Realismo no Brasil


Página Maria Granzoto
Editora de Literatura ArtCulturalBrasil
Arapongas - Paraná


REALISMO NO BRASIL

“Pus a nu as chagas daqueles que vivem mais abaixo. Minha obra não é obra de partido e de propaganda: é uma obra de verdade.”
Emile Zoila.


Machado de Assis, maior expoente do Realismo no Brasil.

Introdução

Realismo e Naturalismo foram as duas escolas literárias de domínio narrativo no fim do século XIX e início do século XX. Sua contrapartida na poesia é chamada de Parnasianismo. Apesar de se parecerem, o Realismo e o Naturalismo têm diferenças — o Naturalismo é marcado principalmente pelo determinismo, a idéia de que a natureza define o destino dos personagens. O mais importante autor realista e maior escritor do Brasil foi Machado de Assis.

O Realismo no Brasil teve seu início, oficialmente, em 1881, com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de seu mais célebre autor, Machado de Assis. Esta escola só entra em declínio com o surgimento do Parnasianismo, por volta de 1890.

Com a introdução do estilo realista, assim como do naturalista, o romance, no Brasil, ganhou um novo alcance, a observação. Começou-se a escrever buscando a verdade, e não mais para ocupar os ócios dos leitores.

Machado de Assis, considerado o maior expoente da literatura brasileira e do Realismo no Brasil, desenvolve em sua ficção uma análise psicológica e universal e sela, portanto, a independência literária do país.

Contexto histórico do Realismo no Brasil

Lavoura de café, principal base econômica do país.


No Brasil do Segundo reinado (de 1840 a 1889), impera o conhecido "parlamentarismo às avessas", quando o Imperador D. Pedro II escolhe o senador ou o deputado para o cargo de primeiro-ministro, com a complacência do Partido Liberal e do Partido Conservador, que se revezavam no poder, sempre segundo os interesses da oligarquia agrária.

No campo da economia, o Brasil, na metade do século XIX, ainda mantinha uma estrutura baseada no latifúndio, na monocultura de exportação com mão-de-obra escrava voltada para o mercado cafeeiro.

Por volta da década de 1870, no entanto, as oligarquias agrárias, que até então "davam as cartas" na economia e na política do país, sofrem pressões internacionais para o desenvolvimento do capitalismo industrial no Brasil, no sentido de um processo de modernização que se dá lentamente. Inicialmente, pela proibição do tráfico negreiro. Com isso cresce a mão-de-obra imigrante, desenvolve-se a indústria cafeeira no interior do estado de São Paulo e ferrovias são construídas. Ao longo dos trilhos, concentram-se as fábricas que dão origem à classe média urbana, que se insatisfaz com a falta de representatividade política.

Essa classe, apóia-se no Exército e aceita a liderança dos cafeicultores paulistas, responsáveis pelos trabalhadores assalariados no país e defensores de mudanças estruturais, como a substituição da Monarquia, já desgastada e reacionária, pela República.

A Proclamação se dá em 1889, porém, a República não atenderia as ambições da classe média e dos militares. Então, representantes das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais passam a controlar o Estado brasileiro, por meio de uma aliança entre seus governadores que ficou conhecida como "Política do café-com-leite".[4]

O Brasil da época é um país com idéias liberais, republicanas, "modernas", no entanto, tem que conviver com uma estrutura político-econômica oligárquica, agrária, latifundiária e coronelista.

Da Europa foram trazidas algumas idéias, entre elas o positivismo de Auguste Comte, o determinismo histórico de Taine, o socialismo utópico de Proudhon e o socialismo científico de Karl Marx, o evolucionismo de Darwin e a negação do Cristianismo de Renan.

Características do Realismo

- Ênfase na realidade;

- Predomínio da razão;

- Distanciamento racional entre o autor e os temas;

- Objetividade;

- Engajamento (literatura como forma de transformar a realidade)

- Retrato fiel das personagens;

- A mulher numa visão real, sem idealizações...

- Universalismo.

Sua contraparte na poesia é chamada de Parnasianismo. Apesar de se parecerem, o Realismo e o Naturalismo têm diferenças e quanto ao Parnasianismo, apesar de dominante não foi o único estilo de poesia da época, apesar de ter sido o dominante. O mais importante autor realista e maior escritor do Brasil foi Machado de Assis. Outro autor importante na época foi o naturalista Inglês de Sousa, redator dos estatutos da ABL.

Autores e obras notáveis

Dentre os principais autores do Realismo no Brasil, estão Raul Pompéia, Visconde de Taunay e o principal deles, Machado de Assis.

Entre as obras de Raul Pompéia, O Ateneu é, sobretudo, um exemplo impressionista na literatura brasileira. Alfredo de Taunay destaca-se na literatura regionalista. Sua obra-prima, Inocência, é transitória entre Romantismo e Realismo.

Machado de Assis contribuiu com grandes obras, como a introdutória do estilo Memórias Póstumas de Brás Cubas, sucedida por Quincas Borba e Dom Casmurro. As três envolvem adultério e apresentam inúmeros temas sob uma ótica crítica e irônica, característica do autor. As obras Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro destacam-se por serem narradas em primeira pessoa, característica incomum no romance realista. Esaú e Jacó e Memorial de Aires figuram na fase filosófica e madura do autor, sendo, também, obras realistas.

Na Poesia

- Chamados poetas parnasianos

Olavo Bilac
(Rio de Janeiro- RJ, 1865-1918)

Olavo Bilac publica, em 1888, Poesias, quando o Parnasianismo brasileiro já estava definido como um novo estilo, graças ao trabalho de Raimundo Correia e de Adalberto de Oliveira. Olavo Bilac, o mais talentoso dos três, no prefácio de seu livro de estréia, sintetiza os princípios da “nova escola” no poema Profissão de fé.

Olavo Bilac dedica-se à poesia e ao jornalismo, contra a vontade do pai que o queria médico. Rompe definitivamente com seu pai por ter um espírito boêmio e inconstante. Foi jornalista, poeta, crítico, orador. Fez inúmeras viagens e, estando em Paris, a revista Fon- Fon cognominou-o “príncipe dos poetas brasileiros”.

O presidente Wenceslau Brás, preocupado com a Primeira Grande Guerra, na Europa, em 1914, conta com o prestígio de Bilac junto à mocidade brasileira, na propaganda da obrigatoriedade do serviço militar. Bilac faz, então, conferências, pregando o patriotismo. Foi o autor da letra do Hino à Bandeira, musicada pelo maestro Francisco Braga.

O seu livro Poesias contém três partes distintas:

Panóplias: poemas onde há

a) predomínio das descrições ornamentais;
b) referência à cultura greco-latina;

Via-láctea: trinta e cinco sonetos impregnados de um lirismo amoroso platônico;

Sarças de fogo: poemas eróticos e satíricos.

Tarde, seu livro póstumo, contém admiráveis sonetos, diferentes dos de Via-láctea; comparáveis aos de Camões e de Antero de Quental, quer pela beleza formal, quer pelo conteúdo.

Características da obra de Olavo Bilac

Sensualidade e platonismo alternam-se em seus poemas líricos;

Formalismo;

Utilização de temas greco-romanos, principalmente da mitologia;

Uso freqüente da natureza;

Exaltação da pátria;

Didatismo sobre temas como trabalho, pátria, família, etc.


Antonio Mariano Alberto de Oliveira
(Saquarema – RJ, 1859 – Niterói – RJ, 1937)

Diploma-se em farmácia; inicia, mas não conclui o curso de Medicina. Ao lado de Machado de Assis, faz parte ativa na Fundação da Academia Brasileira de Letras. Foi doutor honoris causa pela Universidade de Buenos Aires. Elegem-no “príncipe dos poetas brasileiros” num concurso promovido pela revista Fon-Fon, para substituir o lugar deixado por Olavo Bilac.

Alberto de Oliveira foi coerente aos princípios formais da nova corrente literária.

Seu livro de estréia, Canções Românticas (1878), já apresenta características renovadoras. Publica, em 1885, Sonetos e Poemas. Publica, ainda, Meridionais (1884), que, segundo Péricles Eugênio, é “o livro mais equilibrado do mestre parnasiano”.

Características da poesia de Alberto de Oliveira

Objetividade;

Impassibilidade e correção técnica;

Excessiva preocupação formal;

Sintaxe rebuscada;

Fuga ao sentimental e ao piegas; apreciador da leitura clássica, conhecedor da língua e da versificação, é considerado por muitos como o mais perfeito dos parnasianos.



Raimundo da Mota de Azevedo Correia
(Costas do Maranhão – MA, 1859 – Paris-França, 1911)

Poeta e diplomata brasileiro, foi considerado um dos inovadores da poesia brasileira.

Quando secretário da legação diplomática brasileira em Portugal, publica aí uma coletânea de seus livros na obra Poesia (1898). De volta ao Brasil, assume a direção do Ginásio Fluminense de Petrópolis. Com a saúde bastante abalada, Raimundo Correia retorna à Europa, vindo a falecer em Paris.

Raimundo Correia publica Primeiros Sonhos, com vinte anos de idade. Nessa época, os ânimos de poetas vinculados ao Romantismo e adeptos da “poesia nova” mostram-se acesos na chamada Batalha do Parnaso, reflexo da Questão Coimbrã.

Raimundo Correia, aluno da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, empolga-se pela vida acadêmica, surgindo nele um ardente sentimento de liberalismo a ponto de declamar em praça pública poemas de Antero de Quental. Entusiasmado pelas novas idéias, escreve Sinfonias (1883) – obra de considerável importância para a cristalização da estética parnasiana na literatura brasileira.

Em 1887, escreve Versos e Versões e, em 1891, publica Aleluias, poesia com tons levemente religiosos e metafísicos.


Vicente Augusto de Carvalho
(Santos – SP, 1866 – São Paulo – SP, 1924)

Poeta e magistrado brasileiro, formou-se, em 1886, pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Nessa época era um ardente abolicionista e republicano.

Publicou: Ardentias (1885) – primeira coletânea de versos; Relicário (1888) – poemas líricos.

Sua melhor obra foi Poemas e Canções (1908), prefaciada por Euclides da Cunha - coleção de poesias esparsas, compostas ao longo de vinte anos, inclusive Rosa, Rosa de Amor, um dos mais inspirados poemas líricos.

Vicente de Carvalho é parnasiano pela escolha de temas objetivos, entre eles um épico: Fugindo ao Cativeiro.

Em 1909 foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras.

Escreveu ainda: Páginas Soltas (1911) – prosas literárias; Luizinha (1918) – peça teatral.

Deixou fragmentos do poema Fausto.

À guisa de conclusão

Um dos poemas que mais admiro, cujo autor, Raimundo Correia, escreveu um outro com o mesmo título:


Mal Secreto


Se, a cólera que espuma, a dor que mora
N’alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;

Se se pudesse, o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!

Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!

Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!


Considerações:

O autor fala sobre certos aspectos da personalidade humana.
Ideia central: "As aparências enganam"

Apartados:

1°) de cólera a máscara na face: o autor diz que a aparência pode esconder muito sofrimento. Isto por hipótese.

2°) Quanta gente venturosa: fala sobre a faculdade que têm certas pessoas, de ocultar a sua dor, causando inveja ao próximo e, encontrando nisto sua única ventura.

Estudo do vocabulário em relação às ideias:

'Se' - indica uma hipótese de se poder ver o que vai no íntimo de cada um.
'Espuma' - termo que mostra a violência da cólera.
'Mora' - persistência da dor.
'Destrói' - mostra a violência e a persistência da dor.
'Cada' - todas as ilusões; uma por uma, à medida em que nascem.
'Estampasse' - a dor aparece claramente.
'Espírito que chora' - violência da dor.
'Máscara da face' - a expressão sugere hipocrisia.
'Quanta gente' - dá a ideia de muita gente, não da totalidade.
'Talvez' - dúvida da existência de tais pessoas quanto ao número.
'Inveja e piedade' - ideias opostas, mostrando o excesso de hipocrisia.
'Atroz inimigo' - e 'chaga concerosa' - duas expressões que reforçam a ideia de intensidade da dor.
'Recôndito' e 'invisível' - adjetivos que demonstram o disfarce da dor.
'Então' e 'agora' - estes termos indicam os dois planos em que o poema se desenvolve: o da hipótese e da realidade.
'Ri' - concretização da hipocrisia.
'Ventura única' - satisfação encontrada em enganar os outros.
'Parecer aos outros' - hipocrisia, preocupação em esconder o sofrimento aos olhos alheios.

Localização das características da Escola a que pertence o poema:

Encontramos em todo o soneto:
a) objetivismo;
b) tema universal;
c) análise psicológica;
d) predominio da razão sobre a sensibilidade;
e) finalidade moral;
f) linguagem cuidada;
g) preocupação com a forma.

Forma:
Métrica:

Se a cólera que espuma, a dor que mora.
N'alma e destrói cada ilusão que nasce.
Tudo que punge tudo que devora.
O coração no rosto se estampasse.

Soneto:

Versos isoméricos - decassílabos.

Ritmo:

Versos heterorrítmicos.

Rima:

Rimas alternadas nos quartetos e misturadas nos tercetos.

Rimas ricas:

chora agora
consigo inimigo
face causasse.

Rimas pobres:

Todas as outras
São todas consoantes e graves.

Estrutura estrófica: Soneto

Figuras:

Metáforas:

"cólera que espuma"
"a dor que mora n'alma"
"ilusão que nasce"
"tudo o que devora"
"tudo o que devora o coração" (metáfora e metonímia).

Anáfora:

"tudo .... tudo"

Hipérbato: as duas primeiras estrofes.

Quanto ao autor, em função de suas obras podemos dizer:

Demonstra através de sua obra grande magnitude e espírito de religiosidade. Se for analisado sob o ponto de vista parnasiano, pode ser considerado inferior a Alberto de Oliveira, todavia sob o ponto de vista do lirismo, é, indubitavelmente, muito mais marcante a natureza sentimental, retratando assuntos filosóficos através de seus poemas. Procura uma análise psicológica profunda, visando explicar os problemas que mais afligem a sociedade humana. Soube conciliar o racionalismo da forma perfeita à sua profunda sensibilidade. Segundo Silvio Romero (crítico literário, ensaista, poeta, filósofo, professor e político sergipano): "Tem mais sentimentos do que imaginação; mais coração do que faculdade criadora; mais ternura e graciosidade do que força. Meiga, discreta, contemplativa, sua musa tem provado o travor das lutas de nosso tempo; mas quando canta, sabe fazê-lo com certa compostura, num tom de dignidade, que lembra produções da musa clássica, quando falava, por exemplo, pela boca de um Racine".

Manuel Bandeira diz sobre o autor: "Temperamento doentio, melancólico e pessimista, Raimundo Correia se distingue pela emoção grave e concentrada da sua poesia. A forma, com ser tão correta quanto a de Alberto de Oliveira e Bilac, e mãos despojada e ao mesmo tempo mais sutil, mais musical. Certamente é o maior artista do verso que já tivemos".

O outro

Mal Secreto

Se em muita fronte que parece calma,
Se em muito olhar que límpido parece;
Se pudesse notar, ler se pudesse,
Tudo o que n'alma existe e vive n'alma!

Entre essa paz fictícia que se espalma
No rosto, a inveja, raro transparece;
Ela que à glória alheia se enraivece,
E que às alheias lágrimas se acalma.

Alma, vítima dessa enfermidade!
Mal sabes que à dos outros sendo adversa,
Tu és adversa à própria f'licidade!

A inveja os risos todos te dispersa:
Menos ódio merece que piedade,
Porque és mais insensata que perversa.

(Raimundo Correia)

Do livro: "Antologia de Poesia Brasileira - Realismo e Parnasianismo", Ed. Ática, 1985, SP


Bibliografia

- AMARAL, Emília ... [et al.]. Novas Palavras: língua portuguesa. 2.ed. São Paulo: FTD, 2005. pp.272. 1, 2 e 3 v. v. 2 ISBN 8532256406

- Biblioteca Prática da Língua Portuguesa - AGE

- COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. pp.608. Único v. ISBN 850204026X

__________, - op. e vol. cits., pp. 386-390, 405-406, 458-462
- MIGUEL-PEREIRA, Lúcia. História da literatura brasileira: prosa de ficção - de 1870 a 1920. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973.

- Recanto das Letras - Realismo e Naturalismo no Brasil

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