Delírios de Maio - Comentado


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Arapongas - Paraná




Delírios de Maio
(José Antonio Jacob)
Estou triste outra vez é o mês de maio,
Por que não abro a minha porta e saio?
Fico da greta espiando na calçada,
Vejo lá fora a tarde sorridente,
As pessoas alegres e eu descrente,
Não sei por que não creio mais em nada!

E isto num mês tão lindo, um mês de flores,
Época das promessas, dos amores,
Dos feriados que a Igreja comemora.
Dos anjinhos com asas de algodão,
Pequenos pajens que em cortejo vão,
Com fervor coroar Nossa Senhora.

Soa o sino seis vezes, dá-me pena,
Daquela moça saindo da novena
Debulhando o rosário dedo a dedo.
Ah! Como ela é bonita e tão viçosa!
E vai, qual uma delicada rosa,
Desfiando os seus espinhos em segredo.

E mais atrás vem um grupo de beatas,
Felizes criaturinhas de alpargatas,
Encurvadinhas, rindo, coitadinhas...
Das rezas elas voltam aliviadas,
Pois suas penas já foram perdoadas...
- Que culpas teriam essas santinhas?

E o suave som da doce ave-maria
Espanta um caburé, que voa e pia,
Depois vem repousar no meu telhado.
Xô, daí, mau agouro! Espanto o Azar
Que num sobrado em frente vai pousar
E eu fico no meu canto sossegado.

No adro da igreja um crente solta fogos,
Abre a feira de doces e de jogos
Bem em cima da sombra do Cruzeiro.
E acima disso Jesus Cristo entende,
Que, ainda hoje, o Judas Iscariotes vende
O Signo do Amor por qualquer dinheiro.

Dois cegos de mãos dadas nas beiradas
Ficam girando as córneas azuladas
E um coxo sai pulando feito mola,
Tentando andar ao lado do prefeito,
Para que todos vejam seu defeito:
 -No chão uma mulher pede-lhe esmola...

De um poste o alto falante da quermesse
Anuncia uma música e uma prece,
Hora do ângelus cai a tarde morta...
E lá no céu os anjos fazem coro.
Dentro de casa escuto a voz de choro
De uma criança faminta em minha porta.

Eu sofro da alma e tenho essa moléstia,
Que arqueia o meu espírito em modéstia,
E que me parte o coração de pena...
Desse acanhado olhar que não me estranha,
Que me chama, me pede e me acompanha,
A implorar-me com sua voz pequena.

Chego à janela e fico pensativo
(Decerto que pareço um morto e vivo)
Com meu dedo no queixo a resmungar...
E quando o riso alegre de uma criança
Repuxa no meu rosto uma esperança,
Apago a luz para ninguém notar.

Fico dali olhando a noite clara,
Não gosto de mostrar a minha cara
E apoio as mãos no rosto feito jeca.
Uma jovem senhora dobra a esquina,
Ela vem embalando uma menina,
E a menina afagando uma boneca...

Um tipo estica um pano na calçada
E abrindo um jogo com carta marcada
Puxa um curioso para ser parceiro...
A aposta corre livre à luz da lua,
Passa um soldado, que atravessa a rua,
Para não molestar o trapaceiro.

As bombas de artifício estouram o ar
Derramando mais cores no luar
E a meninada corre para vê-las...
Inclino-me à janela mais um pouco
E encanto-me de ver um ébrio louco
Declamando Camões para as estrelas.

Duas moças que passam batem palmas
E o bêbado, com três manobras calmas,
Dobra os joelhos na rua iluminada...
Elas seguem sorrindo divertidas
E vão levando suas jovens vidas
Para o destino incerto da calçada.


"O tempo é a eternidade que se move" (José Antonio Jacob)
E o mês de maio findado... Não me contive e retornei ao poema “Delírios de Maio”, em versos decassílabos! Na apresentação que tive a honra de fazer na 1ª edição da obra poética intitulada “Almas Raras”, do poeta mineiro José Antonio Jacob, escrevi: ... Uma poesia depurada, silenciosa construída com uma destreza artesanal no lidar com a língua habitada por certo sentido clássico. Coerente com sua postura estética, sua forma é perfeita, demonstrando habilidade de versificação e pureza da língua. Sua poesia não é superficial como visão do homem, pois não se detém na camada superficial das cores, dos sons, mas mergulha nas angústias e prazeres do ser humano.
Estou triste outra vez é o mês de maio,
Por que não abro a minha porta e saio?
Fico da greta espiando na calçada,
Vejo lá fora a tarde sorridente,
As pessoas alegres e eu descrente,
Não sei por que não creio mais em nada!
O poeta é, nesse momento, o oposto do que vê e sente. Está triste e descrente porque esse mês deve ter marcado sua vida de um modo prisioneiro. É livre, mas não abre a “sua” porta - não a porta da sua casa - e permanece recluso em si mesmo, apenas olhando pela fresta o que vai na calçada e não olhando para a calçada. E essa “calçada” deve ter uma importância relevante em sua trajetória de vida, visto que aparece por três vezes no poema! Metáfora e antítese se destacam. "Por que não abro a minha porta e saio?" - Sair para sua própria narração poética, para ir ao encontro da fábula que existe em sua imaginação.
E isto num mês tão lindo, um mês de flores,
Época das promessas, dos amores,
Dos feriados que a Igreja comemora.
Dos anjinhos com asas de algodão,
Pequenos pajens que em cortejo vão,
Com fervor coroar Nossa Senhora.
O paradoxo implícito no título desta composição poética resume uma concepção de poesia no sentido geral, mas também no sentido específico tendo em vista esta segunda estrofe. O poeta vive num mundo onde a realidade é outra, inatingível por nós ou mesmo por outros delirantes: promessas, amores, anjos; mas vive simultaneamente neste mundo real: flores, feriados, igreja. O leitor é como que convidado a refletir acerca dos materiais da poesia dentro de um contexto, diria imagético, a que não faltam componentes outros com as quais o poema tende a se mesclar na experiência viva de sua elaboração. De outra parte, as alianças intertextuais, veladas ou evidentes, reforçam a singularidade da metalinguagem. Os dois mundos, o da ficção e o da realidade, mesclam-se, interpenetram-se, e o saldo disso tudo é, paradoxalmente, o distanciamento, que evita que o leitor os confunda.
Soa o sino seis vezes, dá-me pena,
Daquela moça saindo da novena
Debulhando o rosário dedo a dedo.
Ah! Como ela é bonita e tão viçosa!
E vai, qual uma delicada rosa,
Desfiando os seus espinhos em segredo.
Por que chora o sino na agonia? “Desfiando os seus espinhos em segredo.” A moça vai desfiando nas contas do rosário as suas dores. Se o tanger do sino entoa as alegrias deve ressoar também as dores. À tarde, canta o princípio da Paixão do Redentor no Jardim das Oliveiras. De manhã, a sua Ressurreição, e ao meio-dia a sua Ascensão. De manhã, dá o sinal do despertar, da oração e do trabalho. Ao meio-dia, adverte o homem de que a metade do dia é passada, e que a sua vida não é mais que um dia. À tarde, toca ao recolhimento e ao repouso. Diz ao homem: faze tuas contas com Deus, pois esta noite talvez Ele exigirá a tua alma. Aliterações ( o próprio tinir do sino que “soa seis vezes”), metáforas, sinestesia... Em meio a esta variedade de percurso lírico, algo parece demarcar, em especial, toda a poesia de Jacob. Algo que lhe confere uma cor toda particular, um dado ao mesmo tempo material e simbólico de seu universo poético e de sua visão de mundo. Refiro-me à força do sentimento telúrico, que faz da evocação dos costumes do povo da terra, em sua topografia humana, um veio fecundo para o processo de transfiguração estética.
E mais atrás vem um grupo de beatas,
Felizes criaturinhas de alpargatas,
Encurvadinhas, rindo, coitadinhas...
Das rezas elas voltam aliviadas,
Pois suas penas já foram perdoadas...
- Que culpas teriam essas santinhas?
E por que as beatas vêm atrás? Porque já estão alquebradas pelos anos vividos, mas fé lhes dá a necessária força para calçar suas alpargatas e percorrer o trajeto de casa para a igreja e vice-versa. O uso do diminutivo revela o carinho e o respeito do poeta pelos idosos. E por que estariam elas “aliviadas”? O que faz o poeta deduzir esse sentir? O lirismo reflexivo, de índole existencial e metafísica, traz à tona os motivos universais. A ele se vincula o lirismo confessional de teor elegíaco, perfazendo uma das matrizes centrais desta estrofe.
E o suave som da doce ave-maria
Espanta um caburé, que voa e pia,
Depois vem repousar no meu telhado.
Xô, daí, mau agouro! Espanto o Azar
Que num sobrado em frente vai pousar
E eu fico no meu canto sossegado.

Caburé, a corujinha, tem o hábito de fazer seu ninho no chão de areia, em áreas descampadas, às vezes perto de cactos, em covas profundas. O nome caburé vem do tupi guarani caá-boré, uma alusão talvez a esse fato, de esse animal ser muito visto entre plantas de espinho (caá= rama, planta/espinho). Animal de hábitos solitários, ao contrário das corujas. Mas com elas é confundida em relação às crenças de mau agouro. O “Azar” tornou-se um substantivo próprio e concreto... Antíteses ao primeiro verso carregado pela aliteração “E o suave som da doce ave-maria”... Quanta simbologia contida na ave, em seu habitat, a forma de construir o ninho, o tipo de vegetação e os sentimentos do autor. Segundo Carlos Décio Mostaro, Jacob é “ o mago da palavra”, unitário e uniforme dentro da concepção estilística e das exigências técnicas e formais. De fato, à diversidade de conteúdo se associa, no entanto, uma unidade de expressão, o que termina por garantir um tom pessoal, um timbre singular, enfim, uma posição própria no campo da poesia.
No adro da igreja um crente solta fogos,
Abre a feira de doces e de jogos
Bem em cima da sombra do Cruzeiro.
E acima disso Jesus Cristo entende,
Que, ainda hoje, o Judas Iscariotes vende
O Signo do Amor por qualquer dinheiro.

Eis um registro emblemático daquilo que se denomina de poética da leitura, já prefigurada em outros poemas seus. São versos simples, diretos, substantivos, declaratórios, quase prosaicos, mas carregados de poeticidade precisamente pelo sentimento de empatia e de identificação com que o eu poético contorna a temática. A ênfase à traição no quinto verso e mesmo o seu alongamento cria um contraste semântico fundamental para garantir a estesia (aisthésis, percepção, sensação) do poema.
Dois cegos de mãos dadas nas beiradas
Ficam girando as córneas azuladas
E um coxo sai pulando feito mola,
Tentando andar ao lado do prefeito,
Para que todos vejam seu defeito:
-No chão uma mulher pede-lhe esmola...
Aqui, muito sutilmente o autor aborda a discriminação aos portadores de alguma deficiência física e aos pobres. Interessante o trocadilho “prefeito/defeito”, que lembra perfeito... Dúbio sentido intencional?... "Para que todos vejam seu defeito"- defeito do coxo ou do prefeito? "No chão uma mulher pede-lhe esmola" é uma afrontosa imagem ainda bem mais miserável, abaixo disso tudo. Segundo Sergio Milani, “O ser humano já nasce com uma tremenda deficiência física: é limitado, programado para um pequeno período de vida útil. Poucos percebem esta realidade, a sensação que temos é de que possuímos poder ilimitado. Quando perdemos a saúde, esta verdade se apresenta com enorme clareza. Essa limitação devia restringir-se ao físico, deixando a mente ou espírito imune à degeneração. Mas não é bem isto que ocorre... Na realidade, por vezes nos deparamos com físicos perfeitos dotados de mentes deficientes, de espíritos inválidos. Como também localizamos mentes luminosas, espíritos brilhantes, em corpos físicos mutilados... Então, por que o preconceito? Por que discriminar a deficiência física, já que todos somos finitos enquanto corpos, e só o espírito sobrevive? O deficiente físico só quer ser tratado com igualdade, ele não é nem melhor nem pior que os outros. A razão do preconceito é que a deficiência física incomoda, aparece, constrange, enquanto o deficiente de espírito, o aleijado moral, na maioria dos casos, possui excelente aparência, é articulado e até desempenha altos cargos públicos ...” Ironia velada...

De um poste o alto falante da quermesse
Anuncia uma música e uma prece,
Hora do ângelus cai a tarde morta...
E lá no céu os anjos fazem coro.
Dentro de casa escuto a voz de choro
De uma criança faminta em minha porta.
O Ângelus compõe-se de duas partes essenciais: a oração e o som do sino. O sino dá ao Ângelus uma solenidade excepcional. Por que o sino toca o Ângelus de manhã, ao meio-dia e à tarde? Por ordem da Igreja Católica, cumpre a palavra do rei profeta: "À tarde, de manhã e ao meio-dia, cantarei os louvores de Deus, e Deus ouvirá a minha voz". Mas ninguém, à exceção do poeta, ouve “ a voz de choro de uma criança faminta...” Que construção fantástica! “A voz do choro...” Novamente a crítica social. Quem já ouviu essa voz? E melhor, o que já fez para cessá-la?

Eu sofro da alma e tenho essa moléstia,
Que arqueia o meu espírito em modéstia,
E que me parte o coração de pena...
Desse acanhado olhar que não me estranha,
Que me chama, me pede e me acompanha,
A implorar-me com sua voz pequena.


É do sofrimento que nasce a sabedoria e o heroísmo. Os gregos já diziam que “sofrimento é escola”. E o ínclito sábio Santo Agostinho afirmava: “A cruz é uma escola”. O sofrimento é uma experiência bastante dolorosa é inesquecível e deixa profundas marcas na alma. Não importa que seja curto ou prolixo. Muitas das vezes o sofrimento é causado pela doença, enfermidade, falta de caridade de certas pessoas, ingratidão, injustiça, abandono, rompimento de uma paixão, saudade, solidão, tristeza, desemprego, miséria, fome, separação conjugal, angústia profunda, envelhecimento e a perda de um ente querido. O pensador latino Publílio Siro disse: “A dor da alma é muito mais penosa que a do corpo”. Aqui entra o contexto psicológico do sofrimento na alma. Mesmo em sofrimento, o poeta se curva à súplica do ser indefeso. Essa "voz pequena ou criança faminta" que persegue o poeta, em vários sonetos e poemas, pode ser uma expressão simbolista, uma estesia diferente que evoca assuntos espirituais e que corresponde precisamente a uma idéia alegórica da imperfeição humana.
Chego à janela e fico pensativo
(Decerto que pareço um morto e vivo)
Com meu dedo no queixo a resmungar...
E quando o riso alegre de uma criança
Repuxa no meu rosto uma esperança,
Apago a luz para ninguém notar.

Há aqui algo de novo: ”E quando o riso alegre de uma criança/Repuxa no meu rosto uma esperança,/Apago a luz para ninguém notar.” A escuridão dentro da escuridão. Um morto e vivo e não um morto-vivo! O e é um aditivo entre Amor e Dor. A alma agradece pelo deleite que transborda desta conjugação perfeita de palavras e frases. Poema imagético, reflexivo, sutil nas palavras... Pequenos gestos, pequenos pensamentos: na dor, a esperança. E lá ao fundo a noite, a escuridão confunde o tempo e o tempo confunde-se com o sonho. O sonho do riso. No meio do sofrimento: laços que o amor tece.
Fico dali olhando a noite clara,
Não gosto de mostrar a minha cara
E apoio as mãos no rosto feito jeca.
Uma jovem senhora dobra a esquina,
Ela vem embalando uma menina,
E a menina afagando uma boneca...

Esconder o rosto... Timidez ou insegurança? Tentativa de ocultar amarguras já conhecidas? Quem o sabe? Especialmente quando o terreno em que estamos não nos agrada, ou, as pessoas que estão nele inseridas não nos dão o sentimento de segurança para falar o que queremos e o que sentimos. Mas isso não o impede em ver a menina embalada e embalando uma boneca... A cena da boneca é como arena, lugar de conflito e embates ideológicos, posto que a boneca é um objeto de desejo da menina e lugar de inscrição do desejo do adulto, daquilo que o adulto deseja que a criança deseje. Os brinquedos são assim projeções de representações do adulto, posto que por ele são produzidos, ao mesmo tempo em que são objetos investidos pela criança de cargas afetivas e emocionais em função do lugar que ela ocupa nas interações de que participa.Objeto lançado do mundo adulto ao mundo infantil feminino. O Adestramento para o futuro...
Um tipo estica um pano na calçada
E abrindo um jogo com carta marcada
Puxa um curioso para ser parceiro...
A aposta corre livre à luz da lua,
Passa um soldado, que atravessa a rua,
Para não molestar o trapaceiro.
Retratos de um país! Li, em Usina das Letras, artigo de Sereno Hopefaith, intitulado “OS FANATISMOS DO CONHECIMENTO: O SENHOR ERRO E DONA ILUSÃO” que considero apropriado à estrofe acima. Eis o que ele escreveu em 05/01/2007: ”Em princípio consideramos um erro qualquer teoria, por mais bem intencionada que seja, que transfira para o futuro uma educação, presumo, necessária ao presente. O Brasil é o “país do futuro”, Teresina tem como “slogan” de partidos políticos o epíteto “Cidade Futuro”, Edgar Morin escreveu “Os sete saberes necessários à educação do futuro”. Isto quer dizer o quê? Que o presente não existe? Que os projetos no momento do agora são irrealizáveis? Que não há competência política, administrativa, financeira e econômica para fazer as pessoas terem certa dignidade no presente? Que o presente é sempre um momento institucional inadequado para o exercício da cidadania? A senhora Ilusão e o senhor Erro parecem um distinto casal de companheiros malogrado por uma realidade que o lança para uma realização futura, ignorando que os sentidos, os sentimentos e as emoções das pessoas dessa geração, precisam ser vivenciadas agora. As pessoas não são hipotéticas, fictícias. A mente delas não pode permanecer em estado de paralisia, esperando o “carnaval” do futuro chegar. A “esperança que venceu o Medo” precisa continuar vencendo o medo, sempre”.O Medo de não ser mais possível ter esperança...” E a trapaça continua...
As bombas de artifício estouram o ar
Derramando mais cores no luar
E a meninada corre para vê-las...
Inclino-me à janela mais um pouco
E encanto-me de ver um ébrio louco
Declamando Camões para as estrelas.
Magnífica estrofe! “... um ébrio louco/Declamando Camões para as estrelas.” Ébrio, louco. Substantivação sublime! Equilíbrio implícito. Declamar Camões... Bêbado por condição, louco pelo acaso do destino. Por que ele não pode declamar Camões? Quem o pode? Só os ditos nobres, embrulhões? Poeta, você é o retrato da vida, já disse e reafirmo!

Duas moças que passam batem palmas
E o bêbado, com três manobras calmas,
Dobra os joelhos na rua iluminada...
Elas seguem sorrindo divertidas
E vão levando suas jovens vidas
Para o destino incerto da calçada.

Lembrei-me da canção de Aldir Blanc e João Bosco,”O bêbado e a equilibrista”. Os autores da canção comparam o bêbado, parecido com Carlitos, à esperança brasileira de "marias e clarisses". Elas anseiam que, com o apoio da sombrinha, a esperança equilibrista possa não se machucar em suas travessias pela corda bamba, já que todo artista sabe que o show tem que continuar. A esperança é equilibrista, e o bêbado se equilibra para não cair. Mas ambos estão em equilíbrio. O equilíbrio da esperança tem rumo, tem destino. O bêbado se equilibra para andar, sem rumo, sofrendo. A equilibrista é elegante. O bêbado pode ser alegre, mas é triste. Porém, “com três manobras calmas,/Dobra os joelhos na rua iluminada...” Quem será capaz de? Pois é. Na primeira, na décima segunda e na última estrofe, a calçada... Para que servem as calçadas? As calçadas são palcos de um indispensável contato “casual”, superficial, utilitário ou fortuito, onde cruzamos e interagimos com pessoas que não conhecemos, mas com as quais compomos uma gigantesca e maravilhosa rede de interações humanas, úteis e saudáveis, e que essas, caracterizam o espaço público e suas funções. Ou não. “Delírios de Maio”. O sentido da vida, o sentido de Deus, o enigma da morte, a solidão, a saudade, a memória, a infância constituem, numa recorrência constante, as motivações principais. Neste plano, a voz do poeta, não raro agônica e dilacerada, ensaia uma espécie de pequeno tratado sobre os sortilégios da existência.
Pierre Nora (1996:24-25) escreve: “A memória é a vida, sempre apoiada em grupos vivos e em evolução permanente, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todas as utilizações e manipulações, suscetível de longas latências e repentinas revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta daquilo que não está mais.A memória é um fenômeno sempre atual”. Essas palavras cuidadosamente escolhidas pelo poeta por seu simbolismo, as imagens que suscitam, o ritmo e ressonância nos versos, podem captar de forma destilada e potente fenômenos ou aspectos da existência humana, ao mesmo tempo em que oferecem uma experiência singular com a linguagem (Webster, 2002). Borges (2000:55) dizia: “se juntamente com o prazer de conhecer uma estória obtivermos o prazer adicional da dignidade do verso, então algo grande terá acontecido”. Segundo o autor, as pessoas hoje em dia “têm fome e sede de vida em poesia”, porque ela trata exemplarmente de temas como: felicidade, frustração, heroísmo, covardia e da “dignidade essencial da derrota” (ibidem 49 e 53).
Escrever um poema de modo claro, marcante, só com palavras essenciais. Ou interpretá-lo, analisá-lo de um ponto de vista que concilie a posição do poema com o sentimento comum, construindo um pequeno edifício de razão que ajude o leitor a entender e concluir por si mesmo: não é um jogo intelectual fascinante? E renovado todo dia! Não há pausa. Não há delírio pessoal que possa impedi-lo. A ficção acabou por invadir a realidade. Graças ao poeta José Antonio Jacob!

Ah! Quem me dera tenha tempo para, novamente, encontrar o sentido da vida neste poema!

Maria Granzoto da Silva

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Sugestões para

5 comentários:

  1. maravilhoso poema...sem palavras para acrescentar qualquer tipo de comentario.
    Parabens.

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  2. parabens...lindo texto e sem palavras para tecer comentario.
    Beijos

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  3. Excelente post sobre o também excelente poema de José Antonio Jacob. Aqui, é levantado um pouco do véu, são desvendados alguns dos fundamentos do encanto especialíssimo que envolve toda a escrita deste Poeta, cuja Poesia lemos e relemos, saboreando cada verso com imenso prazer!
    Parabéns!

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  4. Fragmentos da vida que vai se desfiando na calçada, palco do cotidiano percebido , sentido pelo poeta observador da vida e de si mesmo na dialética com o cosmos...visão madura e magnificamente ingênua, simples da existencia que desfila, ante o olhar analítico do poeta Jacob, e se traduz em poesia profundamente tocada pela realidade e tocante pela sensibilidade do homem Jacob. Impossível passar por Jacob sem ser arrebatada por sua poesia.

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  5. Fragmentos da vida que vai se desfiando na calçada, palco do cotidiano percebido , sentido pelo poeta observador da vida e de si mesmo na dialética com o cosmos...visão madura e magnificamente ingênua, simples da existencia que desfila, ante o olhar analítico do poeta Jacob, e se traduz em poesia profundamente tocada pela realidade e tocante pela sensibilidade do homem Jacob. Impossível passar por Jacob sem ser arrebatada por sua poesia.

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