Professora Maria Granzoto da Silva
Editora de Literatura ArtCulturalBrasil
Sonho de Papel
(José Antonio Jacob)
Ainda escuto o som de água no rochedo,
Retumba o oceano a nódoa da ambição,
Por isso, meu amor, que sinto medo
De ouvir no mar o som da solidão.
Velhos pesqueiros vão à lentidão,
Lá no horizonte o empós cria um segredo...
Estes barquinhos são de papelão
E o mar é um grande espelho de
brinquedo...
Eu amo a vida e quão pequeno sou,
Mas lanço um sonho nesta imensidão
E nele, de alma pendurada, vou...
Suspenso em minha pipa de papel,
Que vai transpondo nuvens de algodão,
Para meu sonho aterrissar no céu!
O Título:
O Sonho é de Papel. Não é do Papel. É o Sonho de
muitos de nós, concretizados ou não. Sei que o papel, em sentido primeiro, é
concreto e um dos materiais que nos acompanha durante toda a jornada terrena:
lembrancinhas de nascimento, convites em geral, adornos em festas (alguém
já viu Festa Junina sem bandeirinhas de papel, por exemplo?), lembrança
fúnebre,“ coração de papel “, etc... Este soneto “Sonho de Papel”, do Poeta
Jacob, é feito de um papel especial, dependendo dos nossos sonhos e tem por
papel despertar nosso mundo intelectivo de modo especialíssimo! E qual o nosso
papel nesta vida?
Já dizia Padre Antônio Vieira (1608-1697) “O livro
é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia,
um morto que vive". É assim que vejo e sinto o Livro
Poesia de Bolso, do Poeta José Antonio Jacob. E, hoje, com imensa saudade do
passado, dessa obra inigualável, parei em “Sonho
de Papel” (pág. 8) e sobre ele quero escrever algumas considerações que me
vem da alma! É sabido pelos admiradores da Literatura, que o Poeta é um Mestre
na arte de compor sonetos, também, a exemplo deste. Leiamos pois o primeiro quarteto:
Ainda escuto o som de água no rochedo,
Retumba o oceano a nódoa da ambição,
Por isso, meu amor, que sinto medo
De ouvir no mar o som da solidão.
O sentido arguto da audição predomina nesta
estrofe. O Poeta não vê, apenas ouve em alto e bom som: “escuto, retumba e
ouvir”. A água no rochedo e a nódoa da ambição constituem-se em metáforas tão
sutis, instigando o conhecimento cultural do leitor. O mesmo ocorre no último
verso. Solidão é um sentimento no qual uma pessoa sente uma profunda
sensação de vazio e isolamento. A solidão é mais do que o sentimento de querer
uma companhia ou
querer realizar alguma atividade com outra pessoa não por que simplesmente se
isola mas por que os seus sentimentos precisam de algo novo que as transforme.
Um dos primeiros usos a serem gravados da palavra
"solitário" está na tragédia Coriolanus,
Ato IV Cena 1, de William Shakespeare,
escrita em 1608.
Solidão não é o mesmo que estar desacompanhado. Muitas pessoas passam por momentos
em que se encontram sozinhas, seja por força das circunstâncias ou por escolha
própria. Estar sozinho pode ser uma experiência positiva, prazerosa e trazer
alívio emocional, desde que esteja sob controle do indivíduo. Solitude é o estado
de se estar sozinho e afastado das outras pessoas, e geralmente implica numa
escolha consciente. A solidão não requer a falta de outras pessoas e geralmente
é sentida mesmo em lugares densamente ocupados. Pode ser descrita como a falta
de identificação, compreensão ou compaixão. Tanto é verdadeiro que o Poeta se
utiliza do vocativo “... meu amor,”
Portanto, não está só.
No segundo
quarteto:
Velhos pesqueiros vão à lentidão,
Lá no horizonte o empós cria um
segredo...
Estes barquinhos são de papelão
E o mar é um grande espelho de
brinquedo...
Aqui o sentido da visão predomina indo além, muito
além do horizonte, que seria o depois. A ilusão dos velhos pesqueiros num
piscar de olhos são barquinhos de papelão! Espelho de brinquedo... Será que
ele, o espelho, pode iludir-me, criar outra imagem que não a de quem nele se
mira? E assim, a vastidão do mar pode criar sonhos, ilusões quando me vejo
nesse espelho! Afinal, é de brinquedo! E o real, seria diferente? Segredo
desvendado estaria eu, de verdade, só? A escola existencialista vê a solidão
como essência do ser humano. Cada pessoa vem ao mundo sozinha, passa pela vida
como um ser separado, único e, no final, morre sozinho. Lidar com isso e
aprender a direcionar nossas próprias vidas de modo satisfatório e feliz são a
condição humana. Filósofos, a exemplo de Jean-Paul Sartre, acreditavam numa
solidão epistêmica, onde a solidão é parte fundamental da condição humana por
causa do paradoxo entre o desejo consciente do homem para encontrar um
significado dentro do isolamento e do vazio do universo. Por outro lado, alguns
existencialistas pensam o oposto: os indivíduos precisam se engajar ativamente
uns aos outros e formar o universo na medida em que se comunicam e criam, e a
solidão é meramente o sentimento de estar fora desse processo. Daí decorre a
importância de saber ouvir para depois saber ver além do horizonte...
O
primeiro terceto:
Eu amo a vida e quão pequeno sou,
Mas lanço um sonho nesta imensidão
E nele, de alma pendurada, vou...
Estes versos ratificam as ideias provocadas pelo
segundo quarteto. Alguém já ouviu alguma criança dizer que não gosta da vida,
por mais miserável e solitário que o seja? A criança tem a capacidade de sonhar
muito mais desenvolvida que os adultos! Em seu crescimento como indivíduo, o
ser humano começa o processo de separação, do estar só, ainda quando criança: “
Eu amo a vida e quão pequeno sou,” Dessa forma, sentir-se sozinho pode ser uma
emoção saudável e a escolha de ficar sozinho durante um período de solitude
pode ser enriquecedora, mesmo estando rodeada de pessoas. Porque “lanço
um sonho nesta imensidão”. Caso não haja o sonho, há o perigo dos
sentimentos de abandono, depressão, insegurança e tantos outros que permeiam,
infelizmente, em todos os lugares do planeta. Já versejou Bilac: “Ninguém
vive só/até as estrelas no céu brilham juntas...”
O
último terceto:
Suspenso em minha pipa de papel,
Que vai transpondo nuvens de algodão,
Para meu sonho aterrissar no céu!
Levado por sua pipa de papel, um dos encantos de
toda criança, sua alma vai transpondo as barreiras do convívio social, deixando
a solitude e escapando da solidão, concretizando o sonho de viver no paraíso!
Há que acreditar e lutar para tanto! Belíssimo soneto!
REALIZAÇÃO
VISITE
Nenhum comentário:
Postar um comentário