A Dança dos Pares Perdidos ( Pedagogia da Imaginação)

A Dança dos Pares Perdidos
"A imaginação é a louca da casa."(Nicolas Malebranche)


A Dança dos Pares Perdidos
(José Antonio Jacob)


Dissolve-se a família e eu não sabia
Que ausências aparecem sem querer.
A mesa vai ficando mais vazia
Até a nossa casa emudecer.

O mundo é isso mesmo! Eu me diria...
Escuto a Voz que insiste em me dizer:
- A vida traz momentos de alegria,
Se eles se vão, alguém tem que sofrer.

Entro no quarto escuro e não confio
No beijo eterno da mulher amada
E o meu abraço abraça outro vazio...

E agora ouço a canção inacabada,
Perdi meu par na dança e desconfio
Que eu morri e ninguém me disse nada.




Natureza da Memória

Define-se muitas vezes a memória como a faculdade de reviver o passado. Mas esta definição, ponderada ao pé da letra, não é exata, porque o passado não existe, e não poderá reviver.

O pensamento de Régis Jolivet diz-nos que "a memória tampouco é a faculdade de conservar e evocar os conhecimentos adquiridos, pois seu objeto é muito mais extenso. A memória pode conservar e evocar os sentimentos e as emoções experimentadas, e de fato, todo estado de consciência pode ser fixado, conservado e evocado pela memória".

Então, Jolivet, define a memória como: "a faculdade de conservar e de evocar os estados de consciência anteriormente experimentados. Esta definição se aplica propriamente ao que se chama memória sensível, ou memória propriamente dita. Quanto à memória intelectual, ou memória das idéias como tais, é apenas uma função particular da inteligência".

Prosseguindo afirma: "um ato de memória parece, de início, ser simples. De fato, é um ato complexo em que se podem distinguir quatro momentos: a fixação e a conservação - a evocação - o reconhecimento - a localização dos estados de consciência anteriores". (...)

O Reconhecimento das Lembranças

Prosseguindo, ainda, na filosofia de Jolivet que reconhece que "não existe lembrança verdadeira, a não ser quando a lembrança é reconhecida como evocadora de um estado anteriormente experimentado, e experimentado por mim, quer dizer, como um dos elementos de meu passado".

"A lembrança, assim evocada e reconhecida, distingue-se da percepção, como um estado débil se distingue de um estado forte, - e da imaginação, pelo fato de que a imagem pode ser modificada por nós: ao contrário da lembrança, que podemos sem dúvida afastar, mas, não modificar à vontade".

Primeiro Quarteto

Dissolve-se a família e eu não sabia
Que ausências aparecem sem querer.
A mesa vai ficando mais vazia
Até a nossa casa emudecer.


Pedagogia da Imaginação

"Ocorre com a imaginação o mesmo que com as outras faculdades: ela é útil, necessária, produz obras-primas da arte e da ciência. Mas também pode ser desregrada e ter efeitos funestos. Não é esta uma razão suficiente para condená-la, como se faz frequentemente. Uma vez que se tenham reconhecido os males que pode acarretar, é necessário esforçar-se para corrigi-la e não lançar-lhe os anátemas. Bem dirigida, só pode dar resultados de capital importância".

Perigos da Imaginação

"Malebranche a chama " a louca da casa" e Pascal escreve que é uma "mestra de erro e falsidade". Não devemos negá-lo: a imaginação pode ser uma e outra coisa".

"A imaginação pode, de fato acarretar muitos males. Gera o pessimismo, esse estado de morna tristeza, que faz ver todas as coisas sob cores sombrias, descolora todas as alegrias, e torna a vida um peso. - A imaginação alimenta as paixões, apresentando o prazer sob cores enganadoras e de maneira por vezes tão viva que a razão fica paralisada e a vontade aniquilada. É a isto que se chama a vertigem moral, de onde provém muitas quedas".

" A imaginação produz os devaneios românticos, desvia o espírito da realidade e de suas exigências e prepara assim os despertares desencantados, que gastam energia e geram o desencorajamento.

"Todos estes perigos podem surgir. Mas não é necessário, contudo, atribuí-los à imaginação, pura e simplesmente, mas antes a uma imaginação malsã ou desregrada. Uma viva imaginação é sempre uma riqueza, sob a condição de ser bem governada. Por isso aquele que, após verificar quaisquer desvios da imaginação, se aplicasse a arruinar o impulso dessa faculdade, se assemelharia ao cirurgião que quisesse cortar as pernas de um doente, sob o pretexto que ele sofre de reumatismo. Não se trata de suprimir, mas de curar".

Benefícios da Imaginação

"Esses benefícios existem e são numerosos. O que dissemos acima quanto à arte, à ciência, e à vida prática é suficiente para mostrá-lo. Insistamos aqui apenas no papel da imaginação na formação do espírito e do coração.

"Do ponto de vista intelectual. As idéias são abstratas e experimentamos dificuldades, enquanto nos falta uma cultura bastante sólida, para assimilá-las diretamente. Por isso é que a criança não a compreende bem, a não ser que seja ilustrada pela imagem. Sabe-se, a este propósito, que importância adquiriram as imagens nos livros clássicos, e é daí, ainda, que derivam as lições de coisas, que, rigorosamente, nada mais são do que lições de imagens". (...)

Segundo Quarteto

O mundo é isso mesmo! Eu me diria...
Escuto a Voz que insiste em me dizer:
- A vida traz momentos de alegria,
Se eles se vão, alguém tem que sofrer!

"Do ponto de vista moral, a imaginação é também de grande auxílio (...) ela alimenta a esperança, porque, infatigável, não cessa de abrir novas perspectivas, E até, em certo grau, cria o futuro, orientando-nos o espírito e fixando-o numa direção sonhadora, de início, e depois, se a vontade for forte, seguida com perseverança. Quando se trata - coisa importante - de descobrir uma vocação, é à imaginação que se torna necessário dirigir-se, o mais das vezes: podem-se obter, assim, preciosas indicações".

"Benefício maior ainda: a imaginação ajuda a amar o bem e o belo, apresentando-o sob uma forma viva que acalenta o coração e facilita o esforço cotidiano. - É a imaginação que nos torna sensíveis às misérias do outro, apresentando-a a nós com vivacidade: ela sustenta assim o espírito de devotamento e de caridade. Cria a simpatia e desenvolve a sociabilidade, ajudando a compreender e partilhar os sentimentos alheios. Frequentemente os corações áridos nada mais são do que imaginações pobres".

Primeiro Terceto

Entro no quarto escuro e não confio
No beijo eterno da mulher amada
E o meu abraço abraça outro vazio...

"Poderemos concluir, então, desta rápida exposição, que a imaginação é um bem muito precioso. Não se deve, jamais, tentar sufocá-la. Mas é necessário restringi-la ou diriji-la quando tende a consumir-se em quimeras ou devaneios malsãos, excitá-la, acalorá-la, quando naturalmente lenta e fria. Posta a serviço da razão, regulada e vigiada por ela, a imaginação só pode contribuir para tornar a vida mais fecunda, mais virtuosa e mais bela".


*Considerações Finais
(ArtCulturalBrasil)

Na literatura poética podemos chamar a imaginação de invenção ou criação construtiva organizada, com a dependência exclusiva, ou mesmo com o estilo imagético atinente à distinção de cada autor, separadamente, tendo como principais requisitos a elegância e reserva no porte, nas maneiras, caracteres, características e qualidades pelos quais os autores se diferem uns dos outros, correção de procedimento, dignidade e, por último, capacidade, organização e elaboração intelectual de sua invenção, ou de sua imaginação. Assim como surgem autores que elaboram imaginações pobres, também existem aqueles excepcionais, capazes de transformar a faculdade que seu espírito tem em representar imagens, idéias, em verdadeiras obras-primas.

Conduzir um conjunto de imagens - criadas no imaginário do autor - narrar, expor, combinar ações dentro desta temática, exatamente simultâneas com a ocorrência de cada ação; manifestar neste conjunto a energia da evolução de sua invenção, tudo isso sincronizado com métrica, sonoridade e rima, de acordo com que tudo se inicie e se desenrole com perfeição até o fecho dos catorze versos do soneto, convenhamos, é tarefa mental inexplicavelmente extraordinária, que requer, antes de tudo, um poderoso domínio de seus pensamentos concentrados nos labirintos do abstrato da imaginação: a "louca da casa", segundo Malebranche.

Último Terceto

E agora ouço a canção inacabada,
Perdi meu par na dança e desconfio
Que eu morri e ninguém me disse nada.


Realização





BIBLIOGRAFIA
Curso de Filosofia, págs. 158/159/160/161/162/163
de Régis Jolivet - Editora Agir - 1976
Tradução de Eduardo Prado de Mendonça

(Professor de Filosofia da Faculdade Nacional de Filosofia, da Faculdade Católica de Filosofia, Ciências e Letras de Petrópolis, e do Colégio Pedro II - Doutor em Filosofia)

Nenhum comentário:

Postar um comentário