Solange Rech


Município Capivari de Baixo - Tubarão - SC
1946 - 2008



Solange Rech, nasceu em Tubarão- SC (29/05/1946) - hoje município desmembrado Capivari de Baixo - e morreu em Curitiba (29/01/2008).


Foi radialista e redator/editor de jornal por três anos. Funcionário do Banco do Brasil durante 28 anos, onde exerceu vários cargos de relevância, até aposentar-se em dezembro de 1994.

Na década de 70 seus versos e crônicas, já conhecidos no Brasil, foram traduzidos e publicados por jornais e revistas do Brasil e países da América Central.


Sócio fundador da Academia Virtual Brasileira de Letras (AVBL) e membro de diversas Academias de Letras em estados do RJ, SP e SC. Vinculado à União Brasileira de Escritores (UBE).


Cônsul (para Florianópolis) do movimento Poetas del Mundo; uma organização que se ocupa na divulgação da poesia em vários países do mundo.


Seu poema, “Diretas Pra Presidente”, ganhou o domínio público e foi declamado no movimento nacional “Diretas Já”, sob a liderança de Ulisses Guimarães.


A partir de 1999 participou de concursos literários, classificando mais de duzentos trabalhos. Seu poema “Só o Sorriso É Eterno” foi traduzido para o inglês e publicado nos Estados Unidos da América e na Inglaterra.


Vários de seus escritos poéticos ganharam divulgação em antologias do Brasil e do exterior, como Uruguai e Portugal.


Seu nome consta como verbete da Wikipédia (enciclopédia virtual), assim como da Enciclopédia dos Escritores do Ano 2000 (RS) e da Enciclopédia de Literatura Brasileira (Afrânio Coutinho, co-edição ABL, 2ª edição, RJ, 2001).


Homenagens recebidas:


– Título de Personalidade do ano do Distrito Federal – 1983,
outorgado pela Associação de Imprensa de Brasília (AIB), da qual é também sócio honorário;

– Cidadão honorário dos municípios catarinenses de São Lourenço do Oeste e de Araranguá;


– Troféu “Dia da Poesia” (2003), concedido pelo município de Governador Celso Ramos, SC;


– “Troféu Gigantes”- 2005 (poesia), em Blumenau, SC;


– Destaque em poesia, ano 2005, reconhecimento da Academia Catarinense de Letras.


– 1ª colocação, com “As balizas do tempo” na 11ª. edição do certame de poesia (Julho/2007) DAR VOZ À POESIA realizado em Ovar, Distrito de Aveiro – Portugal.


– 3ª colocação, com “Soneto da Contrição” no CONCURSO INTERNACIONAL DE SONETOS "Sebastião Bemfica Milagre", promovido pela Academia Divinopolitana de Letras (Divinópolis, MG). Neste ano (2007), na sua XVIII edição.


Recebeu dos poetas internautas o honroso título de “Poeta-Rei”.


Sua obra completa, até o momento, se compõe dos seguintes livros:
– Trovões Dolentes (1962, aos 16 anos de idade);– Para Matar a Noite (1987);– De Amor Também se Vive... (1999)
– História da FENABB (2000);
– Os Espartanos de Deus (2000);
– Serões na Rede (2002);
– Meio Século de História (2003);
– Sacerdócio Poético (2004);
– Meus Sonetos Premiados (2005);
– Entre sonhos e projetos, a vida é um cadinho de tudo. In:
BRIGHENTI, Agenor et al. A Hora da Colheita (2005). p. 349-362.
– Versos do Tempo Quase (2006).
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Artculturalbrasil agradece a webdesigner Glória Guedes pelo fornecimento dos poemas e da biografia de Solange Rech.
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SALMO DO POETA
Solange Rech

O poeta florescerá para bem do homem.
Ele há de retemperar a esperança
quando a multidão se sentir desnutrida,
carente do pão da palavra.

Com a bíblia dos seus versos
e o cajado da mensagem,
o poeta guiará a humanidade,
fazendo prazerosa a travessia da vida.

Seus poemas serão antídoto para a ignomínia,
porque vergastarão a mentira,
restaurando a crença no puro e no belo.

O poeta há de ser como o galho do chorão
que, ao se debruçar sobre as águas do rio,
recupera a seiva em época de estiagem.
E assim alimentado, alimentará o seu povo.

Eterno embaixador de deuses intemporais,
o poeta não clamará no deserto,
mas na alma angustiada das gentes.





TEU MUNDO
Solange Rech


A tristeza que mora no teu rosto,
E que evitas mostrar sorrindo à-toa,
Te transforma no cisne que, ao sol posto,
Vagueia, solitário, na lagoa.

Administra o sofrer que te é imposto,
Trata-o como algo teu, embora doa.
Conhece teus demônios, ganha o gosto
De aproveitar da vida a parte boa.

Adaptando-te aos teus limites loucos,
Que vão da glória ao abismo mais profundo,
Estarás pronto para ser amado.

Saberás, como os sábios, que são poucos:
Quando pensavas estar só no mundo,
Vários cisnes nadavam do teu lado.






Solange Rech


Qualquer dia vou-me embora para o nada.
Eu, árvore que deu fruto,
trem encostado depois da última viagem.

Não estou morrendo hoje.
Venho morrendo aos poucos, a vida inteira,
como uma caminhada que se completa
ou como uma vela que, acesa,
cumpre seu destino de produzir luz
e, ao fazê-lo, caminha para a extinção.
Nem cabe lamentar o ter queimado até o fim,
pois esse é o destino das velas bem sucedidas.
Por aleatório mas inexorável sorteio,
a morte virá fechar meus olhos.
Seus passos serão mansos
como um beijo de brisa.
Nas mãos, não a foice que amedronta,
mas as carícias com que se conquistam os amantes.

Seu toque terá a singeleza de quem diz:
_"A existência te seria um peso doravante.
Vem comigo e te embalarei para sempre".

Por isso o medo não habitará minhas retinas.
Por que temer se o nada não dói
e se a dor é privilégio da vida?





O sol se inclina...
Solange Rech


Talvez eu vá embora sem aviso,
Sem mensagem de adeus, sem um aceno.
Não é que o meu amor seja pequeno
Mas é que agir assim se faz preciso.

Se eu puder contornar o teu sorriso
(É nele, sabes bem, que me enveneno),
Melhor para eu deixar o chão terreno
E me livrar das coisas que utilizo.

Estou morrendo, diz a medicina
(Chegando no horizonte, o sol se inclina
E seu calor acaba, faz-se extinto).

Quero morrer em paz, como os que vão
Sem nada reclamar, sem aflição.
A não ser a saudade que já sinto...





Dores
Solange Rech


Tens tuas dores? – todo mundo as tem.
Lembra-te que um bebê nasce chorando
Cresce a sofrer e fica velho, quando
Chega a morte, trazendo dor também.

Sim, as dores... não há quem viva sem,
Chegam e logo assumem o comando.
Com o tempo, acabamos observando
Que elas jamais se vão, apenas vêm.

Costuma-se dizer que a dor ensina,
Que tempera o guerreiro e o retempera,
Transformando um covarde em grande herói.

Não creias nesta afirmação cretina,
Caráter molda-se com vida austera.
Quanto à dor, acredita, ela só dói.





PERFEIÇÃO
Solange Rech

Ah!, se eu pudesse estar com Deus agora,
E lá, junto ao seu trono, cara a cara,
Sentisse aquele doce olhar que ampara
E enche de paz o espírito que o adora;

Chegasse eu na hora do Ângelus, sonora,
Quando a divina graça mais se aclara,
Não pediria alguma bênção rara
Nem bens que possam me trazer melhora.

Iria agradecer-lhe a mulher bela
Que ele me reservou, que se desdobra
Quando, meiga, me afaga e põe feliz.

E, orgulhoso, Deus vai dizer: "Aquela?
Veja que traços, que sorriso, que obra!
Eu estava inspirado quando a fiz!" 


MUNDO INTERIOR

Solange Rech


Dentro de mim construí doce recanto
que ninguém, por mais íntimo, visita.
Nenhum estranho passa da guarita
Desse espaço pessoal e sacrossanto.

Olho meu mundo sempre que levanto
E ali vejo a dormir a paz bendita
- A mesma que o Islã vê na mesquita,
E o cristão no seu templo, em dia santo.

Este refúgio d'alma me auxilia
A recompor o estrago que, no dia,
Juntei ao ambiente hipócrita que aturo.

Ali, no meu cantinho, ninguém mente
Nem odeia nem ama falsamente,
E inda se pode ser feliz e puro.





Soneto da contrição
Solange Rech


"Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado
de vossa alta clemência me despido..."
Gregório de Matos Guerra.

Tanto pequei, Senhor, que já não posso
Reclamar vossa bênção que redime.
Não rezo mais, como antes, o Pai-Nosso,
A prece, dentre todas, mais sublime.

Até meu coração, que já foi vosso,
Ao escutar vosso nome, se comprime.
Não me perdestes, Deus; eu, sim, perdi-me,
Sobrou-me o gesto de perdão que esboço.

Se meus pecados não vos causam choque,
Se generoso sois (diz o evangelho)
E se de vós sou parte e sou pedaço,

Talvez vosso perdão ainda toque
O filho que retorna, frágil, velho,
Esperando que o acolha vosso abraço.





CARTA-POEMA AOS AMIGOS
Solange Rech


Meus amigos, desculpai-me
pois, inadvertidamente, vos iludi.
Bem sei agora que de mim
vós todos esperáveis um poeta completo,
alguém como um semideus
que conseguisse se embrenhar no segredo do cosmo,
capaz de sofrer a angústia do big-bang inicial
e de viver o gozo, supremo e espasmódico,
de algum astro recém-nascido.
Não, meus amigos.
Decididamente não sou eu o poeta que buscais.
Para desfazer qualquer dúvida que ainda remanesça,
permiti que vos diga, num rasgo de confessada humildade,
que eu jamais consegui decifrar o código de angústia
do riacho que, perdido, serpenteia pela floresta;
que eu, embora tenha me esforçado ao extremo,
ainda não traduzo fielmente a voz do vento andarilho,
mexeriqueiro bailarino a confabular com as árvores
os segredos trazidos de distantes paragens.
Tende em mente que minha sensibilidade
é suficiente apenas para entender
que a cor avermelhada da aurora
se deve ao sangue das paixões sublimadas.
É honesto dizer ainda que não tenho tido êxito
ao tentar compreender as conversas informais das estrelinhas
quando, nas noites frias de inverno,
se reúnem para tricotar suas nuvens de algodão.
Bem se vê que é indevido o vosso comportamento
quando, em contato com meus versos humildes,
vos dizeis maravilhados das palavras desconexas
que, presunçosamente, apelidei de poesia.
E, para melhor vos iludir,
fiz do meu verbo uma argamassa
composta de dores e amores,
de sonhos e prantos e sorrisos e lágrimas.
Porque – é forçoso reconhecer! –
este vosso amigo, longe de ser um poeta pleno,
ainda não conseguiu ir além do coração do homem.





NINGUÉM MAIS DO QUE NÓS
Solange Rech


Ninguém mais do que nós terá certeza
De que existe um desígnio a nos ligar
Pois nunca fomos dois, e sim um par,
Juntos, assim na cama, assim na mesa.

Olhe, a chama do amor prossegue acesa,
Queima bem lento, queima devagar,
Só para que possamos saborear
Por mais tempo este dom da natureza.

Amor, que se apresenta audaz e aflito,
Que às vezes é suspiro, às vezes grito,
Amor, que alça os humildes, pune os bravos...

Amor, que nos machuca e nos consola,
Que nunca tem limite nem bitola
E só nos põe felizes quando escravos...



COMPANHIA
Solange Rech

Está vindo um soneto, e nasce manso
Como um botão de flor amanhecido.
Instala-se com calma, sem ruído,
E faz da minha mente o seu balanço.

Primeiro vem o ritmo, e nele danço,
E me envolvo, e me enlevo, e me decido
Com quais palavras teço o seu vestido
- E há de ser veste de trazer descanso.

É que o soneto às vezes aparenta
Uma envolvente valsa, terna e lenta,
Que anjos divinos tocam para nós.

Pois este companheiro de hora triste
A qualquer solidão vence e resiste
E enfeita a vida dos que vivem sós.
 

Templo do amor
Solange Rech

De mãos dadas, nós vamos, num passeio
Pelos jardins, no parque da cidade...
Observa a borboleta: ela só veio
Para aumentar a paz que nos invade.

Pássaros e pessoas em recreio...
No conjunto, nada há que desagrade.
Digo a todos que te amo, já provei-o
Com a minha constante lealdade.

Outros casais desfilam na paisagem
E, vendo-nos felizes, nem reagem
- Não há ciúmes, acham-nos exemplo.

Um sorriso gentil nos acompanha
Mostrando que a paixão fez a façanha
De vir morar em nós, como num templo.


PRESENÇA
Solange Rech


Teu olhar tinha o encanto da manhã,
Inda ostentando a cor final da aurora.
Pois ao ver-te, a paixão, mesma de outrora,
Nasceu em mim de novo, temporã.

Veio mostrar-me o quanto a vida é vã
Se só a solidão conosco mora.
Minha alegria foi-se porta afora
E tu lhe deste asilo, anfitriã.

Por isso, ao te encontrar, te aprisiono
No jardim mais florido de minha alma,
Com as compensações que te prometo.

Apaixonado, velarei teu sono
E tu repousarás em plena calma,
Tão bela como pousas num soneto.

Imenso amor o meu
Solange Rech

Imenso amor o meu, de tal jaez
Que minha alma, liberta da couraça
Do egoísmo, da mágoa, da aridez,
Vive no espaço que esse amor lhe traça.

Dia após dia, mês depois de mês,
Sigo teus passos, preso à tua graça.
És a resposta a todos os porquês
E a afirmação de que nem tudo passa.

Quando disseste “vem comigo”, eu vim
Pois eras a esperança, eras meu sonho
Mais divino, mais puro, mais pudico.

Como a lei natural impõe um fim,
Morra eu, que de matéria me componho,
Mas nunca morra o amor que te dedico.

Perfeição
Solange Rech


Ah!, se eu pudesse estar com Deus agora,
E lá, junto ao seu trono, cara a cara,
Sentisse aquele doce olhar que ampara
E enche de paz o espírito que o adora;

Chegasse eu na hora do Ângelus, sonora,
Quando a divina graça mais se aclara,
Não pediria alguma benção rara
Nem bens que possam me trazer melhora.

Iria agradecer-lhe a mulher bela
Que ele me reservou, que se desdobra
Quando, meiga, me afaga e põe feliz.

E, orgulhoso, Deus vai dizer: “Aquela?
Veja que traços, que sorriso, que obra!
Eu estava inspirado quando a fiz!”

Céu
Solange Rech


Contemplo a natureza. Da janela
Me convenço, outra vez, que a vida é boa.
A brisa, com seu beijo, me abençoa
E a borboleta diz que o mundo é dela.

Vejo o meu mar num fim de tarde bela
E me sinto um monarca sem coroa.
Em sonhos me transporto para a proa
De uma desprotegida caravela.

Canários, andorinhas, tico-ticos
Procuram tons e sons, perfilam bicos
Unificando os cantos mais dispersos.

Surge então uma orquestra de alarido
Para vaiar o vulto embevecido
Deste maluco fazedor de versos.

De amor também se vive...
Solange Rech


“De amor também se sofre e morre” – disse-o
Algum poeta triste, sem afeto.
O amor tem mesmo o gosto predileto
De juntar dor e prazer desde o início.

O amor num tempo é céu e precipício
E ninguém interfere em seu trajeto:
Unindo o beijo à fúria e o sim ao veto,
Às vezes é virtude, às vezes vício.

Sonho maior que a vida humana alcança,
Eu te busquei, amor, no desconforto,
Segui teus passos como um detetive.

Hoje posso dizer, com segurança:
Não fosse o teu lampejo, estava morto.
De amor e de paixão também se vive!

Amigo
Solange Rech


Amigo é mais que irmão, é mais que amante.
Nossos passos prevê, como adivinho.
A presença do amigo nos garante
A fibra que mantém nosso caminho.

Amigo é bem sagrado, é sol brilhante.
Quem tem amigo nunca está sozinho.
Amizade mais velha é mais constante,
Lembrando as qualidades do bom vinho.

Nossos amigos, como nossos pais,
Representam a força inexaurível
Que nos mostra, nas trevas, a clareira.

É bem por isso que sentimos mais
Quando somos traídos nesse nível:
Traição de amigo sangra a vida inteira.

Prece
Solange Rech


Que meu verso, Senhor, seja estrada,
Tentativa de tê-la ao meu alcance,
Maneira de ligar-me à minha amada,
Certeza de fervor no meu romance.

Despenque o mundo, embora, num relance,
Que eu não abdique desse amor por nada.
Eleita minha musa e minha fada,
Somente nela o meu olhar descanse.

Que meu verso candente seja brando
Para que ela o receba como flores
Sob o som de concertos divinais.

Permita, Deus, que eu sempre viva amando
Porque, por mais que o amor me cause dores,
Não ter a quem amar dói muito mais.
Não há vagas!
Solange Rech


Durante vários meses, inda escuro,
Ele saía em busca de serviço.
“Darei aos filhos vida digna - juro!
Breve estaremos longe do cortiço”.

”Não há vagas!” – diziam. Inseguro,
Lembrou-se do impossível compromisso.
Não dependia dele, havia um muro
Que o deixava incapaz e até submisso.

Voltava à noite, nulo de esperança,
Para o barraco em que a aflição maldita
Era a fome dos seus, doentes e imundos.

Passa um moço, nascido na abastança,
Que ignora as causas da pobreza, e grita:
-“Vão trabalhar! Inúteis! Vagabundos!”
Mentirosos
Solange Rech


Mentir ao ser amado banaliza
A relação que existe entre dois seres.
Quem mente fere, mas também se pisa
Por ter sido incorreto nos deveres.

Temos a mesma culpa, não precisa
Que finjas ter vantagens ou poderes.
A vida, essa inclemente e alta juíza,
Vai fazer-me sofrer o que sofreres.

A dor de ter mentindo ninguém tira.
Para escondê-la, a gente às vezes ri
- Outra maneira de não ser sincero.

Tu, fingindo que me amas, que mentira!
E eu, tomado de um louco amor por ti,
Passo a vida a dizer que não te quero!

O sabiá
Solange Rech

Todo dia ele vem, ao fim da tarde,
Com sua companheira, a fazer festa.
Começa logo, em ritmo de seresta,
O seu canto mavioso, em grande alarde.

A fêmea, ao seu redor, de paixão arde
Por esse seresteiro que protesta
Amá-la sempre, de uma forma honesta,
E ser seu protetor, não ser covarde.

Muitos, falando em nome do Senhor,
Contam "verdades". Seja lá quem for:
Papa, pastor, rabino, aiatolá...

Ouvindo o seu cantar num galho tosco,
Sei que Deus, se quiser falar conosco,
Vai usar tua voz, meu sabiá!

A um menino morto
Solange Rech


(jogava bola em frente a sua casa
quando um carro desgovernado
ceifou-lhe a vida aos sete anos).


Tinhas no olhar a placidez do lago
A refletir em nós tua ternura.
Embora a vida reservasse agrura,
Só eras feito do melhor afago.

Por que tu, tão pequeno e de alma pura,
E não eu, velho triste? – assim indago.
Mas Dona Morte, em seu papel de mago,
É quem decide o quanto a gente dura.

Eras puro demais, eras divino.
Partir passou a ser o teu destino
Pois é morrendo que o sofrer se esvai.

Agora estás no céu e eu imagino:
Se aí também morar um Deus-Menino,
Os dois jogarão bola com Deus-Pai.

Meninos de rua
Solange Rech


Garotos maltrapilhos que ficais,
Mãos esticadas na extensão do carro,
A pedir uns trocados, pão, cigarro
No espaço da mudança dos sinais.

A desprezível moeda que juntais
No chão das ruas, suja pelo barro,
Nada resolve, pois eu sempre esbarro
Em jovens que empobrecem sempre mais.

Como impedir que vossa justa ira
Recaia sobre nós e nos inquira
Os motivos de um mundo tão escuro?

Ainda assim, meninos, tende pena
Dessa elite infeliz que vos condena
A não ter nem presente nem futuro.
A espera
Solange Rech
À memória do “gran captán” Pablo Neruda.


Passo a vida aguardando o meu amor.
Ela virá, para alegria plena
Deste gran captán, navegador,
Que perde o rumo quando a amada acena.

Na minha caravela, a brisa amena,
Ao me beijar a face, extingue a dor.
E a dor da ausência é triste, causa pena...
A mar algum irei se ela não for.

Como posso ir sozinho, a navegar,
Se, sem sua presença, o velho mar
Parece o cemitério dos amantes?

Ela virá, eu sei, posso senti-lo,
E aprenderei que o amor não é aquilo,
Aquele mar de dor que havia antes.

Mário Quintana
Solange Rech

Enquanto a vida passa, como o vento,
No transcorrer dos dias da semana,
Meu coração se vale do momento
Para orar com os versos de Quintana.

Embora alguma dor, não há lamento
Pois minha alma se enfeita e se engalana
Ouvindo os Quintanares do Anjo Bento
Que, no céu, canta em versos seu hosana.

Lá, onde entram somente as almas puras,
Libertas da tristeza e das agruras,
Deus, apontando-o, diz ao seu plenário:

- “Este, sim, é poeta de verdade!”
E pergunta, mostrando intimidade:
- “Quem sabe declamar versos do Mário?”.

Dou fé!
Solange Rech

O poeta faz saber a toda a rua
Esta declaração a que dá fé:
Proteja a minha amada o Deus Javé,
Em paga ao meu amor que se acentua.

Visando a que este amor não diminua
E siga doce e terno, tal como é,
Guardo seus passos, sigo-a pé por pé,
Sabendo que a luz dela acende a lua.

Por isso, saibam todos que é preciso
Perdoar o pobre amante, sem juízo,
Que some do cenário, vez em quando.

Peço à gente do bairro, tão sabida,
Que, ao notar minha ausência na avenida,
Pense baixinho: “O poeta está amando!”.

Proposta
Solange Rech


De mim, querida, não esperes tanto.
Por nada ter, bem pouco te ofereço.
Quem sabe uns versos, um canto, um acalanto
- Gestos pequenos que sequer têm preço.

Beijos, sim, te darei, mantendo o encanto
Que o nosso amor terá desde o começo.
Meus carinhos e afetos, te garanto,
Poderão te enfeitar como adereço.

Pobre de mim! A dúvida me aperta
Por saber quão pequena é minha oferta
- Um quase nada, restos de migalhas.

Poeta ingênuo, vou sonhar ainda
Que tu me hás de aceitar, menina linda,
Pois quero me aquecer na luz que espalhas.

Cena Antiga
Solange Rech


Uma junta de bois, cangada ao carro,
Presa ao arreio e ao cabo da correia,
Puxando lenha, carregando barro,
Suprindo a roça com os bens da aldeia.

Vem na boléia um cidadão bizarro
Que, desumano, os animais golpeia.
Numa mão o ferrão, noutra o cigarro,
Na boca, palavrões, blasfêmia feia.

Obedientes, os bois se vão embora,
Fazendo sempre o que seu dono queira
Para evitar que o pior venha depois.

Fico surpreso ao ver que o carro chora
E que ele, inanimado, de madeira,
Responde, com seu choro, à dor do bois

Paz
Solange Rech


Eu te proponho: vem morar comigo.
Meu coração, enfim, pode abrigar-te.
Divulgarei teu nome em toda parte
E serei teu arauto e teu amigo.

Se todos te maltratam, te bendigo.
A defender-te, vou ser teu baluarte.
Faz de mim o instrumento que reparte
O teu amor, sem guerra e sem perigo.

Tua mensagem lembra causas boas
Com as quais tu a todos abençoas,
Fazendo deste mundo algo sincero.

Quero ser teu apóstolo e sequaz,
Teu seguidor mais fiel, ó deusa Paz.
Sei que não te mereço mas te quero.

Juro
Solange Rech


Juro que te amo e espero que acredites
Pois minha jura em provas se alicerça.
Não é fogo de palha ou só conversa,
É paixão que arrebata sem limites.

Também me amas e, assim, estamos quites.
Se em ti me apóio na ocasião adversa,
Tua dor ao meu sopro se dispersa,
E uma vida de deusa te permites.

Não busco convencer-te quando juro.
Certamente o destino, no futuro,
Manterá o caminho que hoje é nosso.

Mas juro, mesmo assim, com grande empenho,
Para fazer maior o amor que tenho
E, exibido, te amar mais do que posso.

Dia das mães
Solange Rech

Com certeza, não há gesto terreno
Que se compare ao teu divino afago.
Quando te ausentas, fica um lugar vago
No velho coração, triste e pequeno.

O teu olhar transmite um ar sereno
Que faz do mar feroz um manso lago.
Transformas em vitória um grande estrago
E o teu beijo desfaz qualquer veneno.

Teu amparo há de ser meu bem vindouro
Pois, por graves que sejam os meus ais,
No calor do teu colo as dores somem.

Ter mãe é possuir raro tesouro.
Até Deus, com inveja dos mortais,
Para sentir-se filho, se fez homem.

A bênção, pai!
Solange Rech


Uma vez mais te peço a bênção, pai,
Como o fazia quando era pequeno.
-“Deus te abençoe e te proteja. Vai!
Zele por ti Jesus, o Nazareno!”

Recordo tua paz, que inda me atrai,
Lembrança que me ajuda a ser sereno
E a dizer para as lagrimas: “Cessai!
O pranto agrava o rosto e forma um dreno!”

Vazia a mesa, a casa, a minha vida,
Vazio meu coração, tudo vazio,
Quando, impotente, vi tua partida.

Minha saudade acumulou-se em feixe
E aqui estou para implorar, tardio,
Que tua bênção, velho, não me deixe.

Natal rebelde nº3
Solange Rech

Ao te apressares em colher a flor,
Matas o sonho de ingerir o fruto.
E teu buquê não lembrará o amor,
Que o amor não rima com a fome e o luto.

Água não negues se o andarilho for
Com sede à tua porta, ao teu reduto.
Levanta o fraco, abriga o sofredor,
Seja ele velho ou moço, manso ou bruto.

Ajuda teu irmão. Vê se descobre
Nas fímbrias da miséria algo de nobre
(O bem existe e descobri-lo é arte)

Não xingues de vadio a esse pobre:
Pode até ser que nada mais lhe sobre
Por termos embolsado a sua parte.

Eternamente
Solange Rech

Tamanho é o nosso amor que já não sei
Onde fica o meu fim e o teu começo.
Tu és minha rainha, eu sou teu rei,
De amor te nutres, dele me abasteço.

Um dia, é coisa certa, morrerei
Mas não reduzirei paixão e apreço.
Terás ainda o amor que antes te dei
Quando a vida mudar-me de endereço.

E se alguém, referindo-se a nós dois,
Falar que o amor morreu com minha morte,
Já que ela silencia todo assunto,

Dirás que o eterno ignora o que é “depois”
E que alguma energia muito forte
Nos fez dois para sermos um conjunto.
Fim de dia
Solange Rech

Este canário entende de alma humana
E todo dia vem me dar conselho.
É meu guru, meu mestre, meu espelho,
Critica meus defeitos, não me engana.

Dita-me os passos, tudo ensina e explana,
Como sábio falando a um fedelho.
Dedico-lhe respeito e me assemelho
A aluno surpreendido em falta insana.

Meu canário amarelo, tu que tens
Sempre um gorjeio a mais que me distraia,
Bem mereces, por isso, os parabéns.

É hora de ir dormir, canoro amigo,
Antes que as outras aves desta praia
Pensem que és louco por falar comigo.

Tua paixão
Solange Rech

Tua paixão-cometa surge e some,
Dando ao céu indefeso de minha alma
Quando chega - um enlevo que me acalma,
Quando parte - uma dor que me consome.

Tua paixão-sufoco (que outro nome
Dar ao confuso ardor que em mim se espalma?)
Ao vir - recebo-a com louvor e palma,
Ao partir - deixa meu amor com fome.

Paixão-cometa, célere se queima,
Paixão-sufoco, assim me toma e larga,
Paixão que em machucar-me tanto insiste...

Paixão que muito quero, guloseima
Que vindo é doce, mas partindo amarga,
E que, se não voltar, me mata, triste.

A JAULA
Solange Rech


Não venhas me dizer que tu carregas
Sofrimento maior que a mágoa alheia.
Também dói nos parentes e colegas
A dor universal que te aperreia.

Foge do grupo das pessoas cegas
Que não reagem ao mal, à sua teia.
Crescem somente as plantas que tu regas:
Se regas a tristeza, ela campeia.

O homem sábio, diversas vezes ouço,
É quem se autodomina e sabe pôr
Serenidade à frente, mágoa atrás.

Todos temos no peito um calabouço.
Pois troca o prisioneiro: amarra a dor
E liberta da jaula a tua paz.

AMADA
Solange Rech


Que estes versos encontrem minha amada
Sorridente e feliz, alma difusa,
Pois ela, que já era minha musa,
Transformou-se, no tempo, em minha fada.

Amante e companheira, a caminhada
Seria, sem você, triste e confusa.
Meu coração, tão frágil, se recusa
A abrir mão de mulher tão adorada.

Feliz sou eu por tê-la, linda amiga,
E poder envolvê-la, à moda antiga,
Com o mesmo vigor da mocidade.

Sejam os versos simples que hoje faço
Carinho, afeto, paixão, beijo e abraço
Para louvá-la, deusa e majestade!

DESDE SEMPRE
Solange Rech


Antes que a labareda do tempo
lambesse a sucessão dos milênios,
eu já te procurava.

Nos desvãos da matéria incandescente
persegui teus vestígios
com a sofreguidão dos famélicos.

Não, tu não vieste a mim pelo acaso,
foste garimpada nos aluviões da minha pertinácia,
mais velha que o próprio mundo.

Havia urna estranha avidez
no meu gesto determinado de buscar-te,
enquanto rolaram os séculos.

Um dia enfim te encontrei
e emparelhei-me aos teus passos.
Foi quando me dei conta
de que havia achado a mim mesmo.

Cessei a busca e me pus feliz!



EU PROFETA
Solange Rech

Ao ver-te desolado na calçada,
Torcendo que mais cedo a morte venha,
Sento ao teu lado e entrego a tua senha
Para entender a vida, esta charada.

Não te aflijas, eu digo, vê que cada
Novo teste que o tempo nos desenha
É provação de fogo e nós, a lenha,
Precisamos queimar dando risada.

Um bem, uma virtude, um grande viço,
O sonho e o amor, mais o contrário disso...
— Viver é ir do abismo à grande altura.

Compreendendo esta imagem descabida,
Tu verás, afinal, que nossa vida
É o extremo non-sense da loucura.





FILHO DO OLIMPO
Solange Rech


Eu, filho do Olimpo,
recebi dos deuses meus pais
diversos poderes.
Posso, sem sair de minha mesa,
inventar mundos e habitá-los a meu modo,
colorir auroras, apreciar perfumes únicos
e locomover-me com a velocidade do pensamento.
Posso ver muito além do alcance visual
e sentir mais do que mo permitiriam os sentidos.
Sabedores dos poderes de que sou revestido,
os homens se divertem em me atribuir apelidos.
Para uns sou poeta; para outros, sonhador
mas todos me dizem louco.
Todavia, um único poder
não mo deram os deuses meus pais:
não posso inventar a mulher que amo.
Ela já existe e só tem esse andar faceiro
porque criá-la foi missão indelegável
que coube apenas a eles.
Bendita limitação, que faz da minha amada
uma obra-prima dos deuses do Olimpo
os quais, como é sabido, são perfeccionistas.


NOSSA FORÇA
Solange Rech


Tu és a fortaleza que me ampara
E que dá segurança aos meus momentos.
Pesados horizontes, céus cinzentos
Transformas no esplendor de noite clara.

Quando chegas, nenhuma angústia pára,
Vai-se de mim, levada pelos ventos.
Ao teu comando cessam os tormentos
E surge a paz, gratificante e rara.

Muita gente, sabemos, vocifera
Que a tal felicidade é só quimera,
Simplória explicação do seu fracasso.

Estando juntos, nunca estamos sós.
Acaso pode o mundo contra nós
Quando nos protegemos num abraço?


RECICLAGEM
Solange Rech


Acredita, porque é verdade:
um dia serás encaminhado à forja universal,
onde, sem o saber, já passaste tantas vezes.

Por menos que queiras, serás despojado
de tudo que te prende ao antigo formato.
Teus familiares e amigos mais próximos,
que pareciam parte inseparável da tua carne,
não te seguirão na viagem que farás, solitário.
Os mais chegados levarão teu corpo inerte,
matéria sem vida, certos de que já não és.
Quanto aos bens, que pensavas te pertencer,
descobrirás que tudo te era emprestado:
casa, carro, jóias, dinheiro, valores e debêntures,
que ta~to sono te roubaram no afã de amealhá-los,
são propriedades da vida, cedidos em comodato
ao clube dos que ainda têm essa forma,
do qual já não serás membro ativo.

A morte é apenas instrumento desse desígnio.
Por isso, ela vai te levar, como levará a mim,
sejas tu bom ou mau, branco ou negro,
rico ou pobre, alto ou baixo, santo ou pecador.
Porque, antes de ti e de nós, já foram levados
reis e vassalos, covardes e heróis, papas e profetas.

Todos foram ceifados, como trigo maduro.

A natureza, alheia a sentimentos de todo tipo,
vai te aproveitar na continuidade do cosmo.
Serás talvez palmeira ou gramínea,
lama ou pedra, musgo ou pássaro,
ser pulsante ou corpo inanimado.

Em algum lugar, nossa matéria reciclada
terá um aproveitamento importante,
como importante é tudo o que compõe
este mundo admirável de que somos parte.

REENCONTRO
Solange Rech


Meus versos, que rezais no vão da escada,
No espaço dos degraus da casa amiga,
De vós ouço orações, ouço a cantiga
Que eu próprio disse em época passada.

Sois poemas quarentões, e bem me agrada
Encontrar-vos na mesma forma antiga,
Aqui, no seminário em que se abriga
Este eco de uma infância congelada.

Curioso, eu vos pergunto, num afago,
Enquanto o amparo paternal vos trago:
— Por quem, meus versos-monges, vós rezais?

Alegres e radiantes porque vim,
Dizeis que vossas preces são por mim.
— Por mim?.. por mim, que nem rezar sei mais?!



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Presidente

Robles Celmo de Carvalho
Administrador Geral

artculturalbrasil@gmail.com

4 comentários:

  1. Anônimo18:41

    Amigos do blog do artculturalbrasil, boa noite! Recebo feliz o link para visitar a página de Solange Rech. Parabéns pela edição do grande poeta e amigo Solange. Sim, eu disse grande amigo, porque mesmo não estando neste plano, as vibrações continuam. Segundo Santo Agostinho, a morte não é nada, apenas passamos para o outro lado do caminho.
    Parabéns pelo blog, está muito bonito e riquíssimo de conteúdo. Um grande abraço. Glória Guedes

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  2. Anônimo00:22

    Obrigado pela bonita homenagem feita a meu Pai!

    Abraco

    Saulo Nunes Rech
    filho de Solange Rech.

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  3. O menino que se foi aos sete anos,a dor que dura a vida inteira e leva crédito por nossas melhoras...tudo e muito mais...Poesia que mexeu comigo.
    " Os livros me escolhem,a poesia me sequestra."
    Tadeo Carvalho

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  4. JAIME DORNELES21:23

    Meu grande amigo e companheiro Solange Rech.
    Que saudade.....
    PP5JD

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