1823-1864
Minha terra tem palmeiras,
onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Antônio Gonçalves Dias nasceu em Caxias, Maranhão, em 1823, filho de pai português e mãe provavelmente cafuza, Gonçalves Dias se orgulhava de ter no sangue as três raças formadoras do povo brasileiro: a branca, a índia e a negra. Após a morte do pai, sua madrasta mandou-o para a Universidade em Coimbra, onde ingressou em 1840. Atravessando graves problemas financeiros, Gonçalves Dias é sustentado por amigos até se graduar bacharel em 1844.
Retornando ao Brasil, conhece Ana Amélia Ferreira do Vale, grande amor de sua vida. Em 1847, publica os Primeiros Cantos. Esse livro lhe trouxe a fama e a admiração de Alexandre Herculano e do Imperador Dom Pedro II. Em 1849 fundou a revista Guanabara, que divulgava o movimento romântico da época. Gonçalves Dias pediu a mão de Ana Amélia em 1852, mas a família dela não o aceitou. No mesmo ano retornou ao Rio de Janeiro, onde se casou com Olímpia da Costa. Logo depois foi nomeado oficial da Secretaria dos Negócios Estrangeiros. Passou quatro anos na Europa realizando pesquisas em prol da educação nacional.
Voltando ao Brasil foi convidado a participar da Comissão Científica de Exploração, através da qual viajou por quase todo o norte brasileiro. Em 1862, seriamente adoentado, vai se tratar na Europa. Já em estado deplorável, em 1864 embarca no navio Ville de Boulogne para retornar ao Brasil. O navio naufraga na costa maranhense no dia 3 de novembro de 1864. Salvam-se todos a bordo, menos o poeta, que, já moribundo, é esquecido em seu leito.
Retornando ao Brasil, conhece Ana Amélia Ferreira do Vale, grande amor de sua vida. Em 1847, publica os Primeiros Cantos. Esse livro lhe trouxe a fama e a admiração de Alexandre Herculano e do Imperador Dom Pedro II. Em 1849 fundou a revista Guanabara, que divulgava o movimento romântico da época. Gonçalves Dias pediu a mão de Ana Amélia em 1852, mas a família dela não o aceitou. No mesmo ano retornou ao Rio de Janeiro, onde se casou com Olímpia da Costa. Logo depois foi nomeado oficial da Secretaria dos Negócios Estrangeiros. Passou quatro anos na Europa realizando pesquisas em prol da educação nacional.
Voltando ao Brasil foi convidado a participar da Comissão Científica de Exploração, através da qual viajou por quase todo o norte brasileiro. Em 1862, seriamente adoentado, vai se tratar na Europa. Já em estado deplorável, em 1864 embarca no navio Ville de Boulogne para retornar ao Brasil. O navio naufraga na costa maranhense no dia 3 de novembro de 1864. Salvam-se todos a bordo, menos o poeta, que, já moribundo, é esquecido em seu leito.
...
Seus olhos
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
Estrelas incertas, que as águas dormentes
Do mar vão ferir;
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Têm meiga expressão,
Mais doce que a brisa, - mais doce que o nauta
De noite cantando, - mais doce que a frauta
Quebrando a solidão,
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
De vivo luzir,
São meigos infantes, gentis, engraçados
Brincando a sorrir.
São meigos infantes, brincando, saltando
Em jogo infantil,
Inquietos, travessos; - causando tormento,
Com beijos nos pagam a dor de um momento,
Com modo gentil.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Às vezes luzindo, serenos, tranqüilos,
Às vezes vulcão!
Às vezes, oh! sim, derramam tão fraco,
Tão frouxo brilhar,
Que a mim me parece que o ar lhes falece,
E os olhos tão meigos, que o pranto umedece
Me fazem chorar.
Assim lindo infante, que dorme tranqüilo,
Desperta a chorar;
E mudo e sisudo, cismando mil coisas,
Não pensa - a pensar.
Nas almas tão puras da virgem, do infante,
Às vezes do céu
Cai doce harmonia duma Harpa celeste,
Um vago desejo; e a mente se veste
De pranto co'um véu.
Quer sejam saudades, quer sejam desejos
Da pátria melhor;
Eu amo seus olhos que choram em causa
Um pranto sem dor.
Eu amo seus olhos tão negros, tão puros,
De vivo fulgor;
Seus olhos que exprimem tão doce harmonia,
Que falam de amores com tanta poesia,
Com tanto pudor.
Seus olhos tão negros, tão belos, tão puros,
Assim é que são;
Eu amo esses olhos que falam de amores
Com tanta paixão.
...
O Soldado Espanhol
I
céu era azul, tão meigo e tão brando,
E a terra era a noiva que bem se arreava
Que a mente exultava, mais longe escutando
O mar a quebrar-se na praia arenosa.
O céu era azul, e na cor semelhava
Vestido sem nódoa de pura donzela;
E a terra era a noiva que bem se arreava
De flores, matizes; mas vária, mas bela.
Ela era brilhante,Qual raio do sol;
E ele arrogante,De sangue espanhol.
E o espanhol muito amava
A virgem mimosa e bela;
Ela amante, ele zeloso
Dos amores da donzela;
Ele tão nobre e folgando
De chamar-se escravo dela!
E ele disse: - Vês o céu?
-E ela disse: - Vejo, sim;
Mais polido que o polido
Do meu véu azul cetim.
Torna-lhe ele... (oh! quanto é doce
Passar-se uma noite assim!)
- Por entre os vidros pintados
D'igreja antiga, a luzir
Não vês luz? - Vejo. - E não sentes
De a veres, meigo sentir?
- É doce ver entre as sombras
A luz do templo a luzir!
- E o mar, além, preguiçoso
Não vês tu em calmaria?
- É belo o mar; porém sinto,
Só de o ver, melancolia.
- Que mais o teu rosto enfeita
Que um sorriso de alegria.
- E eu também acho em ser triste
Do que alegre, mais prazer;
Sou triste, quando em ti penso,
Que só me falta morrer;
Mesmo a tua voz saudosa
Vem minha alma entristecer.
- E eu sou feliz, como agora,
Quando me falas assim;
Sou feliz quando se riem
Os lábios teus de carmim;
Quando dizes que me adoras,
Eu sinto o céu dentro em mim.
- És tu só meu Deus, meu tudo.
És tu só meu puro amar,
És tu só que o pranto podes
Dos meus olhos enxugar.
-Com ela repete o amante:
- És tu só meu puro amar!
-E o céu era azul, tão meigo e tão brando
E a terra tão erma, tão só, tão saudosa
Que a mente exultava, mais longe escutando
O mar a quebrar-se na praia arenosa!
II
E o espanhol viril, nobre e formoso,
No bandolim
Seus amores dizia mavioso,
Cantando assim:
"Já me vou por mar em fora
Daqui longe a mover guerra,
Já me vou, deixando tudo,
Meus amores, minha terra.
"Já me vou lidar em guerras,
Vou-me à índia Ocidental;
Hei de ter novos amores...
De guerras... não temas ai.
"Não chores, não, tão coitada,
Não chores por t'eu deixar;
Não chores que assim me custa
O pranto meu sofrear.
"Não chores! - sou como o Cid
Partindo para a campanha;
Não ceifarei tantos louros,
Mas terei pena tamanha.
"E a amante que assim o via
Partir-se tão desditoso,
- Vai, mas volta; lhe dizia:
Volta, sim, vitorioso.
"Como o Cid, oh! crua sorte!
Não me vou nesta campanha
Guerrear contra o crescente,
Porém sim contra os d'Espanha!
"Não me aterram; porém sinto
Cerrar-se o meu coração,
Sinto deixar-te, meu anjo,
Meu prazer, minha afeição.
"Como é doce o romper d'alva,
É-me doce o teu sorrir,
Doce e puro, qual d'estrela
De noite - o meigo luzir.
"Eram meus teus pensamentos,
Teu prazer minha alegria,
Doirada fonte d'encantos,
Fonte da minha poesia.
"Vou-me longe, e o peito levo
Rasgado de acerba dor,
Mas comigo vão teus votos,
Teus encantos, teu amor!
"Já me vou lidar em guerras,
Vou-me à índia Ocidental;
Hei de ter novos amores...
De guerras... não temas ai.
"Esta era a canção que acompanhava
No bandolim,
Tão triste, que triste não chorava
Dizendo assim.
III
"Quero, pajens, selado o ginete,
Quero em punho nebris e falcão,
Qu'é promessa de grande caçada
Fresca aurora d'amigo verão.
"Quero tudo luzindo, brilhante
- Curta espada e venáb'lo e punhal,
Cães e galgos farejem diante
Leve odor de sanhudo animal.
"E ai do gamo que eu vir na coutada,
Corça, onagro, que eu primo avistar!
Que o venáb'lo nos ares voando
Lhe há de o salto no meio quebrar.
"Eia, avante! - dizia folgando
O fidalgo mancebo, loução:
- Eía, avante! - e já todos galopam
Trás do moço, soberbo infanção.
E partem, qual do arco arranca e voa
Nos amplos ares, mais veloz que a vista,
A plúmea seta da entesada corda.
Longe o eco reboa; - já mais fraco,
Mais fraco ainda, pelos ares voa.
Dos cães dúbios o latir se escuta apenas,
Dos ginetes tropel, rinchar distante
Que em lufadas o vento traz por vezes.
Já som nenhum se escuta... Quê! - latido
De cães, incerto, ao longe? Não, foi vento
Na torre castelã batendo acaso,
Nas seteiras acaso sibilando
Do castelo feudal, deserto agora.
IV
Já o sol se escondeu; cobre a terra
Belo manto de frouxo luar;
E o ginete, que esporas atracam,
Nitre e corre sem nunca parar.
Da coutada nas ínvias ramagens
Vai sozinho o mancebo infanção;
Vai sozinho, afanoso trotando
Sem temores, sem pajens, sem cão.
Companheiros da caça há perdido,
Há perdido no aceso caçar;
Há perdido, e não sente receio
De sozinho, nas sombras trotar.
Corno ebúmeo embocou muitas vezes,
Muitas vezes de si deu sinal;
Bebe atento a resposta, e não ouve
Outro som responder-lhe; - lnda mal!
E o ginete que esporas atracam,
Nitre e corre sem nunca parar;
Já o sol se escondeu, cobre a terra
Belo manto de frouxo luar.
V
Silêncio grato da noite
Quebram sons duma canção,
Que vai dos lábios de um anjo
Do que escuta ao coração.
Dizia a letra mimosa
Saudades de muito amar;
E o infanção enleado,
Atento, pôs-se a escutar.
Era encantos voz tão doce,
Incentivo essa ternura,
Gerava delícias n'alma
Sonhar d'havê-la a ventura.
Queixosa cantava a esposa
Do guerreiro que partiu,
Largos anos são passados,
Missiva dele não viu...
Parou!... escutando ao perto
Responder-lhe outra canção!...
Era terna a voz que ouvia,
Lisonjeira - do infanção:
"Tenho castelo soberbo
Num monte, que beija um rio,
De terra tenho no Doiro
Jeiras cem de lavradio;
"Tenho lindas haquenéias,
Tenho pajens e matilha,
Tenho os melhores ginetes
Dos ginetes de Sevilha;
"Tenho punhal, tenho espada
D'alfageme alta feitura,
Tenho lança, tenho adaga,
Tenho completa armadura.
"Tenho fragatas que cingem
Dos mares a linfa clara,
Que vão preando piratas
Pelas rochas de Megara.
"Dou-te o castelo soberbo
E as terras do fértil Doiro,
Dou-te ginetes e pajens
E a espada de pomo d'oiro.
"Dera a completa armadura
E os meus barcos d'alto-mar,
Que nas rochas de Megara
Vão piratas cativar.
"Fala de amores teu canto,
Fala de acesa paixão...
Ah! senhora, quem tivera
Dos agrados teus condão!
"Eu sou mancebo, sou Nobre,
Sou nobre moço infanção;
Assim pudesse o meu canto
Algemar-te o coração,
Ó Dona, que eu dera tudo
Por vencer-te essa isenção!
"Atenta escutava a esposa
Do guerreiro que partiu,
Largos anos são passados,
Missiva dele não viu;
Mas da letra que escutava
Delícias n'alma sentiu.
VI
E noutra noite saudosa
Bem junto dela sentado,
Cantava brandas endechas
O gardingo namorado.
"Careço de ti, meu anjo,
Careço do teu amor,
Como da gota d'orvalho
Carece no prado a flor.
"Prazeres que eu nem sonhava
Teu amor me fez gozar;
Ah! que não queiras, senhora,
Minha dita rematar.
O teu marido é já morto,
Notícia dele não soa;
Pois desta gente guerreira
Bastos ceifa a morte à toa.
"Ventura me fora ver-te
Nos lábios teus um sorriso,
Delícias me fora amar-te,
Gozar-te meu paraíso.
"Sinto aflição, quando choras;
Se te ris, sinto prazer;
Se te ausentas, fico triste,
Que só me falta morrer.
"Careço de ti, meu ardo,
Careço do teu amor,
Como da gota d'orvalho
Carece no prado a flor."
VII
Era noite hibernal; girava dentro
Da casa do guerreiro o riso, a dança,
E reflexos de luz, e sons, e vozes,
E deleite, e prazer: e fora a chuva,
A escuridão, a tempestade, e o vento,
Rugindo solto, indómito e terrível
Entre o negror do céu e o horror da terra.
Na geral confusão os céus e a terra
Horrenda simpatia alimentavam.
Ferve dentro o prazer, reina o sorriso,
E fora a tiritar, fria, medonha,
Marcha a vingança pressurosa e torva:
Traz na destra o punhal, no peito a raiva,
Nas faces palidez, nos olhos morte.
O infanção extremoso enchia rasa
A taça de licor mimoso e velho,
Da usança ao brinde convidando a todos
Em honra da esposada: - À noiva! exclama
E a porta range e cede, e franca e livre
Introduz o tufão, e um vulto assoma
Altivo e colossal. - Em honra, brada,
Do esposo deslembrado! - e a taça empunha
Mas antes que o licor chegasse aos lábios,
Desmaiada e por terra jaz a esposa,
E a destra do infanção maneja o ferro,
Por que tão grande afronta lave o sangue,
Pouco, bem pouco para injúria tanta.
Debalde o fez, que lhe golfeja o sangue
D'ampla ferida no sinistro lado,
E ao pé da esposa o assassino surge
Co'o sangrento punhal na destra alçado.
A flor purpúrea que matiza o prado,
Se o vento da manhã lhe entorna o cálix,
Perde aroma talvez; porém mais belo
Colorido lhe vem do sol nos raios,
As fagueiras feições daquele rosto
Assim foram também; não foi do tempo
Fatal o perpassar às faces lindas.
Nota-lhe ele as feições, nota-lhe os lábios,
Os curtos lábios que lhe deram vida,
Longa vida de amor em longos beijos,
Qual jamais não provou; e as iras todas
Dos zelos vingadores descansaram
No peito de sofrer cansado e cheio,
Cheio qual na praia fica a esponja,
Quando a vaga do mar passou sobre ela.
Num relance fugiu, minaz no vulto:
Como o raio que luz um breve instante,
Sobre a terra baixou, deixando a morte.
...
Canção do exílio
(Coimbra, julho de 1843)
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
...
...
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