1884-1937
Patrono
Academia Brasileira de Letras
Academia Brasileira de Letras
Tobias Barreto de Meneses nasceu na vila sergipana de Campos, a 7 de junho de 1839 e faleceu em Recife, em 27 de junho de 1889, sendo filho de Pedro Barreto de Meneses, escrivão de órfãos e ausentas da localidade. É o patrono da Cadeira nº 38 da Academia Brasileira de Letras.
Aprendeu as primeiras letras com o professor Manuel Joaquim de Oliveira Campos. Estudou latim com o padre Domingos Quirino, dedicando-se com tal aproveitamento que, em breve, iria ensinar a matéria em Itabaiana.
Em 1861 seguiu para a Bahia com a intenção de freqüentar um seminário mas, sem vocação firme, desistiu de imediato. Sem ter prestado exames preparatórios voltou à sua vila donde sairá com destino a Pernambuco. Em 1854 e 1865 o jovem Tobias, para sobreviver, deu aulas particulares de diversas matérias. Na ocasião prestou concurso para a cadeira de latim no Ginásio Pernambucano, sem conseguir, contudo, a desejada nomeação.
Em 1867 disputou a vaga de Filosofia no referido estabelecimento. Venceu o prélio em primeiro lugar, mas é preterido mais uma vez por outro candidato.
Para ocupar o tempo entrega-se com afinco à leitura dos evolucionistas estrangeiros, sobretudo o alemão Ernest Haeckel que se tornaria um dos mais famosos cientistas da época com seus livros "Os Enigmas do Universo" e "As Maravilhas da Vida".
No campo das produções poéticas passou Tobias a competir com o poeta baiano Antônio de Castro Alves, a quem superava, contudo, no lastro cultural.
O fato de ser mestiço prejudicou-lhe a vida amorosa numa época cheia de preconceitos, conforme testemunho de Sílvio Romero.
Na oratória Tobias se revelava um mestre, qualquer que fosse o tema escolhido para debate. O estudo da Filosofia empolgava o sergipano que nos jornais universitários publicou "Tomás de Aquino", "Teologia e Teodicéia não são ciências", "Jules Simon", etc.
Ainda antes de concluir o curso de Direito casou-se com a filha de um coronel do interior, proprietário de engenhos no município de Escada.
Eleito para a Assembléia Provincial não conseguiu progredir na política local.
Dedicou vários anos a aprofundar-se no estudo do alemão, para poder ler no original alguns dos ensaístas germânicos, à frente deles Ernest Haeckel e Ludwig Büchner". Conta Hermes Lima, em sua magnífica biografia de Tobias, que ele "para irritar o burguês, com uma nota mais ostensiva de superioridade, abria freqüentemente seu luminoso leque de pavão: o germanismo". Foi em alemão que Tobias redigiu o "Deutscher Kampfer" (O lutador alemão). Mais tarde sairiam de sua pena os "Estudos Alemães".
A residência em Escada durou cerca de dez anos. Ao voltar ao Recife, aos escassos proventos que recebia juntaram-se os problemas de saúde que acabaram por impedí-lo de sair de casa.
Tentou uma viagem à Europa para restabelecer-se fisicamente. Faltavam-lhe os recursos financeiros para isso. Em Recife abriram-se subscrições para ajudá-lo a custear-lhe as despesas.
Em 1889 estava praticamente desesperado. Uma semana antes de morrer enviou uma carta a Sílvio Romero solicitando, angustiosamente, que lhe enviasse o dinheiro das contribuições que haviam sido feitas até 19 de junho daquele ano. Dias mais tarde falecia, em 27 de junho de 1889, hospedado na casa de um amigo.
A obra de Tobias é de significativo valor, levando em conta que o professor sergipano não chegou a conhecer a capital do Império.
Hermes Lima, ao comentar o refúgio de Tobias Barreto em Escada, esclareceu: "Em Escada, além de publicar o "Fundamento do Direito de Punir", erige o germanismo em caminho de cultura. É onde aprofunda seu Haeckel, onde elabora sua posição filosófica, onde traça as coordenadas da revolução espiritual que viria a deflagrar-se no país".
Fonte:
(Academia Brasileira de Letras http://www.academia.org.br/)
...
O rei reina e não governa
Não sei porque a língua humana
Os brutos não falam mais,
Quando hoje têm melhor vida,
E há muita besta instruída
Nas ciências sociais...
Ultimamente entenderam
Que tinham também razão
De proclamar seus direitos
Pondo em uso os bons efeitos
Que trouxe a Revolução...
"Seja o leão, diz o asno,
Um rei constitucional:
Com assembléias mudáveis,
Com ministros responsáveis,
Não nos pode fazer mal.
Fiquem-lhe as garras ocultas,
Não ruja, não erga a voz,
Conforme a tese moderna
Qu'ele reina e não governa,
Quem governa somos nós...
Todas as bestas da terra,
Todas as bestas do mar
Tenham os seus delegados,
Sendo os ministros tirados
Do seio parlamentar..."
"Muito bem! grita o macaco,
A gente vai ser feliz!
Respeito a ciência alheia;
Publicista de mão cheia,
0 burro sabe o que diz.
Todavia, acho difícil
Que Dom Leão rugidor,
Sujeito à sede e à fome,
Queira ter somente o nome
De rei ou de imperador!...
Acostumado a pegar-nos
Com suas patas reais,
Calar-se, fingir-se fraco!...
Segundo penso eu... macaco...
Dom Leão não pode mais!"
Acode o asno: "Eu lhe explico,
Nada vaIe a objeção:
Se o rei viola o preceito,
Salvo nos fica o direito
De fazer revolução".
"Mestre burro, isto é asneira,
Palavrão de zurrador,
Esse direito é fumaça,
De que nos serve a ameaça,
Quando nos falta o valor?
Só vejo, que bem nos quadre
No trono, algum animal,
Que coma e viva deitado:
O porco!... Exemplo acabado
De rei constitucional..."
(1870)
O Beija-Flor
Era uma moça franzina,
Bela visão matutina
Daquelas que é raro ver,
Corpo esbelto, colo erguido,
Molhando o branco vestido
No orvalho do amanhecer.
Vede-a lá: tímida, esquiva...
Que boca! é a flor mais viva,
Que agora está no jardim;
Mordendo a polpa dos lábios
Como quem suga o ressábio
Dos beijos de um querubim!
Nem viu que as auras gemeram,
E os ramos estremeceram
Quando um pouco ali se ergueu...
Nos alvos dentes, viçosa,
Parte o talo de uma rosa,
Que docemente colheu.
E a fresca rosa orvalhada,
Que contrasta descorada,
Do seu rosto a nívea tez,
Beijando as mãozinhas suas,
Parece que diz: nós duas!...
E a brisa emenda: nós três! ...
Vai nesse andar descuidoso,
Quando um beija-flor teimoso
Brincar entre os galhos vem,
Sente o aroma da donzela,
Peneira na face dela,
E quer-lhe os lábios também
Treme a virgem de surpresa,
Leva do braço em defesa,
Vai com o braço a flor da mão;
Nas asas d’ave mimosa
Quebra-se a flor melindrosa,
Que rola esparsa no chão.
Não sei o que a virgem fala,
Que abre o peito e mais trescala
Do trescalar de uma flor:
Voa em cima o passarinho...
Vai já tocando o biquinho
Nos beiços de rubra cor.
A moça, que se envergonha
De correr, meio risonha
Procura se desviar;
Neste empenho os seios ambos
Deixa ver; inconhos jambos
De algum celeste pomar! ...
Forte luta, luta incrível
Por um beijo! É impossível
Dizer tudo o que se deu.
Tanta coisa, que se esquece
Na vida! Mas me parece
Que o passarinho venceu! ...
Conheço a moça franzina
Que a fronte cândida inclina
Ao sopro de casto amor:
Seu rosto fica mais lindo,
Quando ela conta sorrindo
A história do beija-flor.
A Escravidão
Se Deus é quem deixa o mundo
Sob o peso que o oprime,
Se ele consente esse crime,
Que se chama a escravidão,
Para fazer homens livres,
Para arrancá-los do abismo,
Existe um patriotismo
Maior que a religião.
Se não lhe importa o escravo
Que a seus pés queixas deponha,
Cobrindo assim de vergonha
A face dos anjos seus,
Em seu delírio inefável,
Praticando a caridade,
Nesta hora a mocidade
Corrige o erro de Deus!...
(1868)
Dois de Julho
Na frente dos belos dias
Que trajam mais viva luz,
Desfilando entre harmonias
No vasto império da cruz,
Passa um dia sublimado,
Qual guerreiro namorado,
Valente, bravo e gentil,
Que traz a glória estampada,
Na face meio embaçada
Pelo alento do fuzil.
Neste dia, sempre novo,
Entre os aplausos do mar,
Entre os ruídos do povo,
Vai a cidade falar...
Atriz majestosa e bela,
Falando só e só ela
Diante de duas nações,
Representa um alto feito,
Que arranca brados do peito
De emudecidos canhões.
(1861)
Que Mimo!...
Tu és morena e sublime
Como a hora do sol posto.
E, no crepúsculo eterno
Que te envolve o lindo rosto,
O céu desfolha canduras
De alvoradas e jasmins,
E passam roçando n'alma
As asas dos querubins...
Teu corpo que tem o cheiro
De cem capelas de rosas,
Que t'enche a roupa de quebros,
De ondulações graciosas,
Teu corpo derrama essências
Como uma campina em flor:
Beijá-lo!... fôra loucura;
Gozá-lo!... morrer de amor...
(1874)
Victor Hugo
Mostras na fonte os estragos
Dos raios que a sorte tem;
Na falange dos teus Magos
Tu és um mago também.
Joelhas, quebro da idéia,
Ante a luz que bruxuleia
Dos futuros através!
Por grande, os teus te renegam;
Cem anátemas fumegam
Sufocados a seus pés...
O estilo d'oiro que empunhas,
Foi o Senhor quem t'o deu.
Leva a águia a presa nas unhas,
Ninguém lhe diz: isto é meu!
Estrelas, mundos, idéias,
Bíblias, monstros, epopéias,
Tudo que empolga é teu...
Cabeça que pesa um astro
Na mente de Zoroastro,
Na mão de Ptolomeu!
(1864)
Textos Escolhidos
DEVE A METAFÍSICA SER CONSIDERADA MORTA?
I
A questão de saber se a metafísica deva ou não ser considerada como exausta e morta, escapa, sem dúvida, se não completamente ao programa, pelo menos aos limites desta pequena folha.
Pedimos, todavia, respeitosamente, ao público a permissão de apresentá-la ao círculo de nossos leitores e contribuir com algum esforço para a sua solução.
Antes de mais nada, merece reparo como os espíritos em nosso país se portam no que diz respeito a semelhante indagação. O que melhor e mais acertado se pode afirmar no assunto é que o ponto de vista filosófico do nosso pretenso mundo científico é caduco e sem o mínimo préstimo. Não resta a mais leve dúvida que até as estrelas de primeira grandeza, os mais afamados pensadores e escritores da terra se distinguem pela sua fé implícita no velho Deus da teologia e da Igreja. Nada sabem de sério do desenvolvimento da vida intelectual do tempo presente e ousam falar de tudo, de filosofia, de religião, de ciência, e do que falam fazem grande alarde.
Uma coisa, porém, urge observar e é que com essa enorme ignorância correm emparelhados o orgulho e o desprezo pelos mais notáveis feitos científicos estrangeiros, notadamente alemães.
É isto suficiente para caracterizar, de um lado a deplorável condição em que nos achamos, e por outro, justificar o interesse que tomamos em responder à pergunta proposta. Se em nossos dias nenhum homem verdadeiramente culto deve ignorar que o dogmatismo da metafísica moderna foi abalado por Hume, cuja implacável crítica coube a Kant concluir em mais largas proporções e com mais considerável profundeza, há de causar admiração e grande espanto que tão triviais verdades ainda despertam entre nós.
Certo, antes que Augusto Comte, o fundador do positivismo na França, expelisse o absoluto para a região das quimeras, já Hume havia derrocado o edifício metafísico (... ) Foi, em verdade, a dúvida do genial filósofo escocês acerca da validade dos juízos sintéticos em geral, que veio a se tornar o estímulo e a fonte das profundas pesquisas de Kant; e este mesmo declarara, sem rebuço, que a crítica de Hume é que primeiro o despertara de seu sono dogmático. São, com efeito, profundamente penetrantes as fortes palavras, como que talhadas em mármore, com que o terrível céptico inglês fechou seu Ensaio sobre o Espírito Humano. Ele diz: - "Quando, convictos da doutrina aqui ensinada, penetramos numa biblioteca, que destruição devemos causar? Tomemos um livro de teologia ou de metafísica e perguntemos: contém investigações sobre grandezas e números? Não. Contém o resultado de experiências acerca de fatos e realidades existentes? Não. Jogue-se então o livro ao fogo, porque não poderá conter nada além de sofisticarias e mistificações". - Profunda e belamente dito.
Desde o momento em que semelhantes verdades foram impunemente pronunciadas, a metafísica deixou de poder ser considerada como pertencente ao grupo das ciências, quer quando fala do supersensível ou da essência das coisas, quer quando se pronuncia racionalmente sobre a substância da alma, a origem do mundo, a existência e os atributos da Divindade.
Toda a filosofia até o aparecimento de Kant, como ensina Schopenhauer, não passou de um sonho estéril de falsidade e servilismo intelectual, do qual os novos tempos só se libertaram pelo grado partido da Crítica da Razão Pura.
E cremos não estar em erro, proferindo a crença de que não teria Kant atingido o seu desenvolvimento, se não fora o influxo de Hume.
Distinguem-se no período pré-crítico do sistema kantesco dois estádios: no primeiro, esteve o grande filósofo sob o influxo da filosofia escolástica alemã; no segundo, sob a influência céptica. Foram principalmente Wolf, Locke e Hume que indicaram os marcos capitais por onde Kant teve de passar antes de descobrir os seus próprios.
Destarte, se reuniram nele todas as energias e esforços de seus predecessores. A parte de Hume tinha de ser a mais considerável e duradoura. Somente depois do genial escocês poderia vir um Kant: a estrada estava aberta, mas só ele a poderia verdadeiramente alargar.
II
A máxima de que as investigações metafísicas são estéreis em resultados e de que é perda completa de tempo ocupar o espírito com elas, está em favor entre numerosas pessoas que se gabam de possuir o senso comum, e nós ouvimo-la às vezes enunciar por autoridades eminentes, como se sua conseqüência lógica, a supressão desse gênero de estudos, tivesse a força de uma obrigação moral.
Neste caso, contudo, com noutros análogos, aqueles que promulgam as leis parecem esquecer que um legislador prudente deve tomar em consideração não só se o que ordena é coisa que se deva desejar, como ainda se é possível que se lhe obedeça. Porquanto, se a última questão é resolvida negativamente, não valeria certamente a pena agitar a primeira.
Tal é, efetivamente, a grande força da resposta a dar a todos aqueles que bem quiseram fazer da metafísica um artigo de puro contrabando espiritual. Que seja para desejar, ou não, o impor um direito proibitivo sobre as especulações filosóficas, é absolutamente impossível impedir-lhes a importação no espírito humano. E é assaz curioso notar que aqueles que proclamam com maiores brados abster-se dessas mercadorias são, ao mesmo tempo e em grande escala, consumidores inconscientes de uma ou de outra de suas inúmeras falsificações ou imitações e arremedos. Com a boca cheia de broa grosseira, terrivelmente indigesta, tão de seu gosto, prorrompem em invectivas contra o pão comum. Em verdade, o tentame de alimentar a inteligência humana com um regime estreme de metafísica é pouco mais ou menos tão feliz quanto o de certos pios orientais que pretendiam sustentar o corpo sem destruir vida alguma. Todos conhecem a anedota do micrógrafo sem contemplação que destruiu a paz de espírito de um desses doces fanáticos, mostrando-lhe os animais que pululam numa gota de água com a qual, na cândida inocência de sua alma, ele matava a sede; e o adorador confiante do senso comum pode expor-se a receber um abalo do mesmo gênero quando o vidro de aumento da lógica rigorosa revela os germes, se não as formas já adultas, de postulados essencialmente, fatalmente metafísicos que fervilham entre as idéias mais positivas e até as mais terra-a-terra.
Aconselha-se aí de ordinário ao estudante sério, para o arrancar aos fogos fátuos que brotam dos pântanos da literatura e da teologia, que se refugie no terreno firme das ciências físicas.
Mas o peixe legendário que pulou da frigideira ao fogo, não era mais tolamente aconselhado do que o homem que busca um santuário contra a perseguição metafísica entre as paredes do observatório ou do laboratório. Diz-se que a metafísica deve seu nome ao fato de que, nas obras de Aristóteles, tratam-se das questões da filosofia pura imediatamente depois das da física. Se isto é verdade, esta coincidência simboliza com felicidade as relações essenciais das coisas, porquanto a especulação metafísica segue de tão perto a teoria física quanto os negros cuidados seguem seu cavaleiro.
Basta mencionar as concepções fundamentais e realmente indispensáveis da filosofia natural que tratam dos átomos e das forças, ou as da energia potencial, ou as antinomias de uma vácuo ou não vácuo, para lembrar o fundo metafísico da física e da química, ao passo que, no tocante às ciências biológicas, o caso ainda é mais grave. Que é um indivíduo entre as plantas e os animais inferiores? Os gêneros e as espécies são realidades ou abstrações? Há uma coisa que se chama força vital? Ou este nome denota apenas uma relíquia de velho fetichismo metafísico? A teoria das causas finais é legítima ou ilegítimas? Eis aí alguns dos assuntos metafísicos sugeridos pelo mais elementar estudo dos fatos biológicos.
Não é tudo: pode-se dizer, sem medo de errar, que as raízes de cada sistema de metafísica repousam no fundo dos fatos da fisiologia. Ninguém pode contestar que os órgãos e as funções da sensação sejam tanto da esfera do fisiologista quanto o são os órgãos e funções do movimento, ou os da digestão; e, todavia, é impossível adquirir até o conhecimento dos rudimentos da fisiologia da sensação sem ser levado diretamente a um dos mais fundamentais de todos os problemas metafísicos. Com efeito, as operações sensitivas têm sido desde tempos imemoriais o campo de batalha dos filósofos.
(Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica - 1875)
III
RELATIVIDADE DE TODO CONHECIMENTO
(1885)
A primeira proposição do programa pretende estabelecer como verdade a relatividade dos conhecimentos humanos.
Parece à primeira vista que nenhuma dúvida se pode levantar sobre tal produto. Desacreditada a pretensiosa ontologia metafísica e quase reduzida a proporções de velha mitologia, que tem perdido o seu primitivo encanto poético, é explicável que a idéia da relatividade de todo o saber humano viesse substituir o antigo prejuízo dos princípios absolutos e absolutas verdades.
Mas é mister que nos entendamos e tratemos logo de prevenir-nos contra um grande erro, que pode resultar de uma má interpretação do programa.
Ele começa por dizer que os conhecimentos humanos são relativos. Se com isto quis apenas significar que os nossos conhecimentos estão na dependência de certas condições, sem cujo preenchimento eles não podem ser completos, e porque tais condições nunca serão perfeitamente preenchidas, também eles nunca estarão no caso de se chamarem perfeitos, se esta é a idéia visada pelo programa, nenhuma contestação.
Não é crível, porém, que a isto se quisesse restringir a proposição mencionada.
A idéia da relatividade de todo o saber não é uma idéia nova; pelo contrário é quase tão velha como a filosofia. Entretanto, neste século, e mesmo em nossos dias, ela parece ter tomado um caráter novo. Pelo menos é certo que filósofos notáveis não se têm dedignado de consumir, por amor dela, muito papel e muita tinta, pôsto que nenhum proveito sensível nos tenha advindo de semelhante gasto.
É na Inglaterra principalmente, que, nos últimos tempos, a teoria da relatividade do saber tem sido professada e discutida com particular predileção. Quem primeiro ali apresentou-a com uma certa insistência (refiro-me aos tempos atuais) foi Hamilton, que aliás não teve coragem de sustentá-la em todas as suas conseqüências.
Na obra de Stuart Mill sobre a filosofia de Hamilton há dois capítulos (II e III) consagrados à elucidação desta doutrina.
Sobretudo interessante é o capítulo II, porque nele vêm expostas concisa e claramente todas as diversas nuanças da teoria em questão.
Porém é de supor que este distinto pensador, a despeito de sua grande sagacidade, deixou despercebido um ponto essencial na afirmação da relatividade dos nossos conhecimentos.
Mill opina que essa relatividade consiste no fato de que nós só podemos conhecer as nossas próprias afecções e nossos estados íntimos. Por isso, para ele, os extremos relativistas são aqueles que afirmam que nós não só nada conhecemos dos nossos próprios estados, como também que nada mais temos, nada mais há a conhecer.
Mas isto envolve um engano. Com a relatividade do saber admite-se um elemento de inverdade, de imperfeita validade objetiva.
Afirmar que os nossos conhecimentos são relativos só tem sentido sob o pressuposto de que as coisas em si não são tais, quais são para nós, e que só podemo-las conhecer tais quais elas nos aparecem.
Negando-se esta distinção, todo o saber é decerto relativo a nós, mas esta relatividade não implica então nenhuma inverdade dos conhecimentos, nenhuma limitação da sua validade.
O saber seria então absolutamente verdadeiro. Mas quando se diz que os conhecimentos humanos são relativos, o que se quer afirmar é justamente o contrário daquilo, é que absolutamente verdadeiro não é o nosso saber.
Esta teoria da relatividade formou-se em oposição à consciência comum, e este ponto não deve ficar esquecido.
O homem, que não reflete, crê: 10, que ele conhece as coisas exatamente como elas são em si; 20 , que estas coisas existem justamente como são conhecidas, independentes do conhecimento; são objetos em si, absolutos, sem relação a nós.
Foi a inconciliabilidade destas duas asserções que provocou os primeiros escrúpulos cépticos.
Já na Grécia, Protágoras dissera que o homem é a medida de todas as coisas, das que são, como elas são, das que não são, como elas não são; e por este modo levou a doutrina da relatividade aos seus extremos limites.
Porém é de notar que quando assim se leva tão longe esta teoria, ela converte-se no seu contrário e dá aos nossos conhecimentos uma validade e verdade ilimitadas, que de todo se opõem nos fatos.
A tese de Protágoras implica necessariamente que os objetos cognoscíveis não se distinguem do conhecimento que temos deles, pois que a não ser assim, o sujeito cognoscente não poderia ser medida de tudo, se o conhecimento e seu objeto não são duas, mas uma só coisa, então não se pode mais falar de relatividade. Uma relação, se esta palavra tem um sentido, não é concebível sem duas coisas, entre as quais a relação exista, e sem relação, naturalmente, não é possível relatividade alguma.
Os relativistas modernos aproximam-se de Protágoras. Porém nós acabamos de ver onde pára o protagorismo.
A doutrina da relatividade só tem senso racional, nas duas seguintes hipóteses: 1ª, que os objetos cognoscíveis são determinados pela própria natureza do sujeito cognoscente; 2ª, que eles, justamente por causa desta sua relatividade, não representam a verdadeira, absoluta essência da realidade.
Que se deve entender, quando se diz que os objetos cognoscíveis são relativos ao sujeito, estão em necessária relação com ele? Somente isto: que na essência dos mesmos objetos há alguma coisa que os prende ao sujeito, uma originária adaptação daqueles às leis deste.
A relatividade do saber encerra dois momentos, diz A. Spir: primeiramente, o conhecimento dos objetos, dados como coisas externas no espaço, só é valioso com relação ao ponto de vista da consciência comum, mas objetivamente, ou em si, inexato, não verdadeiro. Conforme a expressão de Kant, as coisas têm no espaço só uma realidade empírica, nenhuma realidade transcendental. Em segundo lugar, os objetos empíricos são simples fenômenos, não apresentam a realidade em sua essência originária, absoluta, porém na forma estranha da pluralidade da mudança e da antítese ou dualidade de sujeito e objeto de conhecimento.
E eis aí o que se pode dizer em nome da filosofia ainda que em ligeiros traços a respeito da afirmação que os nossos conhecimentos são relativos.
Entretanto, dou-me pressa em confessar que a questão da relatividade, assim concebida, e só é que regularmente deve sê-lo, não tem muito cabimento na ciência, de que nos ocupamos. Mal se descobre a ligação que possa haver entre esta tese e as demais que lhe sucedem no encadeamento lógico do sistema.
Para ter alguma razão-de-ser é mister considerá-la no sentido de limitação. Todos os nossos conhecimentos são limitados. E dois são estes limites, diz Dubois Reymond: um consiste em que nós não podemos saber o que é força e matéria; o outro em que não podemos saber, como dos átomos e seu movimento pode nascer uma sensação...
- Inst. Nac. Livro/MEC - 1996
GLOSAS HETERODOXAS A UM DOS MOTES DO DIA, OU VARIAÇÕES ANTI-SOCIOLÓGICAS
(concluído em 1887)
Nur durch die innigste Wechselwirkung und gegensitige Durch-dringung von Philosophie und Empirie entsteht das unerschuetterliche Gebaeude der Wahren, monistischen Wissenschaft *
E. HAECKEL
Eu não creio na existência de uma ciência social. A despeito de todas as frases retóricas e protestos em contrário, insisto na minha velha tese: - a sociologia é apenas o nome de uma aspiração tão elevada, quão pouco realizável.
Além deste caráter de simples postulado do coração, que vê ou quisera ver na sociedade humana um todo orgânico, subordinado, como os demais organismos, a certas e determinadas leis, a palavra não tem outro sentido, que mereça ser investigado.
Logo em princípio, salta aos olhos que o estudo dos fenômenos sociais, considerados em sua totalidade e reduzidos à unidade lógica de um sistema científico, daria em resultado uma estupenda pantosofia, evidentemente incompatível com as forças do espírito humano.
Se nem mesmo como ciência descritiva, que aliás envolve, na opinião de Haeckel, uma contradictio in adjecto, a ciência social é construtível, pois que não podem ser descritos, todos os fenômenos da sua alçada, por que razão sê-lo-ia como ciência de princípios, como ciência de leis, que têm de ser induzidas da observação desses mesmos fatos?
Desconheço uma tal razão. Entretanto, não se suponha que eu tenha jurado aos meus deuses fazer guerra à sociologia.
Sugestões
Poesia Portuguesa
Realização
amei seu post sobre Tobias, inclusive estou usando seu material com o devido crédito no facebook do portal "Tobias Barreto em Fotos" um portal que retrata a cidade deste ilustre patrono com fotos.
ResponderExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluir