Manoel de Barros


Cuiabá - MT
1916
"Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas
- é de poesia que estão falando"

Manoel de Barros nasceu no Beco da Marinha, beira do Rio Cuiabá em 1916. Mudou-se para Corumbá, onde se fixou de tal forma que chegou a ser considerado corumbaense. Atualmente mora em Campo Grande. É advogado, fazendeiro e poeta. Escreveu seu primeiro poema aos 19 anos, mas sua revelação poética ocorreu aos 13 anos de idade quando ainda estudava no Colégio São José dos Irmãos Maristas, Rio de Janeiro. Autor de várias obras pelas quais recebeu prêmios como o “Prêmio Orlando Dantas” em 1960, conferido pela Academia Brasileira de Letras ao livro “Compêndio para Uso dos Pássaros”. Em 1969 recebeu o Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal pela obra “Gramática Expositiva do Chão” e, em 1997 o livro “Sobre Nada” recebeu um prêmio de âmbito nacional.

Perfil

• Cronologicamente pertence à geração de 45.
• Poeta moderno no que se refere
ao trato com a linguagem.
•Avesso à repetição de formas e ao
uso de expressões surradas,
ao lugar comum e ao chavão.
• Mutilador da realidade e pesquisador de
expressões e significados verbais.
• Temática regionalista indo além do valor
documental para fixar-se no mundo mágico
das coisas banais retiradas do cotidiano.
• Inventa a natureza através de sua linguagem,
transfigurando o mundo que o cerca.
• Alma e coração abertos a dor universal.
• Tematiza o Pantanal, universalizando-o.
• A natureza é sua maior inspiração,
o Pantanal é o de sua poesia.Obras

• Poemas concebidos sem pecado - 1937,
• Face imóvel - 1942,
• Poesias - 1956,
• Compêndio para uso dos pássaros - 1960,
•Gramática expositiva do chão - 1966,
• Matéria de poesia - 1970,
•Arranjos para assobio - 1980,
• Livro de pré-coisas - 1985,
• O guardador de águas - 1989,
• Gramática expositiva do chão -
poesia quase toda - 1990,
• Concerto a céu aberto para solo de aves - 1993,
• Livro de ignorãças - 1993,
• Livro sobre nada -1996,
• Ensaios fotográficos - 2000,
• Exercícios de ser criança - 2000,
• O fazedor de amanhecer - 2001,
• Tratado geral das grandezas do ínfimo - 2001,
• Para encontrar o azul eu uso pássaros - 2003,
• Memórias Inventadas - Infância - 2003,
• Cantigas por um passarinho à toa - 2003,
• Encantador de palavras
Edição de portuguesa - 2000,
• Les paroles sans limite
Edição francesa - 2003,
• Todo lo que no invento es falso
Antologia na Espanha - 2003,
• Águas - 2001,
• Das Buch der Unwissenheiten
Edição da revista alemã Alkzent - 1996,
• Poemas rupestres - 2004,
• Memórias inventadas I - 2005,
• Memórias inventadas II - 2006,
Livros Premiados

1. “Compêndio para uso dos pássaros” Prêmio Orlando Dantas -
Diário de notícias 08 de setembro de 1960 - Rio de Janeiro
2.“Gramática expositiva do chão”Prêmio Nacional de poesias - 1966
Governo Costa e Silva - Brasília
3. “O guardador de águas”Prêmio Jabuti de poesias - 1989 - São Paulo
4. “Livro sobre nada”Prêmio Nestlé de Poesia - 1996
5.“Livro das Ignorãnças”Prêmio Alfonso Guimarães da Biblioteca Nacional
Rio de Janeiro - 1996
6. Conjunto de obras
Prêmio Nacional de Literatura do Ministério da Cultura
05 de novembro de 1998
7. Secretaria de Cultura de Mato Grosso do Sul
como melhor escritor do ano 1990
“Prêmio Jacaré de Prata”
8. Livro “Exercício de ser criança
”Prêmio Odilo Costa Filho -
Fundação do Livro Infanto Juvenil - 2000
9. Livro “Exercício de ser criança” - 2000
Prêmio Academia Brasileira de Letras
10. Pen Clube do Brasil- data não anotada
11. “O fazedor de amanhecer (Salamandra)
livro de ficção do anoPrêmio Jabuti- 2002
12. “Poemas Rupestres” - Prêmio APCA 2004 de melhor poesia
29 de março de 2005
13. “Poemas Rupestres” - Prêmio Nestlé - 2006


Fonte:Fundação Manoel de Barros http://www.fmb.org.br/


Mundo Pequeno
(do livro "O Livro das Ignorãças")
...

O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas
maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas
com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco, os
besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa
Ele me rã
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos.
...

Conheço de palma os dementes de rio.
Fui amigo do Bugre Felisdônio, de Ignácio Rayzama
e de Rogaciano.
Todos catavam pregos na beira do rio para enfiar
no horizonte.
Um dia encontrei Felisdônio comendo papel nas ruas
de Corumbá.
Me disse que as coisas que não existem são mais
bonitas.
...

Caçador, nos barrancos, de rãs entardecidas,
Sombra-Boa entardece. Caminha sobre estratos
de um mar extinto. Caminha sobre as conchas
dos caracóis da terra. Certa vez encontrou uma
voz sem boca. Era uma voz pequena e azul. Não
tinha boca mesmo. "Sonora voz de uma concha",
ele disse. Sombra-Boa ainda ouve nestes lugares
conversamentos de gaivotas. E passam navios
caranguejeiros por ele, carregados de lodo.
Sombra-Boa tem hora que entra em pura
decomposição lírica: "Aromas de tomilhos dementam
cigarras." Conversava em Guató, em Português, e em
Pássaro.
Me disse em Língua-pássaro: "Anhumas premunem
mulheres grávidas, 3 dias antes do inturgescer".
Sombra-Boa ainda fala de suas descobertas:
"Borboletas de franjas amarelas são fascinadas
por dejectos." Foi sempre um ente abençoado a
garças. Nascera engrandecido de nadezas.
...

Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença
delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor,
esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável,
o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida
um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em
estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas
e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática.
...
Toda vez que encontro uma parede
ela me entrega às suas lesmas.
Não sei se isso é uma repetição de mim ou das
lesmas.
Não sei se isso é uma repetição das paredes ou
de mim.
Estarei incluído nas lesmas ou nas paredes?
Parece que lesma só é uma divulgação de mim.
Penso que dentro de minha casca
não tem um bicho:Tem um silêncio feroz.
Estico a timidez da minha lesma até gozar na pedra.

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