Ribeiro Couto


Santos - SP

1898-1963


Ribeiro Couto

Academia Brasileira de Letras

Ribeiro Couto (Rui R. C.), jornalista, magistrado, diplomata, poeta, contista e romancista, nasceu em Santos, SP, em 12 de março de 1898, e faleceu em Paris, França, em 30 de maio de 1963. Eleito para a Academia Brasileira de Letras, em 28 de março de 1934, na sucessão de Constâncio Alves, foi recebido em 17 de novembro de 1934, pelo acadêmico Laudelino Freire.

Filho de José de Almeida Couto e de Nísia da Conceição Esteves Ribeiro. Cursou a Escola de Comércio José Bonifácio, em Santos. Estreou no jornalismo em 1912, na imprensa de sua cidade natal. Em 1915, iniciou o curso da Faculdade de Direito de São Paulo, trabalhando no Jornal do Commercio, em 1916, e depois no Correio Paulistano. Transferiu-se para o Rio de Janeiro e, em 1919, bacharelou-se na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Publicou o seu primeiro livro de poesias, O jardim das confidências, em 1921. Trabalhou em diversos jornais, até 1922. Participou da Semana de Arte Moderna e, em seguida, retirou-se para o interior de São Paulo, em tratamento de saúde. Naquele ano saíram os volumes de contos A casa do gato cinzento e O crime do estudante Batista.

Residiu dois anos em Campos do Jordão, passando a exercer depois o cargo de delegado de polícia em São Bento do Sapucaí. Nomeado promotor público em São José do Barreiro, ocupou esse cargo até 1925, ano em que se transferiu para Pouso Alto, MG, em busca de um clima propício à sua saúde. Ali exerceu a promotoria pública até 1928. Nesse ano regressou ao Rio de Janeiro, entrando para o Jornal do Brasil como redator.

Designado para o posto de auxiliar de consulado m Marselha, partiu em fins de 1928 para aquela cidade francesa, onde o cônsul-geral Matheus de Albuquerque o indicou para vice-cônsul honorário. Em 1931, foi removido para Paris, onde serviu um ano como adido junto ao consulado geral. O governo provisório, por designação do ministro Afrânio de Melo Franco, em 1932, promoveu-o a cônsul de terceira classe. Foi 2o secretário de legação na Holanda, de 1935 a 1940; 1o secretário de legação, em 1942; encarregado de Negócios em Lisboa, de 1944 a 1946; ministro plenipotenciário na Iugoslávia, de 1947 a 1952; embaixador do Brasil na Iugoslávia, de 1952 até aposentar-se.

Durante a sua permanência na Europa, ocupou-se também de divulgar a literatura brasileira. Não interrompeu a colaboração para o Jornal do Brasil, O Globo e A Província (de Pernambuco), sobre literatura e acontecimentos do estrangeiro.

Seu primeiro livro, O jardim das confidências, ainda é simbolista. Foi definido por Ronald de Carvalho como "intimista", em virtude do tom de confidência, dos temas simples e cotidianos, próprios de uma tendência do período (1910-1920) de transição, herdeiro do Simbolismo, e que foi intitulado de "penumbrismo", um momento precursor do Modernismo, a que Ribeiro Couto se ligou a partir de 1922, sem sacrifício, contudo, de seu feitio peculiar. Escreveu versos em francês no livro Le jour est long (O dia é longo), pelo qual conquistou, em 1958, em Paris, o prêmio internacional de poesia, outorgado anualmente a poetas estrangeiros cuja obra honra a França. Suas obras em prosa romances, contos, crônicas também refletem a mesma atmosfera, ao retratar episódios simples, a gente humilde dos subúrbios e a vida anônima das pequenas ruas e casas pobres.

Obras POESIA: O jardim das confidências (1921); Poemetos de ternura e de melancolia (1924); Um homem na multidão (1926); Canções de amor (1930); Noroeste e outros poemas do Brasil (1932); Província (1934); Cancioneiro de Dom Afonso (1939); Cancioneiro do ausente (1943); O dia é longo (1944); Rive etrangère (1951); Entre mar e rio (1952); Le jour est long (1958); Poesias reunidas (1960); Longe (1961).

PROSA: A casa do gato cinzento, contos (1922); O crime do estudante Batista, contos (1922); A cidade do vício e da graça, crônicas (1924); Baianinha e outras mulheres, contos (1927); Cabocla, romance (1931); Espírito de São Paulo, crônicas (1932); Clube das esposas enganadas, contos (1933); Presença de Santa Teresinha, ensaio (1934); Chão de França, viagem (1935); Conversa inocente, crônicas (1935); Prima Belinha, romance (1940); Largo da Matriz, contos (1940); Barro do município, crônicas (1956); Dois retratos de Manuel Bandeira (1960); Sentimento lusitano, ensaio (1961). Numerosas obras de Ribeiro Couto foram traduzidas para o italiano, francês, húngaro, sueco, servo-croata.

Biografia: ABL

CHUVA
Ribeiro Couto

A chuva fina molha a paisagem lá fora.
O dia está cinzento e longo... Um longo dia!
Tem-se a vaga impressão de que o dia demora...
E a chuva fina continua, fina e fria,
continua a cair pela tarde, lá fora.

Da saleta fechada em que estamos os dois,
vê-se, pela vidraça, a paisagem cinzenta:
a chuva fina continua, fina e lenta...
E nós dois em silêncio, um silêncio que aumenta
se um de nós vai falar e recua depois.

Dentro de nós existe uma tarde mais fria...

Ah! Para que falar? Como é suave, brando,
o tormento de adivinhar - quem o faria? -
as palavras que estão dentro de nós chorando...

Somos como os rosais que, sob a chuva fria,
estão lá fora no jardim se desfolhando.
Chove dentro de nós... Chove melancolia...

(O jardim das confidências, 1921.)


SERENATA EM COIMBRA
Ribeiro Couto

Por vós e de um só nome eu te chamaria,
Não fosse a inclinação ao natural — infanta! —
E o pudor que também mais alto se alevanta
No meu vocabulário e na minha poesia.
Passaste com um cântaro à cabeça.

E eu — Mondego, Choupal, Camões, Rainha Santa —
Outro nome não sei que te valha e mereça.
Infanta? Pobre rapariga,
Havia sugestões clássicas pelo espaço
E eras infanta, sim, na paisagem antiga:
Parecias pisar o mármore de um paço.
(Era estranho que eu não ouvisse o burburinho
De fidalgos em ala a oferecer-te o braço.)
Entre escuros portais vejo-me a errar sozinho.

Vai alta a noite. Em que casa moras?
Na colina, uma luz entre tantas
(Não de castelos de rainhas e de infantas)
Será tua janela ainda acesa a estas horas.
Amanhã voltarás ao rio, lavadeira.
Dorme... Dentro da noite um refrão de modinha
Sobe da terra ao céu numa voz estrangeira:
Se Coimbra, se Coimbra fosse minha...


NO JARDIM EM PENUMBRA
Ribeiro Couto

Na penumbra em que jaz o jardim silencioso
A tarde triste vai morrendo... desfalece...
Sobre a pedra de um banco um vulto doloroso
Vem sentar-se, isolado, e como que se esquece.

Deve ser um secreto, um delicado gozo
Permanecer assim, na hora em que a noite desce,
Anônimo, na paz do jardim silencioso,
Numa imobilidade extática de prece.

Em lugar tão propício à doçura das almas
Ele vem meditar muitas vezes, sozinho,
No mesmo banco, sob a carícia das palmas.

E uma só vez o vi chorar, um choro brando...
Fiquei a ouvir... Caíra a noite, de mansinho...
Uma voz de menina ao longe ia cantando.


INFÂNCIA
Ribeiro Couto

Dias de sol suave, de coloridos mansos,
Quando o verde dos matos é mais fresco e cheiroso
E pássaros piam nos esconderijos das árvores!
Vem à minha memória o tempo de menino,
A casa em que eu morava e o mato que havia em frente.
Meu irmão ia comigo buscar o coquinho selvagem
Que em cachos fartos pendia das palmeiras espinhosas.

Havia brejos, pontiagudos de caniços,
Espelhando o sol vertical nas águas lodosas.
Armávamos arapucas para as saracuras.
O saci-pererê morava nesse mato.


À noite
Ribeiro Couto

Vinham conversas monótonas de sapos
E pios impressionantes de inexplicáveis animais.
Dormíamos sonhando com aparições.
Mas na manhã seguinte, ao sol quente,
Íamos de novo apanhar saracuras,
Sem pensar mais nos terrores noturnos da véspera,
Esquecidos do saci-pererê.
Ó tempo de menino! Ó meu irmão que morreu
menino!


O PORTÃO
Ribeiro Couto

Quando à noite regresso a esta rua calada
que sabe o meu romance e esconde a minha vida,
vou antes contemplar certa casa alpendrada
e fico ali, numa atitude enternecida,

fico ali namorando a janela fechada
atrás da qual, no leito lírico, esquecida,
dorme alguém, como a princesa da balada.

Em torno à sua casa o jardim também dorme.
E do arvoredo, que ao luar tem brilhos vagos,
vem um perfume que perfuma a noite enorme,
Esse perfume espalha mãos cheias de afagos...

Fico ali... Tudo toma expressões diferentes.
Tudo toma expressões de impossibilidade...
Ao luar, tudo toma expressões diferentes.
Tudo... Principalmente o seu portão de grade
que me diz "nunca!" no cadeado e nas correntes.

(O jardim das confidências, 1921.)


A FRASE QUE SE ESQUECE
Ribeiro Couto

Na noite morta o céu resplandece, estrelado.
Em baixo, a confusão negra da casaria.
E eu, contemplando o céu de um veludo azulado,
nem sinto a noite, a noite morta, a noite fria!

Vem à minha memória uma frase esquecida.
Uma frase de há muito... Uma pequena frase...
Dessas que a gente vai deixando pela vida,
ditas a uma mulher que a gente amava, quase,
e que ficou também, como a frase, esquecida.

"Tu viverás em mim como um adeus distante..."
Ela era feia e desgraçada... Eu tinha pena.
Grave, não aceitei sua boca ofertante
quando ela veio um dia, humilhada e serena,
Ela era feia e desgraçada... Eu tinha pena.

Como se abandonasse em meus braços, chorando,
eu, a passar-lhe a mão pelo rosto molhado,
a boca murcha, o olhar piedoso, o gesto brando,
sentimental como um poeta enamorado,
afastei-a, movendo a cabeça, negando...

Ela bem compreendeu a renúncia e a meiguice.
E porque fosse imensa a dor daquele instante,
querendo consolar a nós dois foi que eu disse:
"Tu viverás em mim como um adeus distante..."

Olhando agora o céu da noite adormecida,
pus-me a chorar, chorar silenciosamente,
sofrendo a dolorosa ironia da vida,
só porque, sem querer, me despertou na mente
aquela pobre frase esquecida... esquecida...

(O jardim das confidências, 1921.)


SURDINA

Ribeiro Couto

Minha poesia é toda mansa.
Não gesticulo, não me exalto...
Meu tormento sem esperança
tem o pudor de falar alto.

No entanto, de olhos sorridentes,
assisto, pela vida em fora,
à coroação dos eloqüentes.
É natural: a voz sonora
inflama as multidões contentes.

Eu, porém, sou da minoria.
Ao ver as multidões contentes
penso, quase sem ironia:
"Abençoados os eloqüentes
que vos dão toda essa alegria."

Para não ferir a lembrança
minha poesia tem cuidados...
E assim é tão mansa, tão mansa,
que pousa em corações magoados
como um beijo numa criança.

(Poemetos de ternura e de melancolia, 1924.)



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