Alphonsus de Guimaraens


Alphonsus de Guimaraens
Ouro Preto - MG

1870 - 1921

AFONSO HENRIQUES DA COSTA GUIMARÃES nasceu a 24 de julho de 1870 na cidade de Ouro Preto em Minas Gerais. Em 1887, após cursar as primeiras letras, matriculou-se no curso de engenharia. Um fato marcante em sua vida foi a perda prematura da prima e noiva Constança (uma das filhas de Bernardo Guimarães, autor de “A Escrava Isaura”), vitimada pela tuberculose aos dezessete anos.
Em 1891, doente vai para São Paulo, onde se matricula no curso de Direito da Faculdade do Largo São Francisco. Em São Paulo, colaborou na imprensa e entrou em contato com os jovens simbolistas. Após concluir o curso volta para Minas Gerais e, no ano de 1897, casa-se com Zenaide de Oliveira. Em 1906 é nomeado juiz em Mariana, onde falece em 15 de julho de 1921.
Na época que viveu em Mariana ficou conhecido como "O Solitário de Mariana", mesmo tendo constituído numerosa prole com Zenaide. O apelido foi dado a ele pela maneira isolada em que viveu. Sua vida em Mariana passou a ser dedicada basicamente aos afazeres de juiz e à elaboração de sua obra poética.
A vida poética de Alphonsus de Guimaraens foi sublinhada pelo acontecimento da morte da prima Constança. Encontrarmos em suas obras, várias citações sobre este fato. Como exemplo, podemos citar o soneto Hão de chorar por ela os cinamomos, onde lemos: “... Ai, nada é/ Pois ela se morreu silente e fria..."/ E pondo os olhos nela como pomos/ Hão de chorar a irmã que lhes sorria".
Em 1895, conheceu Cruz e Sousa no Rio de Janeiro. A grande admiração de Alphonsus por este poeta o fez tornar-se seu amigo. Mais adiante, em 1899, debutou na literatura com dois volumes de versos: Setenário das dores de Nossa Senhora e Câmara Ardente, e Dona Mística; ambos frutos de sua inspiração e tendência simbolista.
A partir de 1900 começou a exercer o jornalismo colaborando em "A Gazeta", de São Paulo, ao mesmo tempo em que cursava a Faculdade de Direito. Publicou Kyriale em 1902 e esta obra o notabilizou no meio literário, conseguindo com isso um reconhecimento de alguns críticos e amigos mais próximos. Em 1903 sofreu grave dificuldade financeira ao perder seu cargo de juiz-substituto em Conceição do Serro.
Logo em seguida Alphonsus de Guimaraens foi nomeado para a direção do jornal político Conceição do Serro, onde também colaboraria seu irmão Archangelus de Guimaraens, Cruz e Souza e José Severino de Resende. Em 1906, tornou-se Juiz Municipal de Mariana (cidade vizinha a Ouro Preto) cargo que exerceria pelo resto de sua vida.
Seus últimos anos foram vividos na obscuridade ao lado de sua esposa Zenaide de Oliveira, com quem teve 14 filhos. Ocasionalmente recebia a visita de alguns amigos e admiradores, até 15 de Julho de 1921, data de sua morte na cidade de Mariana.
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Terceira Dor
VI
É Sião que dorme ao luar. Vozes diletas
Modulam salmos de visões contritas...
E a sombra sacrossanta dos Profetas
Melancoliza o canto dos levitas.
As torres brancas, terminando em setas,
Onde velam, nas noites infinitas,
Mil guerreiros sombrios como ascetas,
Erguem ao Céu as cúpulas benditas.
As virgens de Israel as negras comas
Aromalizam com os ungüentos brancos
Dos nigromantes de mortais aromas...
Jerusalém, em meio às Doze Portas,
Dorme: e o luar que lhe vem beijar os flancos
Evoca ruínas de cidades mortas.
...
Cisnes Brancos
Ó cisnes brancos, cisnes brancos,
Porque viestes, se era tão tarde?
O sol não beija mais os flancos
Da Montanha onde mora a tarde.
Ó cisnes brancos, dolorida
Minh’alma sente dores novas.
Cheguei à terra prometida:
É um deserto cheio de covas.
Voai para outras risonhas plagas,
Cisnes brancos! Sede felizes...
Deixai-me só com as minhas chagas,
E só com as minhas cicatrizes.
Venham as aves agoireiras,
De risada que esfria os ossos...
Minh’alma, cheia de caveiras,
Está branca de padre-nossos.
Queimando a carne como brasas,
Venham as tentações daninhas,
Que eu lhes porei, bem sob asas,
A alma cheia de ladainhas.
Ó cisnes brancos, cisnes brancos,
Doce afago da alva plumagem!
Minh’alma morre aos solavancos
Nesta medonha carruagem...
Quando chegaste, os violoncelos
Que andam no ar cantaram no hinos.
Estrelaram-se todos os castelos,
E até nas nuvens repicaram sinos.
Foram-se as brancas horas sem rumo,
Tanto sonhadas! Ainda, ainda
Hoje os meus pobres versos perfumo
Com os beijos santos da tua vinda.
Quando te foste, estalaram cordas
Nos violoncelos e nas harpas...
E anjos disseram: — Não mais acordas,
Lírio nascido nas escarpas!
Sinos dobraram no céu e escuto
Dobres eternos na minha ermida.
E os pobres versos ainda hoje enluto
Com os beijos santos da despedida.
...
Hão de Chorar por Ela os Cinamomos...
Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.
As estrelas dirão — "Ai! nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria..."
E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.
A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.
Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: — "Por que não vieram juntos?"
...
Soneto
Encontrei-te. Era o mês... Que importa o mês? Agosto,
Setembro, outubro, maio, abril, janeiro ou março,
Brilhasse o luar que importa? ou fosse o sol já posto,
No teu olhar todo o meu sonho andava esparso.
Que saudades de amor na aurora do teu rosto!
Que horizonte de fé, no olhar tranqüilo e garço!
Nunca mais me lembrei se era no mês de agosto,
Setembro, outubro, abril, maio, janeiro, ou março.
Encontrei-te. Depois... depois tudo se some
Desfaz-se o teu olhar em nuvens de ouro e poeira.
Era o dia... Que importa o dia, um simples nome?
Ou sábado sem luz, domingo sem conforto,
Segunda, terça ou quarta, ou quinta ou sexta-feira,
Brilhasse o sol que importa? ou fosse o luar já morto?
...
Cantem outros a clara cor virente
Cantem outros a clara cor virente
Do bosque em flor e a luz do dia eterno...
Envoltos nos clarões fulvos do oriente,
Cantem a primavera: eu canto o inverno.
Para muitos o imoto céu clemente
É um manto de carinho suave e terno:
Cantam a vida, e nenhum deles sente
Que decantando vai o próprio inferno.
Cantem esta mansão, onde entre prantos
Cada um espera o sepulcral punhado
De úmido pó que há de abafar-lhe os cantos...
Cada um de nós é a bússola sem norte.
Sempre o presente pior do que o passado.
Cantem outros a vida: eu canto a morte...
...

Ossa Mea
II
Mãos de finada, aquelas mãos de neve,
De tons marfíneos, de ossatura rica,
Pairando no ar, num gesto brando e leve,
Que parece ordenar mas que suplica.
Erguem-se ao longe como se as eleve
Alguém que ante os altares sacrifica:
Mãos que consagram, mãos que partem breve,
Mas cuja sombra nos meus olhos fica...
Mãos de esperança para as almas loucas,
Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,
Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...
Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,
Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,
Cerrando os olhos das visões defuntas...
...

2 comentários:

  1. Anônimo12:38

    Ninguém cantou a morte com tão fiel e ousado realismo como fez Alphonsus de Guimaraens, nem, tampouco, conseguiu colocar em seus poemas, com tanta delicadeza e elegância de linguagem, os termos macabros com o que o nosso vernáculo se refere à morte e aos fenômenos da decomposição do organismo que lhe sucede. Só este poeta conseguiu dar-lhes, ainda que mórbidos, aquela aura de poesia e sutileza que não possuem quando grafados em prosa. Foi, realmente, um estupendo poeta.
    Humberto Rodrigues Neto - vate2006@gmail.com

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  2. Anônimo12:17

    Poesias muito bonita. Sâo uma preciosidade.

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