já não recorda
após a última entrega?

Que luz é a que nos acorda
quando a morte, em dada hora,
bate à porta e chega à borda

do ser que se vai embora,
mas crê que não vai de todo,
pois do invólucro que fora

algo fica em meio ao lodo
que lhe veste o corpo morto
com a púrpura do engodo?

E o que cabe ao que foi torto
e nunca exigiu conserto?
Irá chegar a algum porto?

Será que na alma um aperto
não lhe purgou a maldade
quando do fim se viu perto?

O que é a imortalidade?
Uma insígnia, uma medalha
com que se louva a vaidade?

Ou não será a mortalha
que te poupa só a cara
escanhoada a navalha?

Será talvez a mais rara
das obras que publicaste
ou da crítica a mais cara?

Será isto, já pensaste,
a herança em que se resume
o que aos amigos deixaste?

Esquece. Sente o perfume
de algo que se fez distante:
a mão de uma criança, o gume

de seu olhar penetrante
quando viu, no ermo do cais,
que o tempo que segue adiante

é o mesmo que volta atrás
e confunde a realidade,
e a desmantela, e a refaz.

É isto a imortalidade:
esse eterno e estranho rio
que corre em ti e te invade.

E o mais é só o pavio
de um lívido círio que arde
no insuportável vazio

que enche toda a tua tarde.

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