1906-1994
Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
(1978)
Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
(1978)
Mário Quintana nasceu em Alegrete, no Rio Grande do Sul, em 30 de julho de 1906. Trabalhou em jornais de Porto Alegre (O Estado do Rio Grande do Sul e Correio do Povo) e na Livraria do Globo, que depois viria a ser a Editora Globo. Mário era o quarto filho do farmacêutico Celso de Oliveira Quintana e de Dona Virgínia de Miranda Quintana. Aos 7 anos, orientado pelos pais, aprendeu a ler, tendo como principal compêndio o jornal Correio do Povo. Nesta mesma época seus pais ensinaram-lhe elementares lições de francês. Fez algumas das melhores traduções disponíveis no Brasil, de autores importantes como Proust, Conrad, Voltaire, Virgínia Woolf, Maupassant, Graham Greene, Balzac e Mérimée.
Publicou seu primeiro livro de poemas, A rua dos cataventos em 1940, já maduro, aos 34 anos de idade. Desde então só conheceu a admiração de um número cada vez maior de leitores. Como ele mesmo dizia, "tenho sido contemporâneo de várias gerações de leitores. Parece que juventude, em diversas épocas, tem se identificado com a "sopa de cultura" em que estou imerso". Na opinião de seus críticos, na poesia ele compôs versos com uma cadência e uma melodia que se aproxima da música angustiada de Gustav Mahler; na prosa passou com seu lirismo pelo meio das reflexões existenciais e filosóficas sobre o cotidiano da vida. Em ambas estão presentes seu singular carisma de poeta contemplador da alma humana, com o humor e a leveza que a palavra escrita precisa para atingir a emoção do leitor que, desse mesmo jeito, entende a mensagem de profundidade erudita embutida no colóquio simples da conversação poética. Em nosso modesto entendimento foi na Rua dos cataventos que o poeta imprimiu a essência de sua alma simples, bonita e rica, numa sublime confissão de engrandecimento humano.
Em seguida vieram: Canções (1946), Sapato florido (1948), O aprendiz de feiticeiro (1950), Espelho mágico (1951), Poesias (1962, reuniãos dos livros anteriores), Caderno H (1973), Pé de pilão (1975, infantil), Quintanares (1976) e um bom número de antologias.
Quando pediam ao poeta que falasse de sua vida, ele limitava-se a responder: "Bem... eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão".
Em 14 de novembro de 1984 - numa entrevista à ISTO É - o poeta se apresenta dessa forma:
"Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade. Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro - o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu... Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que nunca acho que escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, introspectivo. Não sei por que sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?
Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Veríssimo - que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras".
Fiel à sua querida Porto Alegre Quintana recebeu em vida os mais significativos reconhecimentos dos grandes intelectuais da época. Seus predicados de carisma na transmissão dos seus pensamentos e sua extraordinária habilidade de lidar com a palavra poética eram elogiados por Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, entre outros nomes da poesia brasileira. O fato de não ter ocupado uma vaga na Academia Brasileira de Letras serviu para estimular, ainda mais, seu peculiar humor e entendimento do conjunto de dissimulações e de interesses que influenciam o comportamento do ser humano, quando integrado na mesma corporativa de valores semelhantes. Nesta oportunidade Mário Quintana compôs o conhecido e notável Poeminho do Contra.
Publicou seu primeiro livro de poemas, A rua dos cataventos em 1940, já maduro, aos 34 anos de idade. Desde então só conheceu a admiração de um número cada vez maior de leitores. Como ele mesmo dizia, "tenho sido contemporâneo de várias gerações de leitores. Parece que juventude, em diversas épocas, tem se identificado com a "sopa de cultura" em que estou imerso". Na opinião de seus críticos, na poesia ele compôs versos com uma cadência e uma melodia que se aproxima da música angustiada de Gustav Mahler; na prosa passou com seu lirismo pelo meio das reflexões existenciais e filosóficas sobre o cotidiano da vida. Em ambas estão presentes seu singular carisma de poeta contemplador da alma humana, com o humor e a leveza que a palavra escrita precisa para atingir a emoção do leitor que, desse mesmo jeito, entende a mensagem de profundidade erudita embutida no colóquio simples da conversação poética. Em nosso modesto entendimento foi na Rua dos cataventos que o poeta imprimiu a essência de sua alma simples, bonita e rica, numa sublime confissão de engrandecimento humano.
Em seguida vieram: Canções (1946), Sapato florido (1948), O aprendiz de feiticeiro (1950), Espelho mágico (1951), Poesias (1962, reuniãos dos livros anteriores), Caderno H (1973), Pé de pilão (1975, infantil), Quintanares (1976) e um bom número de antologias.
Quando pediam ao poeta que falasse de sua vida, ele limitava-se a responder: "Bem... eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão".
Em 14 de novembro de 1984 - numa entrevista à ISTO É - o poeta se apresenta dessa forma:
"Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906. Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! eu sempre achei que toda confissão não transfigurada pela arte é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas... Aí vai! Estou com 78 anos, mas sem idade. Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a Eternidade. Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda por cima prematuramente, o que me deixava meio complexado, pois achava que não estava pronto. Até que um dia descobri que alguém tão completo como Winston Churchill nascera prematuro - o mesmo tendo acontecido a sir Isaac Newton! Excusez du peu... Prefiro citar a opinião dos outros sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou tão orgulhoso que nunca acho que escrevi algo à minha altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que sou tímido. Nada disso! sou é caladão, introspectivo. Não sei por que sujeitam os introvertidos a tratamentos. Só por não poderem ser chatos como os outros?
Exatamente por execrar a chatice, a longuidão, é que eu adoro a síntese. Outro elemento da poesia é a busca da forma (não da fôrma), a dosagem das palavras. Talvez concorra para esse meu cuidado o fato de ter sido prático de farmácia durante cinco anos. Note-se que é o mesmo caso de Carlos Drummond de Andrade, de Alberto de Oliveira, de Erico Veríssimo - que bem sabem (ou souberam) o que é a luta amorosa com as palavras".
Fiel à sua querida Porto Alegre Quintana recebeu em vida os mais significativos reconhecimentos dos grandes intelectuais da época. Seus predicados de carisma na transmissão dos seus pensamentos e sua extraordinária habilidade de lidar com a palavra poética eram elogiados por Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles, João Cabral de Melo Neto, Manuel Bandeira, entre outros nomes da poesia brasileira. O fato de não ter ocupado uma vaga na Academia Brasileira de Letras serviu para estimular, ainda mais, seu peculiar humor e entendimento do conjunto de dissimulações e de interesses que influenciam o comportamento do ser humano, quando integrado na mesma corporativa de valores semelhantes. Nesta oportunidade Mário Quintana compôs o conhecido e notável Poeminho do Contra.
Ainda em vida o poeta recebeu várias condecorações e homenagens.
Em 1967 a Câmara de Vereadores da capital do Rio Grande do Sul — Porto Alegre — concedeu-lhe o título de Cidadão Honorário. Em 1968, foi homenageado pela Prefeitura de Alegrete com placa de bronze na praça principal da cidade, onde estão palavras do poeta: "Um engano em bronze, um engano eterno". Em 1976 o Governo do Estado outorgou-lhe a medalha do Negrinho do Pastoreio — a mais alta distinção estadual. No dia 29 de outubro de 1982 o poeta recebeu o título de Doutor Honoris Causa, concedido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em 1983 por aprovação unânime da Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, o prédio do antigo Hotel Magestic (onde o autor viveu por vários anos), tombado como patrimônio histórico do Estado em 1982, passa a denominar-se Casa de Cultura Mário Quintana. Em 1986 foi-lhe concedido o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Vale dos Sinos (UNISINOS) e pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Em 1989 recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Campinas (UNICAMP) e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Também foi eleito o Príncipe dos Poetas Brasileiros, entre escritores de todo o Brasil.
Em 25 de agosto de 1966, em sessão da Academia Brasileira de Letras, foi saudado pelo poeta Manuel Bandeira que escreveu o poema.
A MÁRIO QUINTANA
Manuel Bandeira
Manuel Bandeira
Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.
Quinta-essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!
Quer livres, quer regulares,
Abrem sempre os teus cantares
Como flor de quintanares.
São cantigas sem esgares.
Onde as lágrimas são mares
De amor, os teus quintanares.
São feitos esses cantares
De um tudo-nada: ao falares,
Luzem estrelas luares.
São para dizer em bares
Como em mansões seculares
Quintana, os teus quintanares.
Sim, em bares, onde os pares
Se beijam sem que repares
Que são casais exemplares.
E quer no pudor dos lares.
Quer no horror dos lupanares.
Cheiram sempre os teus cantares
Ao ar dos melhores ares,
Pois são simples, invulgares.
Quintana, os teus quintanares.
Por isso peço não pares,
Quintana, nos teus cantares...
Perdão! digo quintanares.
(Orelha da capa da coletânea Poesias - Editora Globo 8. ed. 1989)
Próximo de seus 87 anos, Mario Quintana faleceu, em Porto Alegre, no dia 5 de maio de 1994.
"Amigos não consultem os relógios quando um dia me for de vossas vidas... Porque o tempo é uma invenção da morte: não o conhece a vida - a verdadeira - em que basta um momento de poesia para nos dar a eternidade inteira".E, com humor finaliza:"A morte é a libertação total: a morte é quando a gente pode, afinal, estar deitado de sapatos".
Texto organizado por artculturalbrasil
A RUA DOS CATAVENTOS
IEscrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!... E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!
Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons... acerta... desacerta...
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas quotidianas...
Jogos da luz dançando na folhagem!
Do que eu ia escrever até me esqueço...
Pra que pensar? Também sou da paisagem...
Vago, solúvel no ar, fico sonhando...
E me transmuto... iriso-me... estremeço...
Nos leves dedos que me vão pintando!
II
Dorme, ruazinha... É tudo escuro...
E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?
Dorme o teu sono sossegado e puro,
Com teus lampiões, com teus jardins tranqüilos...
Dorme... Não há ladrões, eu te asseguro...
Nem guardas para acaso persegui-los...
Na noite alta, como sobre um muro,
As estrelinhas cantam como grilos...
O vento está dormindo na calçada,
O vento enovelou-se como um cão...
Dorme, ruazinha... Não há nada...
Só os meus passos... Mas tão leves são
Que até parecem, pela madrugada,
Os da minha futura assombração...
III
Quando os meus olhos de manhã se abriram,
Fecharam-se de novo, deslumbrados:
Uns peixes, em reflexos doirados,
Voavam na luz: dentro da luz sumiram-se...
Rua em rua, acenderam-se os telhados.
Num claro riso as tabuletas riram.
E até no canto onde os deixei guardados
Os meus sapatos velhos refloriram.
Quer que eu saia voando céu em fora?
Evitemos, Senhor, esse prodígio...
As famílias, que haviam de dizer?
Nenhum milagre é permitido agora...
E lá se iria o resto de prestígio
Que no meu bairro eu inda possa ter!...
VI
Na minha rua há um menininho doente.
Enquanto os outros partem para a escola,
Junto à janela, sonhadoramente,
Ele ouve o sapateiro bater sola.
Ouve também o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola.
E pouco a pouco, gradativamente,
O sofrimento que ele tem se evola...
Mas nessa rua há um operário triste:
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe.
Ele trabalha silenciosamente...
E está compondo este soneto agora,
Pra alminha boa do menino doente...
XVI
Para Nilo Milano
Triste encanto das tardes borralheiras
Que enchem de cinza o coração da gente!
A tarde lembra um passarinho doente
A pipilar os pingos das goteiras...
A tarde pobre fica, horas inteiras,
A espiar pelas vidraças, tristemente,
O crepitar das brasas na lareira...
Meu Deus... o frio que a pobrezinha sente!
Por que é que esses Arcanjos neurastênicos
Só usam névoa em seus efeitos cênicos?
Nenhum azul para te distraíres...
Ah, se eu pudesse, tardezinha pobre,
Eu pintava trezentos arco-íris
Nesse tristonho céu que nos encobre!......
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