Carlos Pena Filho


Recife - PE
1929 – 1960
Carlos Souto Pena Filho, fez no Recife sua vida de poeta. Em 1952 publicou seu primeiro livro de poesias, “O tempo da busca”. Em 1955, “Memórias do boi Serapião”, ilustrado por Aloísio Magalhães. “A vertigem lúcida” foi publicado em 1958, e, no ano seguinte, sua obra foi reunida no “Livro Geral”. Organizada por seu biografo Edilberto Coutinho, em 1983 foi publicada a antologia “Os melhores poemas de Carlos Pena Filho”. Em parceria com Capiba, renomado músico pernambucano, foi autor de letras de músicas de sucesso, entre as quais destacamos “A mesma rosa amarela”, incorporada ao movimento da Bossa Nova na voz de Maysa.
Carlos Pena Filho morreu tragicamente no dia 1º de julho de 1960, vítima de um acidente automobilístico em Recife. Foi da redação do “Jornal do Commércio” — onde trabalhava — que pegou carona no carro de um amigo que se chocaria com um ônibus. No jornal assinou duas colunas: “Literatura” e “Rosa dos Ventos”. Em seu bolso foi encontrado o soneto que abaixo transcrevemos.
Neste papel levanta-se um soneto,
de lembranças antigas sustentado,
pássaro de museu, bicho empalhado,
madeira apodrecida de coreto.

De tempo e tempo e tempo alimentado,
sendo em fraco metal, agora é preto.
E talvez seja apenas um soneto
de si mesmo nascido e organizado.

Mas ninguém o verá? Ninguém.
Nem eu, pois não sei como foi arquitetado
e nem me lembro quando apareceu.

Lembranças são lembranças, mesmo pobres,
olha pois este jogo de exilado
e vê se entre as lembranças te descobres.
Desmantelo Azul
Então pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas
depois vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas.

Para extinguir de nós o azul ausente
e aprisionar o azul nas coisas gratas
Enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas

E afogados em nós nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço

E perdidos no azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul: azul.


Para Fazer um Soneto
Tome um pouco de azul, se a tarde é clara,
e espere um instante ocasional
neste curto intervalo Deus prepara
e lhe oferta a palavra inicial

Ai, adote uma atitude avara
se você preferir a cor local
não use mais que o sol da sua cara
e um pedaço de fundo de quintal

Se não procure o cinza e esta vagueza
das lembranças da infância, e não se apresse
antes, deixe levá-lo a correnteza

Mas ao chegar ao ponto em que se tece
dentro da escuridão a vã certeza
ponha tudo de lado e então comece.


Soneto da Busca
Eu quase te busquei entre os bambus
para o encontro campestre de janeiro
porém, arisca que és, logo supus
que há muito já compunhas fevereiro.

Dispersei-me na curva como a luz
do sol que agora estanca-se no outeiro
e assim também, meu sonho se reduz
de encontro ao obstáculo primeiro.

Avançada no tempo, te perdeste
sobre o verde capim, atrás do arbusto
que nasceu para esconder de mim teu busto.

Avançada no tempo, te esqueceste
como esqueço o caminho onde não vou
e a face que na rua não passou.


Soneto das Metamorfoses
A Edmundo Morais
Carolina, a cansada, fez-se espera
e nunca se entregou ao mar antigo.
Não por temor ao mar, mas ao perigo
de com ela incendiar-se a primavera.

Carolina, a cansada que então era,
despiu, humildemente, as vestes pretas
e incendiou navios e corvetas
já cansada, por fim, de tanta espera.

E cinza fez-se. E teve o corpo implume
escandalosamente penetrado
de imprevistos azuis e claro lume.

Foi quando se lembrou de ser esquife:
abandonou seu corpo incendiado
e adormeceu nas brumas do Recife.


Soneto das Definições

Não falarei de coisas, mas de inventos
e de pacientes buscas no esquisito.
Em breve, chegarei à cor do grito,
à música das cores e do vento.

Multiplicar-me-ei em mil cinzentos
(desta maneira, lúcido, me evito)
e a estes pés cansados de granito
saberei transformar em cataventos.

Daí, o meu desprezo a jogos claros
e nunca comparados ou medidos
como estes meus, ilógicos, mas raros.

Daí também, a enorme divergência
entre os dias e os jogos, divertidos
e feitos de beleza e improcedência.


Soneto à Fotografia
Libertar-se ligeiro da moldura
é o desejo da face, onde, o desgosto
emigrado do poço de água impura,
vai se aninhar na hora do sol posto.

Do lugar da prisão vem a tortura,
pois vê, do seu retângulo, teu rosto
e acorrentado na parede escura,
não pode engravidar-te para agosto.

Guarda ainda no olhar instante e viagem:
o instante em que foi presa pela imagem
e o roteiro que fez em mundo alheio.

E eterna inveja do seu sósia ausente
que, embora prisioneiro da corrente,
habita num subúrbio do teu seio.

Um comentário:

  1. Grande poeta, precocemente desaparecido; deixou-nos com a nostalgia de tantos outros belos poemas que não puderam ser escritos!

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